Festival do Rio 2019: ‘Um Lindo Dia na Vizinhança’
Lançado em 1968, “MisteRogers’ Neighborhood” (Idem – 1968 – 1976 / 1979 – 2001) era um dos programas mais populares da televisão americana, totalizando 895 episódios. Seu apresentador e produtor executivo, Fred Rogers tinha canal de comunicação aberto com as crianças, algo que, no Brasil, apenas Xuxa Meneghel conseguiu ao ser alçada à fama com o “Xou da Xuxa” (1986 – 1992). Ambos os programas fazem parte da memória afetiva de milhões de pessoas dos dois países. Mas a diferença entre eles é muito simples: formato. Enquanto a Rainha dos Baixinhos brasileira oferecia uma atração voltada basicamente para o entretenimento em sua essência, o Rei dos Baixinhos americano trilhava pelo caminho educativo e didático. Este também foi o caminho escolhido pela diretora Marielle Heller, de “Poderia me Perdoar?” (Can You Ever Forgive Me? – 2018), para levas às telas “Um Lindo Dia na Vizinhança” (A Beautiful Day in Neighborhood – 2019), um dos selecionados para a Mostra Panorama do Cinema Mundial do Festival do Rio.
Anunciado pela Sony Pictures como uma história sobre amizade, “Um Lindo Dia na Vizinhança” é baseado no artigo “Can You Say… Hero?”, publicado pela revista Esquire, escrito por Tom Junod, jornalista que serviu de inspiração para Lloyd Vogel, interpretado por Matthew Rhys. O filme começa em 1998, mostrando Fred Rogers (Tom Hanks) em ação no programa que o tornou um dos homens mais influentes da cultura americana. Paralelamente a isso, Lloyd é apresentado à plateia como o jornalista investigativo que não tem a simpatia de muitas personalidades, que recebe uma pauta sobre o perfil de Rogers no momento no qual precisa encarar seus fantasmas do passado, sintetizados na figura de seu pai, Jerry (Chris Cooper).
Estruturado como um episódio de “MisteRogers’ Neighborhood”, “Um Lindo Dia na Vizinhança” se desenvolve didaticamente para mostrar ao espectador as personalidades distintas de Lloyd e Fred. Eterno Mr. Rogers, Fred surge como um homem calmo e generoso que tem sempre uma frase de apoio para quem precisa – “Não há vida normal sem sofrimento” e “Quando você tem filhos, tem uma nova chance para crescer”, esta última dita à Oprah Winfrey, que aparece em imagem de arquivo, num interessante trabalho de montagem e efeitos visuais. Enquanto Lloyd é o oposto, o homem rancoroso e ainda machucado pelo passado, mas que precisa superar as dores o quanto antes para seguir em frente. E é o jornalista o centro deste filme que prima por sua fotografia, sobretudo ao trabalhar com maestria “telona” e “telinha”, exploradas de maneira bastante perspicaz para situar o espectador.
Produção de estética refinada, “Um Lindo Dia na Vizinhança” ultrapassa a fórmula de títulos sobre amizade, pois é, na verdade, sobre a transformação do indivíduo em constante busca por paz interior e felicidade após anos assombrado por traumas familiares. Neste contexto, Fred Rogers é o astro disposto a fazer o bem ao próximo, o herói que, apesar de recusar o título, precisa aceitá-lo porque faz parte do pacote da fama adquirida ao longo dos anos – “O que realmente importa é o que fazemos com ela (fama)”, diz Fred a Lloyd.
No entanto, a trama de “Um Lindo Dia na Vizinhança” não funciona somente pelo roteiro cuidadoso, mas também pelo elenco afinado, que tem como destaques Tom Hanks e Chris Cooper. Enquanto Cooper opta pela rede6nção por caminhos tortuosos, Hanks aposta nos detalhes, realizando um trabalho minucioso de construção de personagem. É uma atuação rica que torna crível esta viagem à Vizinhança de Mr. Rogers, rendendo a ele indicações como ator coadjuvante em diversos prêmios, entre eles, o Globo de Ouro e o SAG Awards.
No fim das contas, apesar de coadjuvante, Tom Hanks é o verdadeiro condutor de “Um Lindo Dia na Vizinhança”, principalmente pela opção da diretora Marielle Heller e dos roteiristas Micah Fitzerman-Blue e Noah Harpster em deixar para a plateia decidir se Rogers era apenas um homem comum, personagem ou herói. Segundo Tom Junod, em entrevista à Revista Time, em novembro deste ano, Fred Rogers era um mistério para ele, comparando-o Batman. “Batman não tinha superpoderes. Ele se transformou em super-herói com seu cinto de utilidades e todo o treinamento. Obviamente, ele tem uma lição para ensinar sobre bondade, mas acho que ele também tem uma lição para ensinar sobre a conquista da bondade, que a bondade é uma prática”.
“Um Lindo Dia na Vizinhança” estreia no circuito comercial em 23 de janeiro de 2020.
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Assista ao trailer oficial legendado:
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