Categories: Ana Carolina GarciaColunas

Top 10: os melhores filmes de 2017

É chegada a hora de elencar os longas-metragens que considero os melhores do ano, dentre os títulos que entraram em cartaz nas salas brasileiras no decorrer de 2017, mesmo que produzidos no ano anterior. Ao longo do texto serão comentadas algumas produções que se destacaram de maneira positiva, mas que não necessariamente integram o Top 10 disponibilizado ao final. Contudo, é importante ressaltar que é praticamente impossível assistir a todos os lançamentos, pois em determinadas ocasiões é necessário priorizar certos filmes em detrimento de tantos outros.

 

Alguns dos melhores filmes assistidos fizeram imenso sucesso durante a temporada de premiações passada. Dentre eles, dois se destacam não apenas por sua qualidade, mas também por terem se tornado protagonistas da maior gafe da história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS): “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (Moonlight – 2016) e “La La Land – Cantando Estações” (La La Land – 2016).

 

“Moonlight: Sob a Luz do Luar” derrotou “La La Land – Cantando Estações” no Oscar 2017 (Foto: Divulgação).

 

Dirigido e roteirizado por Barry Jenkins, “Moonlight: Sob a Luz do Luar” é ambientado em uma das regiões mais pobres de Miami e retrata uma parte da sociedade que vive à margem do “american way of life”, abordando preconceito racial e homoafetividade com muito respeito para com as histórias de seus personagens, saindo da zona de conforto proporcionada por estereótipos e clichês para apostar na complexidade de cada um deles. Mesmo perdendo um pouco de sua força na parte final, o longa funciona por levar para as telas temas difíceis, sobretudo para uma plateia conservadora, de forma delicada e ao mesmo tempo dolorosa.

 

“La La Land – Cantando Estações” resgata dignamente um dos gêneros mais populares do cinema clássico, o musical (Foto: Divulgação).

 

“Dono” da estatueta de melhor filme por poucos segundos, “La La Land – Cantando Estações” viu o seu tão sonhado Oscar ir para o concorrente “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (Moonlight – 2016) após uma inaceitável e injustificável troca de envelopes nos bastidores. Dirigido e roteirizado por Damien Chazelle, o longa é o resgate digno de um gênero cinematográfico há muito subestimado tanto por Hollywood quanto pelo público, o musical.

 

E por falar em resgate, o cinema americano continuou buscando no passado elementos para lucrar no presente por meio de remakes, reboots, prequels e sequências como “Blade Runner 2049” (Idem – 2017) e “T2 Trainspotting” (Idem – 2017), por exemplo. Dentre os remakes, o destaque positivo é a versão live-action de “A Bela e a Fera” (Beauty and the Beast – 2017).

 

“A Bela e a Fera”: live-action mantém a roupagem pomposa da animação (Foto: Divulgação).

 

Campeão de bilheteria em 2017 com arrecadação aproximada de US$ 1,2 bilhão em todo o mundo, de acordo com o Box Office Mojo, o longa dirigido por Bill Condon e protagonizado por Emma Watson superou as expectativas do público. Isso se deve ao fato de a Disney ter optado por manter a roupagem suntuosa da animação indicada ao Oscar de melhor filme, mas aprofundando questões pouco exploradas, principalmente acerca do passado de seus personagens. Além disso, o remake também desenvolve com mais afinco a mensagem sobre o conteúdo que se sobrepõe à embalagem, seja ela bonita ou feia, que inevitavelmente sucumbirá ao imbatível teste do tempo.

 

Outro fruto bem sucedido dessa volta dos estúdios hollywoodianos ao passado é “Planeta dos Macacos: A Guerra” (War for the Planet of the Apes – 2017). Último capítulo da trilogia que mostra como os macacos dominaram a Terra, o blockbuster liga a nova série ao filme original protagonizado por Charlton Heston, referenciado por meio de diversos elementos. Dirigido por Matt Reeves, o longa apresenta uma trama inspirada em fatos históricos e clássicos do cinema, criando uma atmosfera tensa que eleva o drama à potência máxima.

