Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Top 10: os melhores filmes de 2021

“Quo Vadis, Aida?” concorreu ao Oscar de melhor filme internacional em 2021 (Foto: Divulgação).

No ano passado, o novo coronavírus paralisou o mundo, causando dor e tristeza a todas as nações. Graças à Ciência, as vacinas propiciaram o retorno gradual às atividades em 2021, mas o negacionismo de parte considerável da população, que ainda se recusa a se vacinar, aliado à falta de disponibilização em larga escala do imunizante em países pobres, permitiu o surgimento e disseminação de variantes, criando um cenário que durante muitos meses pôde ser chamado de “2020 – Parte II”.

 

No momento no qual a tão sonhada vida normal parecia estar próxima, a variante Delta surtiu o efeito de um balde de água fria na retomada, pois obrigou governos a retrocederem em suas medidas restritivas em prol da saúde da população e, consequentemente, evitar a sobrecarga em seus respectivos sistemas de saúde. Em meio a isso, inúmeras salas de exibição permaneciam fechadas – algumas chegaram a fechar as portas definitivamente. Isto impactou, mais uma vez, o cronograma de estreias dentro e fora de Hollywood, que postergou títulos importantes para a recuperação econômica do setor para o segundo semestre, alguns deles até para o próximo ano, como é o caso do aguardado “Top Gun: Maverick” (Top Gun: Maverick – 2022), de Joseph Kosinski, originalmente agendado para 2020.

 

Mesmo com filmes de grande apelo popular, o circuito comercial ainda sente os efeitos da pandemia, pois parte do público ainda não sente segurança em retornar às salas de exibição e/ou precisa evitar locais fechados, propícios para a disseminação do vírus, por pertencer ao grupo de risco da Covid-19 – motivo pelo qual esta lista foi fechada com pendências como “Amor, Sublime Amor” (West Side Story – 2021), de Steven Spielberg, e “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” (Spider-Man: No Way Home – 2021), de Jon Watts, lançados poucas semanas após o surgimento da variante Ômicron, que colocou, novamente, o mundo em alerta.

 

Neste contexto, alguns títulos que chegaram à temporada de prêmios americana e a diversos festivais mundo afora, inclusive produzidos em 2019 e 2020, mas lançados em terras brasileiras somente este ano, se destacaram dentre os demais. De blockbusters, as verdadeiras boias de salvação do circuito exibidor e da indústria cinematográfica propriamente dita neste período de crise econômica, a animações e dramas que abordam temas variados, entre eles, a questão migratória, como por exemplo, “Minari: Em Busca da Felicidade” (Minari – 2020, EUA), de Lee Isaac Chung, e “Berlin Alexanderplatz” (Berlin Alexanderplatz – 2020, Alemanha / Holanda / França / Canadá), de Burhan Qurbani.

 

“Viúva Negra” é o primeiro filme da Fase 4 do UCM (Foto: Divulgação).

 

Um dos filmes mais aguardados e comentados do ano, sobretudo pelo lançamento híbrido nos cinemas e na Disney+, “Viúva Negra” (Black Widow – 2021, EUA), de Cate Shortland, se tornou a primeira produção do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM) a chegar às salas, enaltecendo a força feminina por meio da jornada de sua protagonista, Natasha Romanoff / Viúva Negra (Scarlett Johansson), e, também, de suas coadjuvantes, mostrando a resiliência como elemento fundamental da narrativa. Neste ponto, duas frases proferidas pela personagem de Rachel Weisz (Melina) chamam a atenção, “sua dor torna você mais forte” e “não deixe que acabem com a sua essência”, podendo ser aplicadas inclusive em outro longa-metragem que se destacou nos cinemas brasileiros em 2021, “Quo vadis, Aida?” (Quo vadis, Aida? – 2020, Bósnia e Herzegovina), de Jasmila Zbanic.

 

Representante da Bósnia e Herzegovina na disputa pela estatueta do Oscar de melhor filme internacional este ano, concedida a “Druk – Mais Uma Rodada” (Druk – 2020, Dinamarca), de Thomas Vinterberg, “Quo vadis, Aida?” mostra o Massacre de Srebrenica, um dos episódios mais sangrentos do maior conflito armado em solo europeu no pós-Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Bósnia (1992 – 1995), por meio do desespero de uma mulher, Aida Selmanagic (Jasna Djuricic), que faz o possível para salvar o marido e os dois filhos enquanto trabalha como tradutora da Organização das Nações Unidas (ONU). Ocorrido em julho de 1995, o massacre teve início quando tropas sérvio-bósnias, lideradas por Radovan Karadzic e pelo General Ratko Mladíc, exterminaram mais de oito mil pessoas, a maioria meninos e homens de origem muçulmana, enterrando-as em valas comuns, posteriormente reabertas com escavadeiras para que os restos mortais das vítimas fossem divididos com o objetivo de esconder, de alguma maneira, o genocídio de habitantes de uma cidade que estava na chamada zona de segurança da ONU.

