‘Brincando’ de suicídio?

“Legal levar umas cordas…Quem aceita o desafio?” A princípio, parece uma gincana, como qualquer outra, em que crianças e jovens se empenham para cumprir tarefas e ganhar um prêmio. Mas a morte ronda a internet. Pelas portas do Facebook. Num movimento que teria sido inspirado por um jogo chamado Baleia Azul, que teria surgido na Rússia em 2013,  crianças e jovens brasileiros e de diversas partes do planeta podem estar agora mesmo, neste exato momento, destruindo suas próprias vidas, enforcando-se nas cordas do suicídio.

De acordo com noticiário de fevereiro último, a Polícia brasileira vem investigando em diferentes estados a ação de grupos de internet que têm induzido dezenas e centenas de crianças e jovens ao suicídio. No estado de Goiás, por exemplo, um adolescente de 15 anos se enforcou há cinco meses, numa ação que teria sido encorajada por meio das redes sociais. De acordo com o Código Penal, quem for condenado por indução ao suicídio pode ser punido com até 6 anos de prisão. Segundo investigadores empenhados nos casos de suicídio de jovens,  duas páginas de Facebook, que contam com o mesmo administrar, supostamente um cidadão brasileiro, teriam somadas mais de 43 mil membros. Uma delas foi retirada do ar, mas outra, ainda na ativa, reúne atualmente 25,6 mil membros.

Policiais de diferentes estados brasileiros, como Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas e São Paulo, dentre outros, têm apurado que as mensagens de indução ao suicídio são veiculadas como parte de um suposto jogo por meio de páginas na internet e do aplicativo whattsapp. Na hierarquia dessas seitas mortais, os líderes são chamados de curadores, abaixo dos quais vêm os administradores e os moderadores, cada quais com diferentes funções, como as de se aproximar e cooptar novos membros. Essas lideranças  exercem uma autoridade sobre os desafiados, isto é aqueles que se propõem a cumprir todas as fases do jogo, que incluem, por exemplo, a invasão de redes sociais e computadores de terceiros, a disseminação de noticias falsas (fake news) até a última etapa, a do suicídio. Em etapas anteriores, há por exemplo, o desafio à automutilacão, ou seja, a se ferir e a derramar o próprio sangue. No caso, para comprovarem tamanha “coragem”, os jogadores devem enviar aos responsáveis pelo grupo  imagens deles próprios sangrando.

Quanto mais próximos da final, mais esses jogadores são incentivados pelos líderes a terem a coragem de se matar. Com o objetivo de levarem os jovens ao suicídio, os curadores procuraram explorar fraquezas de adolescentes em aspectos como falta de amor por parte dos pais e amigos; baixa auto-estima; insatisfação com a própria situação econômico-financeira; com sua aparência física; com a própria raça; ou com a homossexualidade; acusação de covardia caso não levem adiante a ideia do suicídio; a constatação de que, com tantos problemas, a solução para o jovem é se matar, já que todos acabam morrendo e eles, de certa forma, estarão “apenas” se antecipando à lei natural.  Tudo isso, entre outros falsos argumentos. Entretanto, por se tratarem de grupos fechados, a própria Polícia encontra muitos obstáculos na obtenção de informações e na identificação dos responsáveis.

Tais mensagens, aparentemente, não são passadas de forma agressiva. Toda a ação se dá em formato de história em quadrinho, num fundo cor de rosa, e no qual uma menina com rosto angelical, de posse de uma corda, confecciona o nó, sobe em uma cadeira, e dá o impulso para se matar, sob o titulo “Como se enforcar”. Recentemente, circulou no whattsapp o vídeo de uma jovem que tentou se enforcar. Entretanto, depois de ter se impulsionado na cadeira, ela se arrependeu e teve medo de morrer. Fortes, as cenas mostram a jovem pendurada no ar, lutando sozinha para não ter o pescoço quebrado pelo nó da corda. Para felicidade dela, um casal, possivelmente seus pais, chega a tempo de retirá-la dali com vida.