 

Tensão e drama elevados à potência máxima também são os ingredientes da obra-prima de Christopher Nolan: “Dunkirk” (Idem – 2017), o filme do ano! Ambientado na Batalha de Dunquerque, uma das mais famosas da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), o longa foca na operação de resgate dos cerca de 400 mil homens das tropas Aliadas que tiveram o mar como única rota de fuga após o cerco do exército alemão entre 25 de maio e 04 de junho de 1940. A chamada Operação Dínamo aconteceu sob um intenso ataque nazista e contou com a participação de civis em barcos de lazer ou pesca que ajudaram a salvar mais de 300 mil vidas no episódio que também é conhecido como o “Milagre de Dunquerque”.

 

Num ano em que a renda das salas de exibição caiu, os blockbusters são os responsáveis por boa parte das bilheterias mundo afora. Contudo, dentre eles, os super-heróis se destacam por estrelarem filmes com tramas desenvolvidas com esmero e capazes de conquistar diferentes fatias do público. E novamente a Marvel foi mais feliz que a DC, que acertou de fato com “Mulher-Maravilha” (Wonder Woman – 2017).

 

Gal Gadot em cena de “Mulher Maravilha”, longa que é a nona maior bilheteria do ano até agora (Foto: Divulgação).

 

Sob a direção de Patty Jenkins, “Mulher-Maravilha” é a nona maior bilheteria do ano (cerca de US$ 821 milhões, segundo o Box Office Mojo) e apresenta Diana / Mulher-Maravilha (Gal Gadot) com muita eficiência, tornando-se um interessante filme de origem de uma das personagens mais famosas dos quadrinhos da DC Comics. Mais do que isso, é uma produção que fala sobre o amor, não apenas no que diz respeito à importância da caminhada lado a lado, mas também da força descomunal que nasce da dor causada por um sacrifício extremo, subvertendo o antigo ditado que diz que “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”, uma vez que Steve Trevor (Chris Pine) exerce papel fundamental na trajetória de Diana.

 

Apesar do sucesso de “Mulher-Maravilha”, a DC/Warner decepcionou um pouco com o aguardado “Liga da Justiça” (Justice League – 2017), permitindo que fosse esmagada pela Marvel, que lançou quatro grandes sucessos pela Disney, Sony e Fox: “Guardiões da Galáxia Vol. 2” (Guardians of the Galaxy Vol. 2 – 2017), “Thor: Ragnarok” (Idem – 2017), “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” (Spider-Man: Homecoming – 2017) e “Logan” (Idem – 2017), aplaudidíssimo no Festival de Berlim. Um fato curioso que vale a pena ser ressaltado é que o vilão de “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” é interpretado por um velho rosto da DC, Michael Keaton, que viveu Bruce Wayne / Batman em “Batman” (Idem – 1989) e “Batman O Retorno” (Batman Returns – 1992).

 

O cinema americano proporcionou ao público diversas produções capazes de levá-lo à reflexão, como o excelente “Eu Não Sou Seu Negro” (I Am Not Your Negro – 2016), de Raoul Peck. Baseado no manuscrito inacabado “Remember This House”, de James Baldwin, o longa premiado no Festival de Berlim e indicado ao Oscar de melhor documentário é um relato do escritor sobre a segregação racial nos Estados Unidos, mostrando a perda de alguns de seus amigos, como Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Jr.

 

“Eu Não Sou Seu Negro” mostra ao espectador que pouco, ou quase nada, mudou em termos de preconceito racial. (Foto: Divulgação).

 

O cinema documental também proporcionou ao Brasil obras aclamadas pela crítica especializada, como “Divinas Divas” (2017) e “No Intenso Agora” (2017), um dos selecionados da Mostra Panorama Dokumente do Festival de Berlim deste ano, onde foi recebido calorosamente pela plateia. A Berlinale 2017 também aplaudiu outros títulos brasileiros, entre eles “Como Nossos Pais” (2017) e “Joaquim” (2017), nas mostras Panorama e Competitiva, respectivamente.