 

No que tange ao cinema brasileiro, a situação também não foi muito diferente em comparação ao ano anterior, pois os exibidores priorizaram ainda mais as produções hollywoodianas de grande apelo popular em prol de sua recuperação financeira. Com isso, os filmes brasileiros que tiveram a oportunidade de chegar ao circuito comercial não ficaram em cartaz por muito tempo, como por exemplo, “Depois a Louca Sou Eu” (Depois a Louca Sou Eu – 2021), de Júlia Rezende. Mesmo assim, os cinemas concederam espaço a longas-metragens que conseguiram se destacar, entre eles, “Deserto Particular” (Deserto Particular – 2021), de Aly Muritiba, e o polêmico “Marighella” (Marighella – 2021), de Wagner Moura. No entanto, dois dos mais aguardados estrearam diretamente no streaming, “A Menina que Matou os Pais” (A Menina que Matou os Pais – 2021) e “O Menino que Matou Meus Pais” (O Menino que Matou Meus Pais – 2021), ambos dirigidos por Maurício Eça, disponíveis no catálogo da Amazon Prime Video.

 

Confira o Top 10:

1. “Quo vadis, Aida?”:

“Quo vadis, Aida?” é dirigido por Jasmila Zbanic (Foto: Divulgação).

– Direção: Jasmila Zbanic.

– Elenco: Jasna Djuricic (Aida Selmanagic), Boris Isakovic (General Mladíc), Izudin Bajrovic (Nihad Selmanagic), Boris Ler (Hamdija Selmanagic), Dino Bajrovic (Sejo Selmanagic), Johan Heldenbergh (Coronel Karremans), Raymond Thiry (Major Franken), entre outros.

– Sinopse: Baseado no livro “Under the UN Flag”, do então intérprete da ONU durante a Guerra da Bósnia, Hasan Nuhanović, o filme começa em 11 de julho de 1995, mostrando os habitantes de Srebrenica abandonando suas casas em busca de abrigo após a invasão sérvia, buscando abrigo na base da ONU, sem recursos para ajudá-los. Professora do Ensino Fundamental, Aida trabalha como intérprete da ONU e se desespera ao perceber o perigo enfrentado pela população, tentando salvar o marido e os dois filhos enquanto corre de um lado para o outro na base das Nações Unidas, sem recursos para abrigar os refugiados.

 

Usando como fio condutor a luta incansável da esposa e mãe para proteger seu bem maior, a cineasta Jasmila Zbanic, nascida em Sarajevo, realizou um dos filmes mais potentes e impactantes dos últimos anos, apresentando o horror da guerra com emoção e objetividade para criar uma espécie de documento para que as novas gerações não cometam os atos das anteriores. Com isso, “Quo vadis, Aida?” se desenvolve com esmero, explorando o horror imposto a inocentes, muitas vezes transmitido somente pelo olhar dos atores, principalmente daqueles que, assim como Zbanic, testemunharam a Guerra da Bósnia. Em total sintonia, o elenco demonstra respeito para com a história que se propôs a contar na tela grande, bem como para com as vítimas, fatais ou não.

 

Não há como negar que, apesar do roteiro impecável, a força motriz de “Quo vadis, Aida?” é a atuação de Jasna Djuricic, que condensa na protagonista a dor implacável da ferida que nunca cicatrizará, defendendo Aida com garra e determinação para que o espectador consiga dimensionar as consequências da guerra sobre Srebrenica. É um desempenho muito poderoso, assim como o de seu marido na vida real, Boris Isakovic, que surge na tela como uma figura monstruosa e sem limites.

 

“Quo vadis, Aida?” ultrapassa a barreira do drama de guerra ao conquistar espaço enquanto documento de um massacre que não pode ser esquecido, honrando a memória das vítimas ao expor tanto a impotência da ONU face às tropas sérvio-bósnias quanto a resiliência dos sobreviventes por meio da protagonista, obrigada a conviver com um carrasco em prol de seu trabalho como educadora infantil, surtindo o efeito de um soco no estômago do espectador.

 

2. “Nomadland” (Nomadland – 2021, EUA):

“Nomadland” é dirigido por Chloé Zhao (Foto: Divulgação).

– Direção: Chloé Zhao.

