Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Top 10: os melhores filmes de 2023

“Openheimer” é dirigido por Christopher Nolan (Foto: Divulgação).

Objetivando a recuperação total após três anos de turbulências decorrentes da Covid-19, o circuito exibidor, novamente, priorizou grandes produções hollywoodianas em suas salas. Com isso, títulos independentes e/ou produzidos fora de Hollywood receberam pouco espaço. E isso não se restringiu aos cinemas brasileiros, pois pôde ser observado em larga escala no âmbito global. Tais produção são, sim, a boia de salvação do circuito exibidor devido ao enorme apelo junto ao público de todas as idades e nacionalidades.

 

Apesar de afetada pela greve conjunta de roteiristas e atores, imbróglio que durou alguns meses e impactou, imediatamente, a divulgação dos filmes, além de afetar o cronograma de estreias não apenas do segundo semestre desse ano, como também de 2024, a indústria cinematográfica obteve resultados positivos, dentro e fora de Hollywood, em termos de qualidade de produção.

 

Neste contexto, uma coprodução entre Reino Unido e Estados Unidos se destacou em 2023, garantindo seu espaço em listas dos melhores filmes do ano de críticos mundo afora. Com direção e roteiro de Christopher Nolan, “Openheimer” (Openheimer – 2023, Reino Unido / Estados Unidos) chamou a atenção por mostrar o horror da guerra por meio dos bastidores do Projeto Manhattan, responsável pelo desenvolvimento das bombas atômicas lançadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 06 e 09 de agosto de 1945, respectivamente.

 

Impressionando pelo emprego da técnica e, também, pelo elenco em total comunhão, “Openheimer” chegou aos cinemas como promessa de bilheteria pertencente à grife Christopher Nolan poucos dias após a estreia de outro título, mas da grife Tom Cruise, “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One – 2023, EUA), de Christopher McQuarrie, “engolido” pela campanha “Barbenheimer”, composta pelo título de guerra e “Barbie” (Barbie – 2023, EUA), de Greta Gerwig, maior sucesso comercial, e um dos engodos cinematográficos, do ano.

 

Excluindo títulos produzidos por e para plataformas de streaming, mesmo aqueles que chegaram às salas de exibição para que pudessem cumprir as regras de elegibilidade de instituições responsáveis por prêmios importantes, dentre elas, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), o Top 10 desse ano inclui longas-metragens que estrearam no circuito comercial brasileiro em 2023, mesmo aqueles produzidos em anos anteriores, como por exemplo, “Os Fabelmans” (The Fabelmans – 2023, EUA), declaração de amor de Steven Spielberg à sua família e à arte cinematográfica que domina como poucos.

 

É impossível fechar uma lista de filmes sem alguma pendência, principalmente num ano em que precisei me afastar um pouco das salas de exibição para finalizar meu novo livro, “100 anos do Império Disney: Da Avenida Kingswell à conquista do universo”, disponibilizado pela Amazon. Ou seja, este ano, por conta das circunstâncias, as pendências são maiores que nos anteriores.

 

Confira o Top 10:

1. “Openheimer”:

“Openheimer” é dirigido por Christopher Nolan (Foto: Divulgação).

Título original: “Openheimer”.

Países: Reino Unido e Estados Unidos.

Direção: Christopher Nolan.

Roteiro: Christopher Nolan, Kai Bird e Martin Sherwin.

Gênero(s): Biografia, drama e história.

Elenco: Cillian Murphy (J. Robert Oppenheimer), Emily Blunt (Kitty Oppenheimer), Robert Downey Jr. (Lewis Strauss), Matt Damon (Leslie Groves), Kenneth Branagh (Niels Bohr), Florence Pugh (Jean Tatlock), entre outros.

Sinopse: “Oppenheimer” faz um estudo cuidadoso do cenário político americano dos anos 1940 e 1950, apresentando a luta contra o comunismo antes mesmo da Guerra Fria (1947 – 1991). Para tanto, coloca a mente por trás das bombas, J. Robert Oppenheimer, no centro da ação, explorando tanto o fascínio pela ciência e pelo poder quanto o horror causado pelas consequências dos dois lançamentos que buscavam a rendição japonesa. Neste sentido, o longa tece uma crítica aberta à ambição desmedida pelo poder absoluto de homens que desejavam demonstrar sua força por meio de armas de destruição em massa, mesmo com o risco de reações em cadeia que poderiam levar a humanidade à extinção devido à destruição do planeta.

