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Oscar 2024: mensagem antibelicista ‘no mundo de Oppenheimer’

Realizada no último domingo (10) no Dolby Theatre, no coração de Hollywood, a 96a cerimônia de entrega do Oscar foi guiada pela previsibilidade e equilíbrio no que tange à distribuição das estatuetas. Com isso, nesta edição, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) alcançou a tão sonhada tranquilidade no evento apesar do atraso de poucos minutos em seu início.

 

Robert Downey Jr. durante discurso de agradecimento no Oscar 2024 (Foto: Divulgação – Crédito: Phil McCarten / ©A.M.P.A.S.).

 

Muitos comentários têm surgido desde a noite de domingo, dentre eles, sobre a consagração de Robert Downey Jr. numa indústria que há alguns anos o colocou no limbo devido aos inúmeros problemas enfrentados pela dependência química. Vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por “Oppenheimer” (Oppenheimer – 2023, EUA / Reino Unido), dirigido por Christopher Nolan, Downey Jr. agora representa o conto de fadas hollywoodiano, o exemplo de promessa na juventude que se perdeu em meio à trajetória profissional em curva ascendente e, depois de passar um período na prisão e ser considerado praticamente proscrito por muitos, retorna como um herói amado por pessoas de todas as idades, Tony Stark / Homem de Ferro, pavimentando o caminho para a glória com o Oscar há muito merecido.

 

Emma Stone durante discurso de agradecimento no Oscar 2024 (Foto: Divulgação – Crédito: Phil McCarten / ©A.M.P.A.S.).

A vitória de Robert Downey Jr. dominou diversos holofotes, assim como a de Emma Stone, citada por muitos como uma “surpresa” diante do favoritismo de Lily Gladstone devido à vitória de dois grandes termômetros do Oscar nas categorias de atores principais, o Actor (SAG Awards) e o Globo de Ouro de melhor atriz em filme de drama, concedidos pelo Sindicato dos Atores dos Estados Unidos (Screen Actors Guild – SAG) e pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA), respectivamente.

 

Concorrendo à categoria de melhor filme como produtora, Stone venceu a estatueta de melhor atriz por “Pobres Criaturas” (Poor Things – 2023, Irlanda / Reino Unido / EUA), de Yorgos Lanthimos, por ter apresentado a atuação de maior entrega e coragem em toda a temporada. E isso lhe garantiu diversos prêmios antes do Oscar, dentre eles, o Globo de Ouro de melhor atriz em filme de comédia / musical. Vencedora do Oscar de melhor atriz por “La La Land: Cantando Estações” (La La Land – 2016, EUA / Hong Kong), de Damien Chazelle, Stone ainda teve a seu favor o fato de ser uma veterana querida por muitos na concorrida indústria, o que lhe permitiu encarar a disputa com mais naturalidade que Gladstone, profissional que parecia ser a escolha mais óbvia da AMPAS em sua busca por representatividade, diversidade e inclusão desde o Oscar 2016. Afinal, Lily Gladstone estava na corrida pela estatueta dourada por um filme inspirado em fatos reais, “Assassinos da Lua das Flores” (Killers of the Flower Moon – 2023, EUA), de Martin Scorsese, e entrou para a História da Academia como a primeira descendente de povos originários americanos a ser indicada ao Oscar de melhor atriz.

 

No entanto, a “surpresa” que diminuiu as chances de cinéfilos em bolões mundo afora não foi o ponto que gerou mais comentários nos últimos dias, pois o Oscar 2024 apresentou sutilezas no posicionamento da AMPAS em relação ao fortalecimento do diálogo com o público, visando a melhora nos índices de audiência. De acordo com a Variety, esta edição foi a mais assistida desde 2020, totalizando, no território americano, 19,5 milhões de telespectadores, o que representa aumento de 4% em relação à transmissão da cerimônia do ano passado.

 

Mesmo pequeno, o aumento nos índices de audiência nos Estados Unidos pode ser atribuído às indicações de títulos de grande apelo junto ao público. Campeões de bilheteria que marcaram presença em diversas categorias, como por exemplo, “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One – 2023, EUA), de Christopher McQuarrie, e “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” (Spider-Man: Across the Spider-Verse – 2023, EUA), de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson. No entanto, os holofotes estavam realmente virados para o líder de indicações, 13 ao todo, “Oppenheimer” e “Barbie” (Barbie – 2023, EUA / Reino Unido), respectivamente dirigidos por Christopher Nolan e Greta Gerwig, protagonistas da campanha “Barbenheimer”.

 

Mas o longa-metragem inspirado na famosa boneca da Mattel chegou ao final da temporada de premiações enfraquecido, deixando o protagonismo, de fato, para “Oppenheimer”, que liderou uma cerimônia que se destaca dentre as anteriores pelo tom antibelicista não em relação aos discursos dos vencedores propriamente ditos, mas ao posicionamento observado nas escolhas dos votantes. Ou seja, na escolha dos vencedores, mais especificamente de três títulos que mostram ao espectador os horrores da guerra, seja ela qual for: “Oppenheimer”, “Zona de Interesse” (The Zone of Interest – 2023, EUA / Reino Unido / Polônia) e “20 Dias em Mariupol” (20 Days in Mariupol – 2023, Ucrânia). Além disso, importante ressaltar, muitos dos convidados da Academia utilizavam bottom vermelho da campanha Artists4Ceasefire, que pede cessar-fogo imediato em Gaza, entre eles, Mark Ruffalo e Billie Eilish.

