Por dentro do barracão: De plástica moderna e urbana, Mocidade fará desabafo na Avenida com Elza Soares

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

O encontro tão esperado entre a estrela Elza Soares e a estrela da Mocidade já tem data marcada: 24 de fevereiro, segunda-feira de Carnaval. Até lá, a verde e branca de Padre Miguel sabe da responsabilidade em produzir um desfile à altura da homenageada e dos componentes que tanto sonharam com esse momento. No que depender do projeto artístico da escola, o encontro das estrelas vai emanar luz pela Avenida em tom de desabafo e promete iluminar outro sonho dos torcedores: um campeonato no dia seguinte.

Por dentro do barracão, uma plástica que une Elza a sua escola de coração: modernidade, contemporaneidade e vanguarda. Decorações nada convencionais e materiais fora dos tradicionais. Grandiosidade de um dos maiores nomes da música brasileira expressa também no tamanho das alegorias, como o abre-alas, que chega a 50 metros de comprimento. Verde e branco não falta, bem como a estrela, símbolo da Mocidade que este ano ganhou ainda mais destaque na plástica da agremiação.

Jack Vasconcelos é o carnavalesco da Mocidade para 2020. Foto: SRzd

DESABAFO NA AVENIDA

A missão de retratar os 82 anos de Elza Soares na Marquês de Sapucaí, em um desfile que ainda teve seu tempo reduzido – de 75 para 70 minutos – não é nem um pouco fácil. Para o carnavalesco Jack Vasconcelos, que recebeu o SRzd no barracão da Mocidade, o público assistirá ao desfile da verde e branca como assiste ao último capítulo de uma novela. Tudo acontecerá de forma rápida, veloz, dinâmica e emocionante.

Assim como em uma trama digna de horário nobre, dramatização não faltará. A vida de Elza daria uma daquelas novelas épicas, que mesmo reprisada dez vezes, manteria o ibope nas alturas. Na história, a protagonista se veste de deusa para ser exaltada por seus súditos torcedores, que desabafam sobre a vida da personagem principal e questionam atitudes da sociedade.

“O enredo é um desabafo. A história de vida da Elza, e a gente apresentá-la como essa deusa que a gente se refere é um desabafo. A vida precisa o tempo todo ser essa luta? Teria necessidade disso? Nosso desfile é um grito de existência e resistência”, explicou Jack Vasconcelos, que deixou claro que temas polêmicos – e necessários – serão retratados de forma explícita na Sapucaí.

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

“Eu vejo que algumas pessoas que são resistentes a certas abordagens (críticas), no caso do enredo sobre a Elza, demonstram uma ignorância total sobre a história dela. Não dá pra não falar de machismo, de racismo, de respeito às mulheres, de feminicídio, do extermínio sistemático da população jovem negra. São assuntos que estão na pauta do dia e permeiam a vida da Elza. Ela veio desse mundo, como ela própria fala, do ‘planeta fome’, onde vive uma população que não quer ser anulada e precisa ser respeitada. Eu sei que isso chateia algumas pessoas. Paciência. Vão passar o Carnaval em Nice (cidade da França). Esse Carnaval, então, vai chatear muito essa gente”, brincou o carnavalesco.

Jack, que ganhou notoriedade ao realizar dois desfiles críticos de sucesso no Paraíso do Tuiuti, incluindo o vice-campeonato de 2018, faz um mergulho ainda mais profundo na temática na Mocidade. Com uma carreira artística que se confunde com a luta contra o preconceito, “Elza Deusa Soares” passará pelo Sambódromo em um grande ato de desabafo em verde e branco. “Ela hoje é formalmente uma ativista, mas ela foi durante a vida inteira. Elza sempre lutou pra sobreviver e no nosso desfile não faltará luta.”

FIQUE DE OLHO
ELZA SOARES E ABRE-ALAS

É claro que em um desfile que homenageia Elza Soares o que todo mundo quer saber é onde a ‘deusa’ do enredo vem. Jack fez mistério e não quis estragar a surpresa, mas despistou dizendo que a cantora “estará em todos os carros” e por todo desfile. A expectativa, porém, é que Elza desfile no abre-alas ou na última alegoria.

O primeiro carro, por sinal, é um dos trunfos da escola. Toda em verde e branco, a alegoria chega a 50 metros de comprimento. Ela representa o início de vida de Elza Soares em Água Santa. Barracos, mulheres com latas d’água da cabeça e louva-a-deus ganharam forma no carro, que traz a estrela da Mocidade em destaque.

Por todo o projeto, é possível perceber uma plástica diferente da que foi apresentada pela escola nos últimos carnavais. O tema permitiu que a Mocidade reencontrasse, de certa forma, um estilo visual que ficou marcado em sua história: algo mais moderno, contemporâneo e vanguardista.

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

“O enredo acabou ajudando. Por não ser um tema clássico de Carnaval, nós não ficamos presos a materiais mais tradicionais. No geral, a gente tem um desfile muito moderno, com uma linguagem muito urbana. A gente tem soluções que poderíamos resolver de uma forma mais tradicional, mas resolvemos de outra, que representa melhor plasticamente a Elza. Já se espera algo diferente falando dela. Estamos com materiais mais modernos, como produtos de fazer roupas de esporte. Não digo que são mais baratos, mas são o que a gente precisa para um Carnaval mais contemporâneo”, explicou Jack Vasconcelos.

