Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Um dia de sorte ou políticos incompetentes?

acidente com sangue

Primeiro caíram os galhos de uma árvore mal podada – não dão a devida atenção. Do nada caíram em cima de mim e da cachorrinha, Nina, quando passeávamos tranquilas, em uma calma manhã de domingo, pelas ruas do Leblon. Um dos galhos caiu em formato pontiagudo, se tivesse caído bem em cima de nós poderíamos ter morrido, caiu em nossos pés e patas. A Nina, em seu instituto animal, saiu correndo em fuga pela rua, por sorte, se é que isto pode se chamar de sorte, os machucados foram leves e não tinha carros naquele momento.

Continuamos o passeio, porque vivemos no Rio de Janeiro e aqui se vive assim, sempre no risco. Mas, como tudo pode acontecer nesta cidade, não é que ao atravessarmos outra rua, na faixa e no sinal, ao chegarmos do outro lado, tropecei em um buraco que afundava na calçada e me espatifei no chão com a cadela, que de novo fugiu assustada. Não sei se já aconteceu com você, mas quando a gente é atropelada ou cai assim, fica sem jeito, com vergonha e ainda se sente culpada. O primeiro a me dar a mão foi um mendigo, cujo nome não sei, mas que já conhecia das ruas, porque costumo cumprimentá-los todos os dias e ele tentou me ajudar.

O senhor de rua me confortou. Depois começaram a se aglomerar pessoas porque eu sangrava muito, escorria sangue do meu pescoço que encharcava toda a minha blusa de vermelho. A cachorra correu para a rua de novo, e assustada, quase morreu atropelada. Comecei a chorar não só pela dor física, mas pelo susto, pelo medo, mal conseguia falar. Chamaram uma “polícia” do Rio de Janeiro chamada “Segurança Presente”, que tem policiais militares e não policiais, que funciona no horário do comércio, tem um financiamento misto de público e privado. Os policiais já chegaram querendo prender o mendigo! Eu lá desesperada, ainda tive que intervir a favor do senhor: – Por favor, não o prendam, ele está me ajudando! Então foram embora.

A multidão em volta tentando me acalmar e pegar a Nina, que a estas alturas corria mesmo pelas ruas. Pedi ajuda para outra senhora de rua, que também tem um cachorro, amigo da Nina, o Bingo, (que sorte que ela estava por perto), na tentativa de que ela conseguisse pegá-la. Temia pela cachorra ser atropelada. Então resolvi ligar para o meu marido. Como chorava muito, pareceu para ele aquelas ligações de trote. Vi que ele ficou achando que era golpe, aí liguei de novo tentando me acalmar e parecer tranquila para ele: – Por favor, venham nos pegar que caí na calçada e a Nina fugiu, preciso de ajuda.

Minutos depois ele chegou e vendo o meu estado e a cachorra correndo, não sabia quem acudia antes. Conseguiu prender a cachorra e me ajudou a sair do chão. O Samu, a ambulância pública de socorro, chegou meia hora depois – ainda bem que ao menos este serviço funciona, fez a ficha e disse que era melhor ir para o hospital privado e fomos.

Chegando no pronto socorro, a moça me pediu a carteira do plano de saúde, que estava no aplicativo, que se recusa a fornece-la em meio físico. Vê se naquele estado eu ia lembrar a senha, conseguir acessar o token. Parece que os “líderes” que fazem estas coisas não são humanos, não vivem no mesmo planeta que nós. Com muito custo a convenci que podia ligar para o plano e com o número mágico, o CPF, e conseguir as informações necessárias para eu ser socorrida. Resolvido quem ia pagar pelo atendimento, a médica de plantão me falou que não seriam necessários pontos, só uma tomografia para ver se tinha quebrado alguma coisa. Por sorte não quebrou nada e eu podia ir embora com analgésico, anti-inflamatório, muito gelo e um pouco mais tranquila. Estava bem, apesar de perder o domingo, antes isso que a vida. Sim, foi sorte mesmo.

No dia seguinte, não querendo que outros passassem pela mesma coisa, comentei com os vizinhos e vi que uma mulher havia quebrado o braço neste tombo nas calçadas, outra a cabeça, outra o pé e que os galhos das árvores já tinham caído antes e ninguém fizera nada. Registrei então uma reclamação na Prefeitura, no número 1746, que serve para tudo, só não dá solução. Disseram que não era no setor que eu tinha reclamado, que tinha que reclamar em outro, mas que iam atender, até fevereiro do ano seguinte. Até lá, sabe Deus quantos menos “sortudos” vão se machucar.

Não entendemos a noção de direitos dos pedestres e cidadãos que tem estes administradores públicos. Políticos que defendem bares, botecos e outros, que invadem as calçadas dos pedestres, que pagam os impostos, ao ponto deles serem obrigados a passar pela rua, nada preocupados com o mais básico direito, que é do cidadão passar tranquilo pelas calçadas, que como aprendi no primeiro ano do curso de Direito, são bens públicos, do povo. Os vereadores, que não sabemos como são eleitos, fizeram uma lei (226), com o apoio do prefeito que a sancionou, tirando a calçada pública dos pedestres, deixando-lhes apenas 1,20m de passagem e o cidadão que se dê por satisfeito – coitado do deficiente visual ou cadeirante então – dia destes ajudei um a não bater nestes obstáculos que a prefeitura deixa o comércio botar na rua. Aí dele se reclamar. Políticos incompetentes que põe em risco até a vida dos pedestres por alguns privados, que pouco se importam com as pessoas. Nada de senso público, de coletividade.

Semana seguinte, ainda machucada do acidente, cuja culpa está bem clara, falta de administração pública eficiente, encontrei o subprefeito e sua equipe, fazendo uma operação para inglês ver – só para mostrar a troca de direção de uma rua (enquanto pedimos faz anos ao menos um guarda para organizar o trânsito na rua que tem seis escolas, e nada). Deveriam ter uns 20 homens, só homens mesmo, não tem uma mulher na equipe. Nem queriam saber se eu havia caído, se os bares tinham tomado as calçadas e o sossego dos moradores, só queriam mesmo é defender os estabelecimentos, porém, eu sou pequena, mas dura na queda, como puderam perceber. Tentei me fazer ouvir.

Os cidadãos viraram mero detalhe nesta engrenagem política que se criou de redutos eleitorais nos quais até as igrejas elegem os seus candidatos, todos defendendo seus próprios interesses. Para defender o coletivo, o direito dos cidadãos e dos pedestres, não tem autoridade que o faça, é cada um cuidando do seu particular. E assim caminhamos na cidade, cada vez menos protegidos, até acuados, contando com a sorte, sonhando que um dia, quem sabe, o povo aprenda a votar e a exigir mesmo os seus direitos, quem sabe neste dia, o passeio de domingo com a Nina não seja como um filme de terror (ou pastelão).

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do portal SRzd

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