Sapucaí, 40: A verdade sobre a volta da Mangueira e os ineditismos de 1984

Foto: Acervo do Museu Nacional/Arte: SRzd

Rio. O palco maior do Carnaval brasileiro vive um marco em sua história. O sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, está próximo de completar quatro décadas de espetáculo. Lá, aconteceu a consolidação dos desfiles das escolas de samba na cidade.

A Passarela Professor Darcy Ribeiro começou a ser construída em 1983 e foi inaugurada no ano seguinte. Em 2024, chega aos 40 anos recebendo a diversidade de criação, a genialidade artística e musical de tantas mentes brilhantes e traços tão importantes relevantes da cultura popular do país.

O portal SRzd preparou uma série de reportagens sobre esse momento. Confira as publicações anteriores:

+ Oscar Niemeyer, o traço do gênio no palco da cultura popular

+ Sapucaí, 40: Utopia de Darcy e o embate de Brizola, o ‘Odorico’ para os Marinho

+ A soberania e o mau negócio que é desfilar aos domingos

A verdade sobre a volta da Mangueira e a única disputa da história

Tudo foi inédito. Após décadas tendo que montar e desmontar as arquibancadas e estruturas de ferro, o samba carioca estreou na sua Casa definitiva.

Cercada de indecisões e polêmicas, se concretizava a tão sonhada Passarela do Samba, em 1984, nos estertores da Ditadura Militar e sob a batuta do então governador do Rio, Leonel Brizola.

Tudo foi inédito, e não foi só a inauguração do sambódromo. As principais escolas de samba passaram a desfilar divididas em dois dias. Foi também naquele ano que se usou um regulamento jamais reaproveitado; uma campeã para o domingo, outra para a segunda-feira e uma supercampeã.

Foi também em 1984 que uma escola de samba desfilou e, após chegar na Apoteose, retornou pela Avenida. E não foi só. Ao final do texto, veja algumas curiosidades desse momento icônico da festa maior da cultura nacional.

+ Ex-presidente revelou a volta mangueirense

Ex-presidente da Mangueira e compositor, Álvaro Caetano, o Alvinho, contou que o retorno da escola na Marquês de Sapucaí foi mera obra do acaso e improviso.

Alvinho disse em antiga entrevista ao G1, que o projeto do sambódromo não previa o escoamento das alegorias após o desfile. Com isso, quando a Mangueira – última escola a desfilar na segunda-feira – chegou à Apoteose, encontrou um engarrafamento de alegorias e não podia sair com seus carros.

“A Mangueira num toque de mágica fazer a volta e retornar pela Sapucaí. E aí o povo desceu das arquibancadas e foi um delírio”, contou (relembre esse momento):

*Imagens – TV Manchete

Principal oponente da Mangueira, que estava há dez anos sem levar o título, a Portela contava com enredo e samba de primeira grandeza. Os carnavalescos Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo prepararam Contos de Areia, que homenageava os portelenses Paulo da Portela, Natal e Clara Nunes, representados respectivamente pelos Orixás Oranian, Oxóssi e Iansã.

Antes do desfile, a bateria esquentava ao som de clássicos imortalizados na voz de Clara Nunes, falecida em abril do ano anterior após um choque anafilático, consequência de anestesia para uma cirurgia de varizes. Desde o início da década de 70, Clara estava sempre presente nos desfiles da Portela. Aquele momento levou às lágrimas o público e os portelenses. Um minuto de silêncio fosse respeitado (veja os registros):

O Carnaval daquele ano ainda contava com outros elementos importantes. Os resquícios da polêmica apuração do ano anterior, quando a Beija-Flor de Joãozinho Trinta havia conquistado um título contestado e a Mocidade Independente de Padre Miguel, de Fernando Pinto, mordida com o sexto lugar de 1983.

Os desfiles ainda tiveram a força do Império Serrano e seu enredo sobre a malandragem, carregado de ironia talvez também direcionada ao concurso anterior, e o Salgueiro, apoiado na obra de David Corrêa, a mais executada nas rádios no pré-Carnaval (ouça o samba):

Se a Mangueira homenageou o cantor Braguinha, a Vila Isabel fez um tributo a todos os componentes de uma escola de samba, embalada por uma obra-prima de Martinho da Vila. A União da Ilha levou os ditados populares e a Imperatriz Leopoldinense escrachou os políticos brasileiros.

E teve mais homenagem. A Caprichosos de Pilares celebrou o humorista Chico Anysio. E pinta aí outro acontecimento histórico; a Estácio de Sá estreou e usou pela primeira vez esse nome, abandonando o Unidos de São Carlos. Ainda desfilaram no grupo principal o Império da Tijuca, Unidos da Tijuca, Acadêmicos de Santa Cruz, Unidos da Ponte e Unidos do Cabuçu.

Ajudada pelo abraço popular, a segunda-feira foi vencida pela Mangueira, 7 pontos na frente da Mocidade. Numa disputa mais contestada, a Portela foi a campeã do domingo, com o Império 2 pontos atrás. As três primeiras de cada noite disputaram o supercampeonato no sábado seguinte, que referendou a catarse verde e rosa e terminou assim:

1º Estação Primeira de Mangueira 139
2º Portela 137
3º Mocidade Independente de Padre Miguel 128
4º Império Serrano 128
5º Beija-Flor de Nilópolis 127
6º Caprichosos de Pilares 120

Na noite nunca mais repetida na história dos desfiles, a Mangueira entrou na pista carregando uma enorme faixa com os dizeres: “Agradecemos ao povão que não desanimou durante 10 anos esperando a grande vitória. O carnaval é de vocês! Mangueira”. Em seguida, fez uma homenagem à Portela. Quem viu, viu.

+ Curiosidades de 1984:

1984 foi o último desfiles das escolas de samba do grupo principal sob comando da Associação das Escolas de Samba. A Liesa daria as ordens a partir daquele momento.

Nas arquibancadas do sambódromo, havia um grande número de faixas em favor das Diretas já, apoiando a campanha por eleições diretas para presidente. Não deu certo…

O Império de Marangá, do Grupo 1-B, foi a primeira escola de samba a pisar no sambódromo, na sexta-feira. A escola teve problemas com a falta de alegorias e só desfilou com cinco pessoas na comissão de frente. Foi rebaixada.

Leonel Brizola não escapou das vaias do público e foi apupado ao atravessar a Apoteose durante o desfile da União da Ilha.

Sem a TV Globo, desafeto de Brizola, a extinta Rede Manchete transmitiu sozinha os desfiles.

O sistema de som parou de funcionar no meio da apresentação do Império da Tijuca. O presidente ameaçou parar o desfile, mas acabou sendo convencido a seguir.

O sambódromo teve parte de sua estrutura interditada no sábado de Carnaval. A rampa de acesso de um dos setores cedeu quatro centímetros.

As escolas sofreram com a largura da nova Praça da Apoteose. Ninguém sabia como evoluir naquele trecho mais largo da Sapucaí.

Ao final dos desfiles, dirigentes das escolas sugeriram que o local fosse usado no ano seguinte como concentração, e o sentido do desfile alterado. A ideia, não vingou.

As musas daquele ano foram Monique Evans, estreando como rainha de bateria da Mocidade Independente, e Luiza Brunet, pela Beija-Flor.

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