– Elenco: Frances McDormand (Fern), David Strathairn (Dave), Charlene Swankie (Swankie), Gay DeForest (Gay), Linda May (Linda), Patricia Grier (Patty), Angela Reyes (Angela), Carl R. Hughes (Carl), entre outros.

– Sinopse: Ambientado em 2011, o filme conta a história de Fern, viúva que se vê obrigada a se mudar da cidade onde viveu por anos devido ao fechamento da fábrica em que trabalhava. Desempregada, Fern decide vender parte de seus pertences e cair na estrada a bordo de sua van a procura de trabalho. Vivendo como nômade, Fern acaba criando novos laços de amizade, principalmente com pessoas na mesma situação que ela.

 

Baseado no livro “Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century”, de Jessica Bruder, “Nomadland” levou para as telas a realidade de uma parcela da população americana que, devido à recessão do final dos anos 2010, deixou suas casas para trás e passou a viver na estrada, como nômades, sobretudo pessoas mais velhas e sem nenhuma, ou pouca, perspectiva de emprego fixo. Desta forma, a chinesa Chloé Zhao expôs o cotidiano de indivíduos que não estão inseridos no conceito do american way of life, tão exportado e badalado pela indústria hollywoodiana.

 

Contando com não-atores em seu elenco, o que potencializa o impacto da trama sobre o espectador, o longa tem como trunfo o fato de não julgar os nômades nem apontar vítimas ou vilões da situação de cada um deles. Isto se deve ao olhar sensível, mas objetivo, da câmera de Zhao, tendo como alicerce a atuação de Frances McDormand. Vencedora do Oscar de melhor filme e atriz por “Nomadland”, McDormand esmiúça toda a complexidade de uma mulher que, ao mesmo tempo em que opta pela liberdade da estrada a bordo de sua van, se sente aprisionada pela dor do luto, muitas vezes exprimida em pequenos gestos ou olhares. Porém, o luto não se deve apenas à perda não superada do marido, mas do lar que construíram juntos e que se perdeu no fechamento da fábrica que transformou Empire numa cidade fantasma. E é essa dor que a impede de seguir em frente, concedendo à plateia a sensação de que a personagem sabota a si própria propositalmente, como se buscar a felicidade fosse um pecado capital, mesmo quando conhece um homem que lhe desperta sentimentos há muito esquecidos, mas demasiadamente reprimidos por ela.

 

Explorando as belezas naturais dos Estados Unidos por meio da impecável direção de fotografia de Joshua James Richards, “Nomadland” é uma produção impactante, pois aborda questões importantes para a sociedade atual, sobretudo ao apresentar a angústia da protagonista que, em determinado momento, se divide entre a possibilidade de recomeçar sua vida, inclusive amorosa, debaixo de um teto ou continuar na estrada, sempre à procura de empregos sazonais, por não se sentir novamente inserida no conceito de “lar”, algo que pode ser observado com mais clareza na sequência que mostra a crise de pânico que a faz trocar o quarto confortável pela van em plena madrugada.

 

3. “Meu Pai” (The Father – 2020, Reino Unido / França):

“Meu Pai” é dirigido por Florian Zeller (Foto: Divulgação).

– Direção: Florian Zeller.

– Elenco: Anthony Hopkins (Anthony), Olivia Colman (Anne), Imogen Poots (Laura), Rufus Sewell (Paul), Ayesha Dharker (Dr. Sarai), entre outros.

– Sinopse: Baseado na peça “Le Père”, de Zeller, o filme conta a história de Anthony, homem na casa dos 80 anos de idade que não tem mais condições de morar sozinho devido ao diagnóstico de demência. A dificuldade em aceitar sua nova realidade aumenta as tensões entre Anthony e sua filha, Anne, que luta contra o fantasma da própria irmã, a filha predileta.

 

Marcando a estreia do francês Florian Zeller na direção de longas-metragens, “Meu Pai” chama a atenção pela sensibilidade com a qual trata não apenas a demência, mas os efeitos colaterais sobre os familiares, algo sintetizado na conturbada relação entre pai e filha, que não sabe mais o que fazer para ajudá-lo e protegê-lo. Com isso, o longa esmiúça questões familiares dolorosas enquanto leva o espectador a lidar com as dúvidas entre realidade e ilusão, colocando-o em situação similar à de Anthony. Esta opção de Zeller tem como objetivo causar na plateia o desconforto sentido pelo protagonista, cada vez mais fragilizado pela doença, e Anne.

