Estatueta envergonhada: A comédia acaba quando a dor do outro começa

Will Smith faz discurso emocionado e se desculpa por tapa. Foto: Reprodução/Globoplay

Will Smith faz discurso emocionado e se desculpa por tapa. Foto: Reprodução/Globoplay

Não se fala em outra coisa nos últimos dias. O tapa na cara recebido pelo comediante Chris Rock entrou para a história da Academia de premiação do Oscar do cinema. O ator Will Smith não gostou nada, nada da piada feita por Chris referindo-se à alopecia, doença que provoca falhas e perdas dos pelos corporais, sofrida por Jana Smith, esposa de Will, no palco da apresentação.

No episódio em questão, os destaques que deram “pinta” no tapete vermelho, foram a violência verbal, física e psicológica. Sem contar, a falta de empatia, falta de cuidado, falta de sensibilidade e a inconveniência ao se brincar com a dor de alguém.

Ultimamente fala-se tanto em empatia (palavrinha vedete da moda), mas acredito que o ser humano ainda precisa praticar muito, muito para ser PHD e autoridade nesta matéria. Afinal, quando a “brincadeirinha” constrange o outro, deixa de ser brincadeira e passa a ser, no mínimo, desrespeito.

Quem perde com esse enredo lamentável? Perde o tradicional espetáculo de premiação do Oscar cinematográfico, que já proporcionou momentos memoráveis para a arte mundial.

Perde quem bate e se coloca no lugar de agressor descontrolado ao deixar fluir pelos dedos, ou melhor por um tapa, toda sua razão e seu inconformismo.

Perde a vítima que foi alvo da “chacota” sem graça, por ter sua dor e angústia expostas para o mundo inteiro. Perde quem apanhou e também se expôs, visto que perdeu uma ótima oportunidade de se calar, ser empático e menos agressivo em suas palavras desnecessárias.

Sem sombra de dúvidas, foi um festival de agressividade. Sem fazer juízo de valores para definir quem está certo ou errado, o episódio escancara a fragilidade do controle emocional, a necessidade de aparecer e se destacar através de piadas sem graça, além do uso indiscriminado e desregulado de mecanismos de impulsividade e reatividade, o famoso “agir com o fígado”. Ingredientes suficientes para engrossar a lista dos comportamentos inaceitáveis que ferem e personificam a condição de vulnerabilidade e desconforto do outro, dificultando suas relações pessoais.

Enfim, sem julgamentos ou apontamentos (afinal, disso o mundo já está cheio), mas trazendo à tona a importância do autocontrole emocional e da utilização coerente de nosso senso de responsabilidade com atos e palavras, principalmente quando estes podem se tornar armas a ferir o outro, neste momento temos a certeza de que, assim como quem presenciou a cena chocante, a estatueta de 2022 se envergonha do lamentável e desnecessário momento protagonizado naquele palco.

Visto que, não vale tudo pela piada. Palavras ofensivas doem e deixam  marcas permanentes, assim como os tapas proferidos em momentos de fúria.

* Artigo de autoria da doutora Andréa Ladislau, psicanalista

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