 

Traçando um paralelo com o mito de Prometeu, “Oppenheimer” marca a volta de Nolan à temática da Segunda Guerra Mundial seis anos após o lançamento de “Dunkirk” (Dunkirk – 2017, Reino Unido / Países Baixos / França / EUA), que não utiliza o clichê do herói de guerra para apresentar uma história cujo protagonista é o horror originado pelo conflito. Um retorno que não mostra o conflito propriamente dito para focar nos bastidores daquele que se tornaria um dos capítulos mais importantes e tristes da História da humanidade: o Projeto Manhattan, que possibilitou o desenvolvimento das bombas atômicas lançadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 06 e 09 de agosto de 1945, respectivamente.

 

Dominando a arte cinematográfica como poucos, Christopher Nolan realiza uma produção, no mínimo, magistral, pois ele consegue não apenas juntar as peças do quebra-cabeça político com eficiência, oferecidas pelo roteiro escrito por ele em parceria com Kai Bird e Martin Sherwin, como também orientar um elenco que reúne alguns dos maiores nomes do cinema mundial. Todos com competência, atuando em total comunhão em prol da trama proposta pelo cineasta – e isso torna extremamente difícil apontar algum destaque, pois todos têm espaço para brilhar.

 

Primoroso tecnicamente, sobretudo no que tange à montagem, direção de fotografia, direção de arte e efeitos sonoros, “Oppenheimer” é um filme potente que leva o espectador à reflexão a todo instante, sem cansá-lo no decorrer de suas três horas de duração – importante ressaltar a bela opção da fotografia em preto e branco para destacar os bastidores do complexo jogo político. É um filme necessário para melhor compreensão dos eventos que levaram aos lançamentos das bombas atômicas, que significaram não apenas o final da Segunda Guerra Mundial, mas o início da Guerra Fria e da corrida armamentista por potências que desejavam armas de destruição em massa em seus arsenais. E, assim como “Dunkirk”, o real protagonista de “Oppenheimer” é o horror promovido pela humanidade.

 

2. “Os Fabelmans”:

“Os Fabelmans” é dirigido por Steven Spielberg (Foto: Divulgação).

Título original: “The Fabelmans”.

País: Estados Unidos.

Direção: Steven Spielberg.

Roteiro: Steven Spielberg e Tony Kushner.

Gênero(s): Drama.

Elenco: Gabriel LaBelle (Sammy Fabelman), Michelle Williams (Mitzi Fabelman), Paul Dano (Burt Fabelman), Seth Rogen (Bennie Loewy), Judd Hirsch (Tio Boris), Chloe East (Monica Sherwood), Mateo Zoryan (Sammy, infância), entre outros.

Sinopse: Inspirado na história de Spielberg, o filme começa em 10 de janeiro de 1952 com o casal Burt e Mitzi levando seu filho, o pequeno Sam, ao cinema pela primeira vez para assistir ao clássico de Cecil B. DeMille, “O Maior Espetáculo da Terra” (The Greatest Show on Earth – 1952, EUA). Inicialmente amedrontado pela tela grande da sala escura, Sam descobre a grande paixão de sua vida, tentando, nos anos seguintes, encontrar seu lugar no mundo mesmo quando tudo ao seu redor começa a ruir devido ao divórcio dos pais. Tudo isso em meio ao bullying no ambiente escolar, promovido por estudantes antissemitas.

 

“Os Fabelmans” se desenvolve de maneira a mostrar ao espectador como o cinema se tornou parte essencial da vida do protagonista, espécie de menino prodígio que não tinha interesse em realizar filmes por hobby nem para fugir da realidade na qual estava inserido. O objetivo de Sam era, na verdade, capturar e/ou recriar o mundo real com a câmera que, posteriormente, também seria utilizada para permitir o embarque da plateia no universo de sonho e fantasia. Dessa forma, se torna impossível dissociar o jovem da arte cinematográfica, especialmente quando, mesmo por instinto, percebe a importância de dirigir os “atores” nos sets improvisados dos curtas-metragens rodados em 8mm, entre eles, “Escape to Nowhere” (Escape to Nowhere – 1961, EUA), um dos mais notáveis da juventude de Steven Spielberg.