 

Mostrando os bastidores do Projeto Manhattan, sobretudo o jogo político, “Oppenheimer” foi o maior vencedor da noite, totalizando sete estatuetas (melhor filme, direção para Nolan, ator para Cillian Murphy, ator coadjuvante para Robert Downey Jr., fotografia, edição e trilha sonora), mesmo número conquistado há exatos 30 anos por outro longa-metragem que também tem a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) como tema central: o agora clássico “A Lista de Schindler” (Schindler’s List – 1994, EUA), de Steven Spielberg – o longa venceu as estatuetas de melhor filme, direção para Spielberg, roteiro adaptado, fotografia, direção de arte, edição e trilha sonora. A diferença, contudo, é que enquanto “Oppenheimer” fala sobre a criação da bomba atômica, “A Lista de Schindler” mostra os horrores dos campos.

 

A vitória de “Oppenheimer” soa como uma espécie de passagem de bastão de Spielberg para Nolan, dois cineastas que passeiam com destreza por temas variados em suas realizações cinematográficas, marcando, ainda, a primeira vez em 20 anos, desde “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (The Lord of the Rings: The Return of the King – 2003, Nova Zelândia / EUA), de Peter Jackson, que um grande campeão de bilheteria conquista o maior prêmio da AMPAS. E isso fortalece a instituição na já citada busca pela audiência há tempos perdida.

 

Independentemente da audiência televisiva, a consagração de Nolan e “Oppenheimer” representa a oposição da indústria aos conflitos bélicos ao redor do globo por meio da apresentação, na tela grande dos cinemas, de episódios da História que não podem jamais ser esquecidos para que nada parecido se repita no presente nem no futuro. O mesmo deve ser dito em relação a “Zona de Interesse”, outro título de enorme destaque na temporada que também tem a Segunda Guerra Mundial como centro de sua trama, mas com outra abordagem.

 

“Zona de Interesse”: equipe agradece a estatueta de melhor filme internacional (Foto: Divulgação – Crédito: Trae Patton / @A.M.P.A.S.).

 

Dirigido por Jonathan Glazer, “Zona de Interesse”, vencedor das estatuetas de melhor filme internacional e som, ambienta o espectador aos horrores de Auschwitz por meio da frieza da família do primeiro comandante do campo, Rudolf Höss, que desfrutava de conforto e felicidade enquanto judeus eram assassinados do outro lado do muro. É uma produção potente que causa imenso impacto sobre a plateia, sobretudo pela escolha de seu realizador em apresentar os acontecimentos do campo por meio de sons, não de imagens.

 

Enquanto “Oppenheimer” e “Zona de Interesse” exploram a Segunda Guerra Mundial, “20 Dias em Mariupol” leva às telas um conflito ainda em andamento, a Guerra da Ucrânia. Com direção de Mstyslav Chernov, este longa vencedor do Oscar de melhor documentário, a primeira produção do país europeu no Oscar, mostra ao mundo o sofrimento imposto aos ucranianos desde fevereiro de 2022, quando o país foi invadido pela Rússia.

 

Mstyslav Chernov e parte da equipe de “20 Dias em Mariupol” no Oscar 2024 (Foto: Divulgação – Crédito: Trae Patton / @A.M.P.A.S.).

 

“’ 20 Dias em Mariupol’ também foi indicado na categoria de filme internacional pela Ucrânia, e eu me sinto honrado e acho muito apropriado que, para um país que está em guerra no momento, o cinema que o representa seja um documentário. Haverá um momento em que grandes filmes sairão da Ucrânia. Grandes artistas estão agora trabalhando – ou realmente lutando. Muitos cineastas da Ucrânia estão agora nas trincheiras lutando por seu país. Portanto, eles não podem fazer filmes. Eles ainda não podem processar o que está acontecendo com a nossa história, o que está acontecendo com o nosso povo. Portanto, neste momento, um documentário está representando a Ucrânia, mas chegará o momento em que mais cineastas ucranianos virão, e espero que eles se inspirem em nossa experiência, em nosso trabalho, e contem mais histórias”, disse Chernov na sala de imprensa do Dolby Theatre, classificando a experiência na temporada de premiações como “estranha e dolorosa”.

 

Os três longas-metragens foram escolhidos por uma comunidade que, desde a Segunda Guerra Mundial, tenta utilizar sua voz contra conflitos bélicos ao redor do globo – neste ponto, vale citar a vitória de “War Is Over!” (War Is Over! – 2023, EUA), dirigido por David Muslin e ambientado durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), na categoria de melhor animação (curta). Algumas vezes de forma eficiente, outras, nem tanto, pois Hollywood já se isentou muito ao longo dos anos, inclusive no início da Segunda Guerra para que os estúdios não perdessem o lucro advindo do mercado europeu.

 

Cillian Murphy durante discurso de agradecimento no Oscar 2024 (Foto: Divulgação – Crédito: Phil McCarten / ©A.M.P.A.S.).

 

Inegavelmente leve, divertida e a mais ágil dos últimos anos, a cerimônia do Oscar 2024 não pode ser dissociada do discurso antibelicista no cenário político atual, no qual o temor de uma guerra nuclear é sombra constante. Como disse Cillian Murphy em seu discurso de agradecimento, ainda vivemos no mundo de J. Robert Oppenheimer. “Fizemos um filme sobre o homem que criou a bomba atômica. E, para o bem ou para o mal, estamos todos vivendo no mundo de Oppenheimer. Portanto, eu realmente gostaria de dedicar este filme aos pacificadores de todo o mundo”, afirmou o vencedor da estatueta de melhor ator do Oscar 2024.

 

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Ana Carolina Garcia

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