 

Enquanto “Joaquim” prima por sua estética, “Como Nossos Pais” prima pela escolha de seu elenco. Completamente integrados entre si, os atores estão muito à vontade em cena e são o principal alicerce do drama dirigido por Laís Bodanzky. Porém, os destaques são Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra e Paulo Vilhena, que defendem seus personagens com muita destreza.

 

“Gabriel e a Montanha” é baseado na história real do economista carioca Gabriel Buchmann, que morreu ao tentar escalar o Monte Mulanje no Malawi (Foto: Divulgação).

 

Único longa-metragem brasileiro no Festival de Cannes 2017, “Gabriel e a Montanha” (2017) saiu da croisette aclamado pela crítica e com dois prêmios na bagagem: o France 4 Visionary Award (Prêmio Revelação, na Semana da Crítica) e o Gan Foundation Award For Distribution (para a distribuidora francesa). Dirigido pelo carioca Fellipe Barbosa, o filme conta a história real do economista Gabriel Buchmann (João Pedro Zappa), que em 2009 decidiu escalar o Monte Mulanje, o mais alto do Malawi (África). Sem a companhia de um guia, Buchmann morreu de hipotermia e seu corpo foi encontrado dias depois na subida do Mulanje. A trama é baseada em anotações e e-mails do economista para a mãe e a namorada, bem como em entrevistas com pessoas que tiveram contato com ele nos dias que antecederam a tragédia na África.

 

Também baseado numa história real, “Bingo – O Rei das Manhãs” (2017) levou para as telas o drama de Arlindo Barreto, o primeiro intérprete do palhaço Bozo na televisão brasileira. Por causa dos direitos autorais, Arlindo / Bozo virou Augusto Mendes / Bingo (Vladimir Brichta), homem que não podia revelar sua verdadeira identidade e que não soube lidar com a fama repentina e desmedida, caindo na armadilha do álcool e das drogas, tornando-se cada vez mais distante de seu único filho. É uma produção visceral que arranca de Brichta a melhor performance de sua carreira.

 

No entanto, apesar do sucesso de tantos dramas, é válido ressaltar que o cinema nacional começou o ano com uma volta ao passado que merece uma menção honrosa: “Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood” (2017), de João Daniel Tikhomiroff. Sequência do clássico “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981), o longa resgata com propriedade e dignidade um filão há muito negligenciado por aqui, o infanto-juvenil, mantendo a magia do filme que o originou e honrando a memória de Mussum e Zacarias por meio de uma bela homenagem ao final.

 

“Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood” mantém a magia do clássico que o originou (Foto: Divulgação).

 

Com a responsabilidade de completar uma lacuna deixada pelos próprios Trapalhões e também por Xuxa, “Os Saltimbancos Trapalhões – Rumo a Hollywood” marca a reunião de Renato Aragão (Didi) e Dedé Santana após um hiato de 17 anos. Maior humorista em atividade no país, Aragão é o campeão de bilheteria do cinema nacional e levava multidões às salas com filmes que vendiam sem o menor esforço. No início de dezembro, o eterno Didi lançou sua primeira biografia, “Renato Aragão: Do Ceará para o Coração do Brasil”, escrita pelo jornalista e crítico de cinema Rodrigo Fonseca.

 

A comédia continua sendo o gênero mais lucrativo do cinema brasileiro, porém este ano uma se destacou positivamente: “Amor.com” (2017), de Anita Barbosa. Bebendo da fonte das comédias-românticas americanas, o longa não é uma obra-prima, mas merece ser mencionado por sair da zona de conforto composta por piadas prontas e situações apelativas, muitas delas de mau gosto. É uma produção leve e divertida que aborda não apenas a necessidade de respeito e adaptação às diferenças para preservar um relacionamento, bem como a superexposição em tempos de redes sociais e quão nociva ela pode ser.

 

Top 10 2017:

1. “Dunkirk”:

Foto: Divulgação.