 

As imagens capturadas pela câmera de Sam são cuidadosamente tratadas pela fotografia de Janusz Kaminski, que, novamente, brinda o público com um trabalho impecável. Contudo, a fotografia não é o único trunfo deste longa dirigido com muita sensibilidade e destreza por Spielberg, homenageado pela HFPA com o Cecil B. DeMille Award em 2009. A montagem de Sarah Broshar e Michael Kahn concede ritmo ágil à produção, inserindo, ainda, a trilha sonora com precisão cirúrgica, impulsionando tanto o drama quanto o humor. Mas nada disso funcionaria na tela grande se a família Fabelman não fosse defendida por um elenco talentoso e em total comunhão.

 

Enaltecendo logo em seus primeiros minutos o modelo tradicional de cinema, calcado na experiência cinematográfica proporcionada pela sala de exibição, inclusive como local de socialização, no momento em que o papel e o impacto das plataformas digitais são amplamente debatidos, “Os Fabelmans” é uma declaração de amor de Steven Spielberg à sua família e à arte cinematográfica que tanto lhe deve. Considerando que “filmes são sonhos dos quais você nunca se esquece”, a sensação de respeito e admiração a um dos maiores cineastas da História do Cinema, o homem que ajudou a consolidar o cinema como um dos maiores espetáculos da Terra por meio de produções memoráveis, é inevitável ao final da sessão. Os aplausos, também.

 

3. “Os Banshees de Inisherin”:

“Os Banshees de Inisherin” é dirigido por Martin McDonagh (Foto: Divulgação).

Título original: “The Banshees of Inisherin”.

País: Irlanda, Reino Unido e Estados Unidos.

Direção: Martin McDonagh.

Roteiro: Martin McDonagh.

Gênero(s): Drama e comédia.

Elenco: Colin Farrell (Pádraic Súilleabháin), Brendan Gleeson (Colm Doherty), Kerry Condon (Siobhán Súilleabháin), Barry Keoghan (Dominic Kearney), Pat Shortt (Jonjo Devine), Gary Lydon (Peadar Kearney), Sheila Flitton (Sra. McCormick), entre outros.

Sinopse: Ambientado em 1923, o longa conta a história de Pádraic Súilleabháin, homem que fica desnorteado quando seu melhor amigo, Colm Doherty, lhe vira as costas da noite para o dia. Inconformado com a indiferença de Colm, Pádraic faz o possível para reatar a amizade que sempre considerou inabalável, apesar das reconhecidas brigas. Sem entender as angústias de Colm, Pádraic acaba envolvendo parte dos habitantes da fictícia ilha de Inisherin, na costa da Irlanda, que assiste passivamente às explosões dos conflitos da Guerra Civil Irlandesa (1922 – 1923) no continente.

 

Conduzido com muita habilidade por Martin McDonagh, o longa utiliza o desespero do protagonista como fio condutor de uma trama de múltiplas camadas, que passeia entre o sensível e o grotesco com a mesma potência. No decorrer de quase duas horas de duração, “Os Banshees de Inisherin” aborda temas como os efeitos colaterais da solidão de uma mulher dividida entre cuidar do irmão ou seguir os seus próprios sonhos longe de Inisherin; a depressão de Colm, cada vez mais preocupado com sua finitude e legado, cansado das conversas com Pádraic; e violência, em todas as suas formas, praticada pela figura de autoridade local contra seu próprio filho, jovem com deficiência intelectual que, assim como Pádraic, precisa estabelecer laços afetivos.