A utilização das cores é outro fator que chama atenção no barracão. Em uma alegoria repleta de bocas, que faz uma alusão a esse ‘desabafo’ da escola, um colorido forte e marcante toma conta. “É um enredo muito dramático e a paleta de cor seguiu isso. No setor do Carnaval, a gente tem até uma paleta mais suave, porque é uma lembrança querida. Mas os outros falam de muita luta, então são cores mais densas”, disse o carnavalesco.

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

As fantasias trazem símbolos que facilitam a leitura do enredo e possibilitam uma identificação direta com a vida da homenageada, como perucas black power e punhos negros cerrados. Algumas alas comerciais já divulgadas, contudo, foram duramente criticadas em redes sociais. Jack comentou sobre o assunto e garantiu que o resultado será satisfatório.

“Eu espero que as pessoas se acalmem pra não passarem vergonha depois, porque quem falou mal vai passar. Esperem o desfile e parem de brigar. Deixem os outros trabalharem em paz, pelo bem da escola. É só isso que a gente quer: paz para terminar da melhor maneira possível. Tenho certeza que será maravilhoso e muita gente vai queimar a língua”, respondeu o carnavalesco.

Com um barracão mais adiantado que em anos anteriores, a Mocidade está perto de terminar a produção de fantasias. A escola pretende finalizar as alegorias em um prazo máximo de até uma semana antes do Carnaval.

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

O DESFILE

Primeiro setor: “A gente abre o desfile falando dessa menina que nasceu em Moça Bonita e foi criada na Água Santa. O início de vida dela, difícil, com a lata d’água na cabeça, ouvindo o louva-a-deus e tentando imitar o som. Essa menina que precisou casar cedo e teve uma infância muito difícil. Que chega no programa do Ary Barroso para cantar e ele tenta ridicularizar ela por conta da vestimenta. Ele pergunta a ela ‘de que planeta ela veio?’ e Elza responde: ‘Eu vim do planeta fome’. Depois que ela dá esse resposta altiva pra aquele Brasil que não reconhecia aquele Brasil que se apresentava ali na frente, e canta, naquele momento, a voz que saiu não foi só dela, mas sim de todas as pessoas que viviam também no ‘planeta fome’, pessoas que não são vistas pela sociedade e foram representadas por ela naquele momento”.

Segundo setor: “A gente fala da relação da Elza com o místico e a religiosidade. Ela não segue uma religião muito própria. Ela desde cedo demonstrou uma intimidade com o místico, com a natureza, com as plantas, com as ervas. Ela sempre sonhou muito e teve premonições. Ela já foi budista, filha de Iansã. Essa mistura brasileira com o místico que a Elza tem. Ela nunca se sentiu sozinha”.

Terceiro setor: “A gente fala da escalada da Elza saindo da fábrica de sabão, de quando ela foi doméstica, até ingressar na carreira artística. Ela entrou na companhia da Mercedes Baptista para ser cantora de musical. Passou a ser cantora da noite, de boate, até conseguir gravar seu disco e estourar. Virou Madrinha da Seleção, conheceu o Garrincha”.

Detalhes do barracão da Mocidade Independente para o Carnaval 2020. Foto: SRzd

Quarto setor: “Falamos da Elza pioneira cantando samba-enredo. Ela começou no Salgueiro e depois foi pra Mocidade. O carro alegórico faz uma mistura dos desfiles que a Elza puxou samba”.

Quinto setor: “A gente fala dos obstáculos que a Elza teve que enfrentar para se manter na carreira. Ela enfrentou violência doméstica, racismo, machismo – essas barreiras que ela teve que ultrapassar pra vencer na vida. Nesse setor, a gente faz uma metáfora com o circo, porque Elza conta que ela achou que o maior fundo do poço da vida dela foi cantar no circo pra poder sobreviver. É um trauma que ela carrega até hoje. A gente entendeu que esse circo para o qual ela foi empurrada, metaforicamente falando, são os preconceitos da sociedade brasileira que a empurraram pra isso. Ela não conseguiu estabilizar a carreira dela muito por conta desas coisas”.

Sexto setor: “Trazemos a Elza com as bandeiras que ela defende hoje mais claramente. Falamos dela como uma fênix, que sempre se renovava e acontecia de novo. Ela inclusive tem uma fênix tatuada na perna. Falamos do movimento feminista, da causa LGBT, da defesa da juventude negra, das causas da periferia. Ela, que veio do ‘planeta fome’ inicial, nesse setor, como uma grande deusa, oferece um banquete pra quem tem fome e alimenta esse povo através da música dela”.

FICHA TÉCNICA

Enredo: Elza Deusa Soares
Carnavalesco: Jack Vasconcelos
Posição: 5ª a desfilar na segunda-feira de Grupo Especial, 24 de fevereiro
Alegorias: 5
Tripés: 1
Alas: 28
Componentes: 3200

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