Bebendo um pouco da fonte de Steven Spielberg e seu “O Resgate do Soldado Ryan” (Saving Private Ryan – 1998) no que tange à composição de algumas cenas ambientadas na praia, “Dunkirk” começa com uma sequência de tirar o fôlego do espectador, colocando-o no meio da batalha para lhe conceder uma experiência cinematográfica sufocante do início ao fim, tal qual Mel Gibson no terceiro ato de “Até o Último Homem” (Hacksaw Ridge – 2016).

 

Dominando plenamente a técnica cinematográfica e acumulando as funções de diretor, produtor e roteirista, Christopher Nolan utiliza uma narrativa não linear para apresentar a trama e seus personagens, porém sem conceder a nenhum deles o status de protagonista.

 

Com poucos diálogos, “Dunkirk” acerta ao apostar todas as suas fichas no poder da imagem em detrimento da palavra. Com isso, transmite não somente o horror imposto pela guerra e a dor de combatentes assolados pelo medo e frustração, sobrevivendo muitas vezes no limiar da loucura, como também a mensagem de que a união ainda é o melhor antídoto contra um mal capaz de dizimar a humanidade. É poderoso, impactante e a obra-prima de seu realizador.

 

2. “Silêncio” (Silence – 2016):

Foto: Divulgação.

Sob a magistral direção de Martin Scorsese, esta produção orçada em US$ 40 milhões e esnobada pela AMPAS na última edição do Oscar, aborda a fé sob diferentes aspectos, mostrando momentos de conforto e segurança, bem como de dúvida e fraqueza oriundos do sofrimento extremo.

 

Tecnicamente impecável e com um roteiro brilhante, assinado por Scorsese e Jay Cocks, a produção choca ao retratar a violência, a humilhação e, acima de tudo, o ódio japonês pelo Catolicismo e sua resistência à cultura ocidental, muito bem sintetizada na frase “nada cresce num pântano”. O pântano, no caso, o Japão liderado por homens que assumem uma postura selvagem para defender suas tradições e evitar que uma nova religião se espalhe entre a população majoritariamente budista.

 

“Silêncio” não é um filme de fácil digestão, mas é mais uma obra-prima da filmografia de Scorsese. Exprimindo a cada cena a crença de seu idealizador, que na juventude quase optou pelo sacerdócio, esta não é uma obra apenas sobre fé, dor e renúncia, mas sobre a bestialidade humana e suas consequências.

 

3. “La La Land – Cantando Estações”:

Foto: Divulgação.

Verdadeira aula de cinema ministrada por Damien Chazelle, jovem diretor e roteirista que tem conquistado plateias de todo o mundo em sua busca pela perfeição, “La La Land – Cantando Estações” é um espetáculo primoroso que funciona como uma bela homenagem ao cinema e à cidade de Los Angeles.

 

O roteiro de Chazelle é inteligente e explora com muita competência não apenas as características e diferentes realidades de seus personagens, como também o tom crítico à indústria. Assim como “Cantando na Chuva” (Singin’ in the Rain – 1955) criticou a maneira como astros e profissionais do cinema mudo foram descartados na Era Falada, “La La Land – Cantando Estações” mostra a face cruel de Hollywood, que cobra de seus profissionais um preço alto a cada conquista. É a velha fábrica de sonhos e ilusões sendo implacável ao proporcionar um choque de realidade para quem nela – ou dela – tenta sobreviver. E isto pode ser condensado numa única frase de Sebastian (Ryan Gosling) à forasteira Mia (Emma Stone): “É L.A. (Los Angeles). Eles veneram tudo e não valorizam nada”.

 

Oferecendo à plateia uma deliciosa viagem à Era Clássica de Hollywood, marcada também pelos musicais da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), “La La Land – Cantando Estações” é a segunda pérola de Chazelle em dois anos – a primeira foi “Whiplash – Em Busca da Perfeição” (Whiplash –2014). É um filme sobre sonhos, amor e, principalmente, sobre como a vida deveria ser e como ela realmente é. Mas, acima de tudo, é sobre a escolha que tem a renúncia como custo alto.

 

4. “Eu Não Sou Seu Negro”:

Foto: Divulgação.