 

Explorando a paisagem irlandesa com a bela direção de fotografia de Ben Davis, que utiliza a luz natural inclusive nos ambientes internos para melhor recriar uma época em que a luz elétrica não era uma realidade para todos, “Os Banshees de Inisherin” tem como maior trunfo as atuações do elenco, especialmente de Colin Farrell e Barry Keoghan (Dominic Kearney), ambos indicados ao Oscar, assim como Brendan Gleeson e Kerry Condon (Siobhán Súilleabháin), que também brindam a plateia com ótimas interpretações. Em seu terceiro filme juntos, os outros foram “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (The Killing of a Sacred Deer – 2017, Irlanda / Reino Unido) e “Batman” (The Batman – 2022, EUA), Farrell e Keoghan constroem um jogo cênico impecável, baseado na troca e respeito. Enquanto Farrell esmiúça a dor de um homem que tem a ingenuidade como uma de suas principais características, por vezes, lembrando uma criança magoada, Keoghan faz de Dominic um jovem carente de amor e à procura de um porto seguro, lidando com as adversidades da vida como pode, tentando sobreviver à violência paterna.

 

Emocionante, “Os Banshees de Inisherin” é uma produção sobre amor e amizade, mostrados como a base mais sólida do indivíduo, especialmente de quem precisa de ajuda para seguir em frente, mesmo quando não quer que ninguém se aproxime.

 

4. “Tár”:

“Tár” é dirigido por Todd Field (Foto: Divulgação).

Título original: “Tár”.

País: Estados Unidos.

Direção: Todd Field.

Roteiro: Todd Field.

Gênero(s): Drama e musical.

Elenco: Cate Blanchett (Lydia Tár), Noémie Merlant (Francesca Lentini), Nina Hoss (Sharon Goodnow), Sophie Kauer (Olga Metkina), Adam Gopnik (Adam Gopnik), Mark Strong (Eliot Kaplan), entre outros.

Sinopse: O filme conta a história de Lydia Tár, regente da Filarmônica de Berlim cuja genialidade caminha lado a lado com a crueldade, mostrando como o ego e o poder transformam o indivíduo. Tudo isso em meio à preparação da protagonista para lançar seu primeiro livro e gravar a Quinta Sinfonia de Mahler.

 

Brindando o espectador com um trabalho de direção esmerado, calcado na condução cuidadosa do elenco, “Tár” se tornou um dos lançamentos de maior destaque do circuito exibidor brasileiro em 2023 por abordar temas atuais, estabelecendo, assim, o diálogo com a plateia, exposta a emoções distintas.

 

Tecnicamente impecável, sobretudo no que tange à fotografia e inserção da trilha sonora pela montagem, “Tár” é um título potente sobre abuso de poder que levou às salas de exibição o importante debate sobre a cultura do cancelamento por meio da conduta de uma protagonista irascível, defendida por Cate Blanchett.

 

Surgindo em cena de forma avassaladora, Blanchett usa a teatralidade como base de uma atuação poderosa que esmiúça um dos lados mais sombrios do ser humano, guiado pela obsessão por poder. Sem dúvida alguma, um dos trabalhos mais memoráveis da atriz.

 

5. “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um”:

“Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” é dirigido por Christopher McQuarrie (Foto: Divulgação).

Título original: “Mission: Impossible – Dead Reckoning Part One”.

País: Estados Unidos.

Direção: Christopher McQuarrie.

Roteiro: Bruce Geller, Christopher McQuarrie e Erik Jendresen.

Gênero(s): Ação e suspense.

Elenco: Tom Cruise (Ethan Hunt), Hayley Atwell (Grace), Ving Rhames (Luther Stickell), Simon Pegg (Benji Dunn), Rebecca Ferguson (Ilsa Faust), Vanessa Kirby (Viúva Branca), Esai Morales (Gabriel), entre outros.

Sinopse: O filme começa mostrando a tripulação do submarino russo Sevastopol, que consegue navegar sem ser detectado por nenhum radar. No interior do submarino, um compartimento protegido por oficiais que carregam sua chave, dividida em duas partes. E essa chave coloca Ethan Hunt e sua equipe numa caçada perigosa que faz o agente da IMF confrontar o próprio passado.

 

Produzido e estrelado por Tom Cruise, “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” é uma superprodução que condensa o que de melhor o cinema de ação, guiado pelo suspense, tem a oferecer à plateia.

 

Bastante próximo ao primeiro longa da franquia, “Missão Impossível” (Mission: Impossible – 1996, EUA), de Brian De Palma, tanto pela forma quanto pelo conteúdo instigante, “Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” acerta ao remar na contramão do cinema hollywoodiano contemporâneo e não abusar do CGI, oferecendo à plateia uma trama mais orgânica e convincente.