Nem todos, porém, tem a mesma sorte. Jovens com problemas, que se sentem abandonados por tudo e por todos, e ainda por cima, incentivados por pessoas que desenvolvem técnicas específicas para isso, acabam mesmo por se matar. De acordo com o Ministério da Saúde, o número de suicídios aumentou no país  entre 2000 e 2016: de 6.780 para 11.736, uma alta de 73%, principalmente entre jovens e idosos. Em toda a Terra, ocorrem anualmente mais de 800 mil suicídios, segundo a  Organização Mundial da Saúde (OMS), convertendo-se na segunda causa de morte de jovens de 15 a 29 anos. A primeira causa envolve as mortes violentas. No Brasil, em 2015, o suicídio foi a quarta  causa de morte nessa faixa de idade, mas atrás de violência e acidente de trânsito, ainda de acordo com o Ministério da Saúde. A incidência de suicídios entre a população brasileira passou de 4,1 por 100 mil habitantes no ano 2000 para 5,5  por 100 mil habitantes em 2016.

Outro dado importante para a questão do risco de difusão de mensagens suicidas por meio do ambiente virtual foi fornecido pela pesquisa TIC Kids Online, divulgada em outubro de 2017  pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br). O levantamento dá conta de que 10% dos adolescentes de 11 a 17 anos já teve contato, por meio da internet, com diferentes maneiras para a prática do suicídio, percentual igual ao dos jovens que tiveram contato com materiais sobre uso de drogas. Além disso, 13% já acessaram a conteúdos sobre automutilação e 20%, a receitas para emagrecerem excessivamente.

Apesar do fácil acesso desses jovens, por meio da internet, a um tema aterrorizante, a mesma consulta indica que 69% dos pais garantiram que seus filhos utilizam a rede mundial de computadores de forma segura. Teoricamente, mídias tradicionais, como TV, rádio, jornais ou revistas têm 54% de preferência como fontes de informações sobre como utilizar a internet com segurança. Em seguida, vem os depoimentos de pais, parentes e amigos, com 52%; as próprias crianças e adolescentes, com 51%. Escolas e autoridades têm apenas 35% e 26% da preferência no que diz respeito à opinião sobre como acessar a internet de maneira segura.

Ainda segundo a TIC Kids Online, 82% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usuários de internet, o que corresponde a 24,3 milhões de pessoas. Nas regiões urbanas, tal parcela chega a  83% das crianças e adolescentes, mas nas rurais, são 65%. No Sudeste brasileiro, 91% dos entrevistados disseram acessar a rede, mas no  Norte essa taxa é de 69%. Nas classes A e B, 98% dos jovens estão nas redes, mas na D e E, são  66%.  A rede de computadores é cada vez mais móvel, já que 91% das crianças e adolescentes se conectam por meio do celular. Em 2012, tal percentual era de 21%.

Os riscos de suicídio não atingem apenas a juventude brasileira, e joguinhos semelhantes aos da Baleia Azul têm se difundido por nações com os mais diversos panos de fundo culturais, religiosos e econômicos, tais como Brasil, Arábia Saudita, Argentina, Chile, China, Colômbia, Espanha, Georgia (ex-república soviética), Itália, Paraguai, Portugal, Quênia, Rússia, Sérvia, Uruguai e Venezuela. O Baleia Azul teria surgido na Rússia, por iniciativa de um jovem que se encontra detido e que teria transtorno bipolar. Ele teria se inspirado no fato de que baleias azuis morrem encalhadas – embora não sejam suicidas, segundo a ciência, mas vitimas de causas naturais. Esse jovem russo teria idealizado o sistema em que líderes lançam desafios aos seus subordinados, até que esses enfrentem a própria morte.

No caso brasileiro, a entidade que atende potenciais suicidas, de quaisquer idades, por vezes momentos antes de tentarem cometer o ato, tentando demovê-los disso, é o CVV – Centro de Valorização da Vida. Fundado em 1962, em São Paulo, o CVV  efetua um trabalho de  apoio emocional e de prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária, gratuita e sigilosa a quem deseja e precisa conversar,  por telefone, e-mail e chat 24 horas, diariamente. O telefone é 188, e o site, www.cvv.org.br.