Narrado por Samuel L. Jackson, “Eu Não Sou Seu Negro” leva para as telas o importante debate sobre segregação racial nos Estados Unidos usando como fio condutor o manuscrito de “Remember This House”, de James Baldwin.

 

Um dos nomes mais importantes da luta pelos direitos civis, Baldwin perdeu amigos assassinados nos anos 1960, entre eles, Martin Luther King Jr., Medgar Evers e Malcolm X, cujas trajetórias foram contadas diversas vezes no cinema hollywoodiano, que durante muito tempo evitou contratar atores negros como protagonistas de suas produções. Isso também é mostrado no longa por meio de imagens de filmes estrelados por Harry Belafonte e Sidney Poitier, que quebrou a barreira imposta pelo preconceito e se tornou o primeiro ator negro a assumir a função de protagonista, bem como a vencer o Oscar de melhor ator e a deixar seu autógrafo e marcas das mãos e dos pés no Grauman’s Chinese Theatre em Los Angeles.

 

Com direção e roteiro de Raoul Peck, o documentário tem no poder da imagem o seu maior trunfo. Com bastante perspicácia, a edição de Alexandra Strauss utiliza imagens não apenas do passado, mas também atuais para ilustrar o texto de Baldwin e mostrar ao espectador que pouco, ou quase nada, mudou em termos de preconceito racial.

 

5. “Manchester à Beira-Mar” (Manchester by the Sea – 2016):

Foto: Divulgação.

Dirigido e roteirizado por Kenneth Lonergan, “Manchester à Beira-Mar” é extremamente rico em reviravoltas e detalhes impressionantes que muitas vezes surtem o mesmo efeito de um soco no estômago. Estruturado com esmero e sem cometer o deslize do melodrama barato em nenhum momento graças a algumas pitadas de humor inteligente, o longa chama a atenção por mesclar presente e passado, inserido com precisão cirúrgica pela edição primorosa de Jennifer Lame, montando o triste quebra-cabeça da trama sem perder o ritmo da narrativa em nenhum momento.

 

No entanto, é o elenco em perfeita sintonia que impulsiona a história, concedendo o máximo de veracidade possível a cada cena, mesmo as que podem ser consideradas banais num primeiro momento. Nada em “Manchester à Beira-Mar” é banal, pois cada detalhe é importante para a melhor compreensão de sua trama, sobretudo no que tange à personalidade de Lee Chandler (Casey Affleck), homem introspectivo e com problemas de sociabilidade que funcionam como escudo para esconder sua dor. A complexidade de Lee é esmiuçada por Affleck, que dosa com perfeição raiva, trauma, fragilidade e indiferença, transformando Lee num verdadeiro liquidificador de emoções. Uma atuação digna de cada prêmio recebido, inclusive o Oscar de melhor ator, que teve como suporte dois coadjuvantes de peso, Kyle Chandler (Joe) e Lucas Hedges (Patrick).

 

Produzido por Matt Damon, amigo de infância dos irmãos Affleck, esta não é somente uma produção sobre a dor da perda e suas consequências, principalmente em relação ao tormento causado pelo sentimento de culpa que impede o indivíduo de seguir em frente e se reerguer das cinzas, literalmente. “Manchester à Beira-Mar” é uma grande pérola sobre um cruel acerto de contas com o passado e seus fantasmas, concedendo à plateia uma experiência cinematográfica comovente e ao mesmo tempo perturbadora.

 

6. “A Qualquer Custo” (Hell or High Water – 2016):

Foto: Divulgação.

Ambientado no interior do Texas, estado com muitos imigrantes mexicanos e descendentes de índios, alvos constantes de preconceito e humilhações, “A Qualquer Custo” é uma produção que critica o preconceito como prática antiga e ainda aceita pela sociedade.