 

“Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um” levanta questões atuais, como por exemplo, o uso de Inteligência Artificial por meio da Entidade que Ethan precisa combater a todo custo. No entanto, o longa aposta no fator humano ao abordar a lealdade e o sentimento familiar que guiam a equipe de Ethan, confrontado pelo passado como jamais visto na franquia.

 

6. “Pedágio”:

“Pedágio” é dirigido por Carolina Markowicz (Foto: Divulgação).

Título original: “Pedágio”.

País: Brasil.

Direção: Carolina Markowicz.

Roteiro: Carolina Markowicz.

Gênero(s): Drama.

Elenco: Maeve Jinkings (Suellen), Kauan Alvarenga (Tiquinho), Thomas Aquino (Arauto), Isac Graça (Pastor Isac), Aline Marta Maia (Telma), entre outros.

Sinopse: O filme conta a história de Suellen, funcionária de pedágio que começa a receber dinheiro ilegalmente com o objetivo de pagar o curso que promete a “cura gay” ao filho, com quem, apesar das diferenças, mantém uma relação afetuosa.

 

Em 2018, Joel Edgerton levou às telas a cinebiografia de um jovem obrigado pelo próprio pai a participar de um programa que oferecia a “cura gay” aos participantes. Protagonizado por Lucas Hedges, “Boy Erased: Uma Verdade Anulada” (Boy Erased – 2018, Austrália / EUA / China) é pouco conhecido no Brasil, mas dialoga com um dos títulos nacionais mais aclamados de 2023 pelo tema abordado: “Pedágio”.

 

Tratando a questão da interferência religiosa na vida do indivíduo, “Pedágio” faz um retrato do desespero de uma mãe que não consegue enxergar que o problema não está em seu filho, mas nas atitudes dela própria, que se sente envergonhada a cada comentário maldoso sobre o rapaz. E é neste ponto que o longa se torna um dos mais importantes lançamentos desse ano, pois a angústia de Suellen é a mesma de muitas mães que, mesmo amando seus filhos incondicionalmente, têm dificuldade em aceitar suas escolhas e, por esta razão, ultrapassam os próprios limites.

 

Reconhecido internacionalmente em festivais como os de San Sebastián (Espanha) e Estocolmo (Suécia), “Pedágio” é uma produção que se destaca pela potência de sua trama e elenco, sobretudo pelo jogo cênico estabelecido entre Maeve Jinkings e Kauan Alvarenga, que conseguem exprimir as distintas emoções de seus personagens com sensibilidade e naturalidade, permitindo que a trama flua de maneira a prender a atenção do espectador e levá-lo à reflexão. E isso funciona graças à direção impecável de Carolina Markowicz, que desponta como uma das profissionais mais competentes do cinema brasileiro contemporâneo.

 

7. “A Baleia”:

“A Baleia” é dirigido por Darren Aronofsky (Foto: Divulgação).

Título original: “The Whale”.

País: Estados Unidos.

Direção: Darren Aronofsky.

Roteiro: Samuel D. Hunter.

Gênero(s): Drama.

Elenco: Brendan Fraser (Charlie), Hong Chau (Liz), Sadie Sink (Ellie), Ty Simpkins (Thomas), Samantha Morton (Mary), entre eles.

Sinopse: O filme conta a história de Charlie, professor de Inglês que vive recluso em seu apartamento devido à obesidade mórbida, doença que lhe impõe diversas limitações. Contando com o apoio de sua enfermeira, Liz, Charlie tenta acertar as contas com o passado, especialmente com a filha adolescente, Ellie, com quem não tem relacionamento próximo.

 

Dirigido por Darren Aronofsky, “A Baleia” é uma produção que se destaca pelo fator humano do protagonista, defendido com maestria por Brendan Fraser, que retornou ao primeiro time de Hollywood após anos sem nenhum trabalho realmente significativo na tela grande.

 

Vencedor do Oscar de melhor ator por esse longa, Fraser compôs um personagem complexo que precisa lidar tanto com suas limitações físicas decorrentes da obesidade quanto com as consequências emocionais e o medo da finitude, enquanto tenta se reconciliar com a filha distante. Isso é mostrado de maneira a mexer com o espectador, despertando nele diversas emoções. É um trabalho irretocável que se tornou o maior alicerce de “A Baleia”.

 

Chamando a atenção pela maquiagem e direção de fotografia, que trabalha luzes e sombras de maneira a refletir o caos emocional do protagonista, bem como opta por ângulos que concedem ao espectador a sensação de claustrofobia em diversos momentos, “A Baleia” é um filme sobre a deterioração física e mental do indivíduo em meio à urgência de encontrar a paz que lhe falta no momento extremado de medo e solidão.

 

8. “Nostalgia”:

“Nostalgia” é dirigido por Mario Martone (Foto: Divulgação).

Título original: “Nostalgia”.

País: Itália / França.

Direção: Mario Martone.

Roteiro: Ermanno Rea, Mario Martone e Ippolita Di Majo.

Gênero(s): Drama.

Elenco: Pierfrancesco Favino (Felice Lasco), Francesco Di Leva (Padre Luigi Rega), Tommaso Ragno (Oreste Spasiano), Aurora Quattrocchi (Teresa Lasco), Sofia Essaïdi (Arlette), entre outros.

Sinopse: Baseado no livro homônimo de Ermanno Rea, “Nostalgia” mostra o retorno de Felice Lasco à sua cidade natal, Nápoles, marcada por episódios de violência. Afastado há 40 anos, Felice é obrigado a voltar para reencontrar a mãe idosa que vive em condições precárias, inclusive de saúde. Reatando laços com a mãe, ele é confrontado por fantasmas do passado, colocando-se numa situação cada vez mais arriscada.

 

Utilizando a relação entre mãe e filho como fio condutor de sua trama, abordando a importância do afeto e do acolhimento especialmente para idosos vulneráveis, “Nostalgia” se desenvolve sem pressa para apresentar as diversas camadas ao espectador. E o faz de maneira a explorar as mais variadas emoções do protagonista, assim como a cidade na qual a história é ambientada, inclusive no que tange às consequências do cenário violento sobre a população constantemente amedrontada que tem no padre da paróquia local seu porto seguro.

 

Dirigido por Mario Martone, “Nostalgia” é uma produção sobre o acerto de contas com o passado, que ultrapassa a barreira da relação familiar para se tornar um drama sobre o tormento do remorso e a necessidade virar a página para seguir em frente. Isso funciona graças à atuação de Favino, que constrói seu personagem de maneira a esmiuçar sua dor e anseios por meio de detalhes. É uma interpretação contida, mas potente, que cresce sobretudo na segunda metade do longa, quando o lado mais obscuro de seu passado o confronta diretamente, condensado na figura do melhor amigo de adolescência, a quem considerava irmão, e atual chefe do crime no bairro de Rione Sanità.

 

Conectando passado e presente por meio de flashbacks inseridos com maestria pela montagem de Jacopo Quadri, “Nostalgia” mostra como a visita ao passado interfere no presente do protagonista, que precisa encontrar seu próprio lugar em meio às lembranças e a insistência em permanecer numa cidade em que não é bem-vindo, bastante diferente daquele que guia suas memórias de adolescência. E isso é conduzido por Martone com cuidado, mas de forma um tanto repetitiva para conceder ao espectador a sensação de aprisionamento do protagonista, o que pode cansar a plateia em alguns momentos. Contudo, nada que enfraqueça a potência narrativa desse longa indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2022.

 

9. “Wonka”:

“Wonka” é dirigido por Paul King (Foto: Divulgação).

Título original: “Wonka”.

País: EUA / Reino Unido.

Direção: Paul King.

Roteiro: Simon Farnaby, Paul King e Roald Dahl.

Gênero(s): Aventura, comédia e família.

Elenco: Timothée Chalamet (Willy Wonka), Calah Lane (Noodle), Olivia Colman (Scrubitt), Tom Davis (Bleacher), Paterson Joseph (Slugworth), Keegan-Michael Key (Chefe de Polícia), entre outros.