 

Com um roteiro interessante e conciso, assinado por Taylor Sheridan, “A Qualquer Custo” tem na direção firme de David Mackenzie e na interação de todo o elenco seus principais alicerces. Chris Pine (Toby Howard) e Ben Foster (Tanner Howard) funcionam bem em cena, assim como a dupla formada por Jeff Bridges (Marcus Hamilton) e Gil Birmingham (Alberto Parker). No entanto, o que realmente chama a atenção neste elenco é o amadurecimento profissional de Pine, que interpreta um homem simples que vê a pobreza como uma doença hereditária e faz o possível para que seus filhos tenham um futuro diferente, mesmo sendo um pai ausente. O ator condensa toda a dor e complexidade de seu personagem apenas no olhar, deixando para trás o rostinho bonitinho que o tornou popular em produções mais leves e/ou blockbusters, como os da franquia “Star Trek”.

 

“A Qualquer Custo” é um faroeste moderno e intenso que ultrapassa os limites da ação para permitir que o espectador reflita sobre tempos tão conturbados e em como todos pagam a conta de alguma maneira. Isso pode ser resumido pelo raciocínio do personagem de Birmingham: os brancos roubaram as terras dos índios no passado e, agora, os banqueiros estão roubando-as dos brancos. É a lei do retorno enraizada no ditado popular “um dia da caça, outro do caçador”.

 

7. “Corra!” (Get Out – 2017):

Foto: Divulgação.

Produzido, dirigido e roteirizado por Jordan Peele, “Corra!” é um filme classificado como suspense e terror que tem como fio condutor de sua história o relacionamento inter-racial de dois jovens americanos de classes sociais distintas.

 

Eficiente também no humor, inserido em doses pequenas e com precisão cirúrgica, “Corra!” aposta numa trama instigante e inteligente que critica a hipocrisia de uma sociedade que prega que o preconceito racial não existe mais. Tal ideia é vendida de forma repetida e persuasiva pelos membros da família Armitage e pode ser condensada em duas frases proferidas pela jovem Rose (Allison Williams): “Eles (pais) não são racistas” e “Meu pai teria votado no Obama pela terceira vez”.

 

Contando com boas atuações, sobretudo de Daniel Kalluya (Chris Washington), que passeia com perspicácia tanto pelo suspense quanto pelo terror, “Corra!” não é somente mais um filme sobre racismo e hipocrisia. É uma produção sobre o perigo oferecido por mentes perturbadas à sociedade, oferecendo à plateia uma experiência cinematográfica incômoda, levando-a a reflexão mesmo quando utiliza alguns clichês e recursos cômicos.

 

8. “Logan”:

Foto: Divulgação.

Filme mais violento do universo “X-Men”, “Logan” marca a despedida de Hugh Jackman do mutante Wolverine, personagem que interpretou por 17 anos, desde “X-Men: O Filme” (X-Men – 2000), de Bryan Singer. É uma despedida muito digna do ator que neste filme trabalha com mais afinco a complexidade do personagem, exprimindo sua dor mesmo na mais discreta expressão facial, mas sem deixar de lado a sua natureza violenta, potencializada em sequências de tirar o fôlego do espectador.

 

Com direção de James Mangold e baseado na HQ “Velho Logan”, o filme aposta no lado humano de seu protagonista, mostrando-o emocionalmente destruído e amargurado, completamente desacreditado da vida e dos X-Men. Mas graças ao roteiro inteligente e desenvolvido com esmero, “Logan” não cai na armadilha da pieguice em nenhum momento, nem mesmo quando o drama familiar toma conta da narrativa.

 

Abrindo caminho para uma nova e poderosa turma de X-Men, “Logan” é uma produção que fala sobre ética, amor, remorso e sofrimento de maneira a elevar os filmes de super-heróis a outro patamar, o da obra-prima.

 

9. “O Apartamento” (Forushande – 2016):

Foto: Divulgação.

Protagonista de uma das polêmicas acerca do Oscar deste ano, devido ao polêmico veto migratório do atual presidente americano, Donald Trump, o cineasta iraniano Asghar Farhadi não compareceu à cerimônia da AMPAS para receber a estatueta de melhor filme estrangeiro por “O Apartamento”, que tem o preconceito entre as temáticas abordadas.