Sinopse: O filme começa mostrando o jovem Willy nutrindo o antigo sonho de fabricar chocolates de alta qualidade em larga escala. Sem dinheiro suficiente para ocupar espaço de destaque entre as lojas dos grandes fabricantes na conceituada Galeria Gourmet, Willy planeja vender, inicialmente, seus produtos de maneira informal, mas se torna alvo do chefe de polícia subornado pelos empresários preocupados com o novo concorrente. Impedido de comercializar os chocolates, Willy conta com a ajuda de um grupo de amigos, especialmente da menina Noodle, que, assim como ele, sonha com um futuro melhor.

 

Produzido em parceria com a Heyday Films e a Village Roadshow Pictures, “Wonka” mergulha no universo criado por Roald Dahl, autor do clássico “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (Charlie and the Chocolate Factory), publicado em 1964, para oferecer à plateia uma experiência agradável nas salas de exibição.

 

Apresentando elementos que remetem à “Mary Poppins” (Mary Poppins – 1964, EUA), dirigido por Robert Stevenson para a Disney, “Wonka” mantém a essência do musical que o originou, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (Willy Wonka & the Chocolate Factory – 1971, EUA), de Mel Stuart para a Wolper Pictures, ao apostar em sequências coreografadas com esmero que, em determinados momentos, homenageiam o filme protagonizado por Gene Wilder (Willy Wonka) há mais de 50 anos. Neste ponto, há de se destacar, também, o design de produção e a construção dos personagens, defendidos por um elenco em total sintonia.

 

Mais próximo ao “A Fantástica Fábrica de Chocolate” de 1971 que ao remake de 2005, dirigido por Tim Burton e protagonizado por Johnny Depp, “Wonka” é uma produção híbrida sobre a necessidade do indivíduo em conhecer sua própria história e fazer jus a ela, transmitindo a mensagem da importância da família como porto seguro, independentemente da idade. É um filme que dribla algumas fragilidades do roteiro para encantar a plateia e, tal como no passado, deixá-la com vontade de provar os chocolates Wonka.

 

10. “A Garota Radiante”:

“A Garota Radiante” é dirigido por Sandrine Kiberlain (Foto: Divulgação).

Título original: “Une jeune fille qui va bien”.

País: França.

Direção: Sandrine Kiberlain.

Roteiro: Sandrine Kiberlain.

Gênero(s): Drama e história.

Elenco: Rebecca Marder (Irène), André Marcon (André), Anthony Bajon (Igor), Françoise Widhoff (Marceline), India Hair (Viviane), Florence Viala (Josiane), entre outros.

Sinopse: O filme é ambientado no início dos anos 1940, quando a presença do Terceiro Reich já era uma realidade em Paris. Neste cenário, Irène concilia seu trabalho no teatro com o sonho de construir carreira artística, fazendo o possível não apenas para concretizá-lo, como também para não sucumbir às imposições nazistas, mesmo quando é obrigada a utilizar a Estrela de Davi na roupa para ser identificada como judia.

 

Estreia de Sandrine Kiberlain na direção de longas-metragens, “A Garota Radiante” apresenta as ações do Terceiro Reich com discrição, sob a ótica da família de Irène, que precisa entregar do telefone às bicicletas, por exemplo, cumprindo as regras vigentes à época como uma maneira de sobrevivência. E sobreviver naquele contexto não era uma tarefa fácil, pois o pesadelo dos parisienses estava longe do fim. O medo era constante e, no filme, condensado nos olhares dos adultos que ainda se agarravam à esperança de que nada lhes aconteceria por serem franceses.

 

Contrastando com o medo, a energia da protagonista que vive seu primeiro amor apesar das adversidades que lhe eram impostas domina a narrativa graças à atuação impecável de Marder, que passeia entre a ingenuidade, incredulidade e negação com desenvoltura. Irène, como qualquer garota de sua idade, deseja viver novas experiências, ser livre e feliz. Mas a opção de ignorar ao máximo o perigo ao seu redor cobra um preço muito alto.

 

Chamando a atenção pela recriação de época, “A Garota Radiante” é um drama com traços de coming of age movie que tem a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) como fio condutor, desenvolvendo sua trama de forma bastante cuidadosa para levar o espectador à reflexão, sobretudo em sua sequência final.

 

Leia também:

Top 10: os melhores filmes das plataformas de streaming em 2023

2023: tensão na capital do cinema

Comentários

 




    gl