 

No longa, o preconceito surge em cena por meio de uma sociedade retrógrada que culpa a mulher e não o seu agressor, apesar das exceções à regra. Isso é apresentado à plateia sob a ótica de Emad (Shahab Hosseini), que não sabe lidar com a dor causada pelo ataque à esposa após a invasão de seu apartamento. Não bastasse isso, por vezes sua sensação de impotência se mistura ao desejo de vingança e à vergonha, sobretudo perante os vizinhos e o elenco da peça encenada por ele e a esposa, “A Morte de um Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller.

 

Tendo como principal alicerce a primorosa atuação de Hosseini, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes, “O Apartamento” é um filme complexo que discute conceitos éticos e morais numa sociedade de liberdade cerceada pelas leis vigentes e por preceitos religiosos.

 

10. “Bingo – O Rei das Manhãs”:

Foto: Divulgação.

Personagem carismático que fez a alegria da criançada que cresceu nos anos 1980, o palhaço Bozo é um dos representantes de uma época em que programas destinados à fatia infantil do público eram grandes apostas da televisão brasileira. Mas seu primeiro intérprete no programa do SBT sucumbiu à pressão oriunda da fama e sofreu com as consequências de seus atos. A história é contada em “Bingo – O Rei das Manhãs”, filme que não poupa nada nem ninguém, tal qual o Bozo de Arlindo Barreto.

 

Dirigido por Daniel Rezende, o longa recria a década de 1980 com esmero, sobretudo o cenário do programa do SBT, num interessante trabalho de direção de arte. Contando com narrativa ágil, “Bingo – O Rei das Manhãs” tem como maior trunfo a interpretação de Vladimir Brichta (Augusto / Mendes). É um trabalho impecável e o mais complexo da carreira do ator que se firmou como galã da Globo há vários anos.

 

“Bingo – O Rei das Manhãs” foi escolhido por uma comissão da Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na corrida por uma vaga entre os finalistas da categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar 2018. Porém, a AMPAS divulgou a lista de pré-finalistas no dia 14 de dezembro e o filme está fora da disputa pelo Golden Boy.

 

Leia também:

2017: o ano que abalou Hollywood

Campeão de bilheteria do cinema nacional, Renato Aragão invade as livrarias

‘Batman O Retorno’ completa 25 anos

Ana Carolina Garcia

Recent Posts

  • Carnaval/SP

Premiado e consolidado, Léo do Cavaco lembra trajetória antes de chegar ao microfone da Colorado

Inesquecível. O ano de 2024 foi especial para Léo do Cavaco, além completar dez anos como intérprete oficial no Carnaval de…

1 minuto ago
  • Brasil
  • Famosos
  • Música
  • Rio de Janeiro

Rock in Rio confirma Zeca Pagodinho, Luan Santana e Chitãozinho e Xororó, entre outros

O Rock in Rio acontecerá nos dias 13, 14, 15, 19, 20, 21 e 22 de setembro, na Cidade do…

27 minutos ago
  • Entretenimento
  • Televisão

A Grande Conquista 2 elimina quinze participantes e classifica dois para Mansão

Segue o jogo. Na noite desta segunda-feira (29), novos vileiros foram eliminados de A Grande Conquista 2. Ao todo 15…

35 minutos ago
  • Entretenimento
  • Famosos
  • Música
  • Televisão

Quem é Tranca Rua, que gerou polêmica entre Ludmilla e Martinho da Vila?

Tranca Rua. O termo ficou em evidência nos últimos dias nas redes sociais após a frase "Só Jesus expulsa o…

43 minutos ago
  • Carnaval/RJ

Radamés diz que foi amante de Viviane Araújo enquanto ela estava com Belo

Rapaz! Radamés Furlan, de 38 anos, expôs, nesta segunda-feira (29), um caso extraconjugal com a atriz Viviane Araújo enquanto ela…

13 horas ago
  • Famosos

Daniel Lenhardt, ex-BBB 20, tasca beijão em outro rapaz em o Túnel do Amor

Daniel Lenhardt, ex-BBB 20, tasca beijão em outro rapaz em o Túnel do Amor. Reality do Multishow conta com dez…

14 horas ago