 

Com roteiro desenvolvido com esmero, o longa centraliza sua trama num apartamento, mostrando a necessidade de pertencimento e raízes para o protagonista, defendido com robustez por Anthony Hopkins. Numa das melhores atuações de sua carreira, o veterano entrega um trabalho rico em detalhes e emoções, que lhe rendeu o Oscar de melhor ator este ano, mostrando como a dor do luto pode ser o elemento propulsor para o surgimento de doenças graves. Assim como Hopkins, Olivia Colman também se destaca ao explorar tanto o desespero quanto a incredulidade da filha em ver o homem que sempre conheceu desaparecer aos poucos, dando lugar a uma personalidade desconhecida.

 

Alicerçado no jogo cênico de Hopkins e Colman, “Meu Pai” é uma produção conduzida com beleza e respeito por Florian Zeller, capaz de emocionar o espectador nos pequenos detalhes para mostrar a importância do amor num cenário de vulnerabilidade extrema que implica num exercício de paciência para todos os envolvidos.

 

4. “Minari: Em Busca da Felicidade”:

“Minari: Em Busca da Felicidade” é dirigido por Lee Isaac Chung (Foto: Divulgação).

– Direção: Lee Isaac Chung.

– Elenco: Alan S. Kim (David), Steven Yeun (Jacob), Noel Cho (Anne), Yeri Han (Monica), Youn Yuh-jung (Soonja), Will Patton (Paul), Darryl Cox (Sr. Harlan), entre outros.

– Sinopse: Ambientado nos anos de 1980, o longa conta a história de Jacob e Monica, casal de coreanos que imigrou para os Estados Unidos, onde construiu sua família. Na Terra do Tio Sam, os dois tiveram Anne e David, que sofre de um problema cardíaco. Enfrentando dificuldades na Califórnia, a família se muda para uma cidade rural do Arkansas, encarando de frente as dificuldades impostas pela realização do sonho de Jacob em ter sua própria fazenda e cultivar vegetais e verduras coreanas. Em situação precária, o quarteto se prepara para a chegada de Soonja, mãe de Monica, uma senhora prática e objetiva, politicamente incorreta, que transforma a vida de todos.

 

Segundo a personagem Soonja, que rendeu a Yuh-jung Youn o Oscar de melhor atriz coadjuvante este ano, Minari é uma planta coreana que cresce facilmente em qualquer lugar. Partindo deste princípio, o filme aborda a questão da imigração sob a ótica de uma criança, David, que observa a tudo e a todos ao seu redor.

 

Conduzido com sensibilidade por Lee Isaac Chung, que também assina o roteiro, o longa não aprofunda a questão do preconceito racial para apostar numa trama universal sobre adaptação familiar e necessidade de criar raízes, para, então, encontrar a tão almejada felicidade. Neste sentido, as raízes implicam, também, no acolhimento dos habitantes da cidade, o que fica nítido quando Jacob, para amenizar a angústia de Monica, sugere que frequentem a igreja local, onde poderiam criar laços de amizade, algo importante sobretudo para o desenvolvimento social das crianças, que vivem isoladas na fazenda.

 

“Minari – Em Busca da Felicidade” tem como força motriz a busca por um futuro melhor, que, quando confrontada pelas adversidades da vida, gera angústia e insegurança, principalmente naqueles que não têm a quem recorrer, como os imigrantes que há tempos tentam criar raízes para que possam recuperar a sensação de pertencimento, derrubando, inclusive, a barreira idiomática. E é neste ponto que a metáfora sobre a planta que dá nome ao filme sintetiza toda a situação da família, que pode cultivar sua felicidade em qualquer solo, conquistando seu próprio espaço.

 

5. “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” (Dorogie tovarishchi – 2020, Rússia):

“Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” é dirigido por Andrey Konchalovskiy (Foto: Divulgação).

– Direção: Andrey Konchalovskiy.

– Elenco: Yuliya Vysotskaya (Lyudmila Danilovna Semina), Vladislav Komarov (Oleg Nikolaevich Loginov), Andrey Gusev (Viktor), Yuliya Burova (Svetka), Alexander Maskelyne (Professor Ovodov), Sergei Erlish (pai de Lyuda), entre outros.

– Sinopse: Baseado numa história real, a do massacre de Novocherkassk, na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em junho de 1962, o longa mostra como o evento se originou por meio de Lyudmila, executiva do Partido Comunista e defensora de Josef Stalin, que se opõe com veemência a quaisquer pessoas que critiquem o sistema, inclusive sua própria filha, desaparecida após a manifestação. Desesperada devido à falta de notícias, Lyudmila decide se arriscar para localizar a filha, mesmo sabendo do risco representado por sua busca, assombrada pelo remorso de ter apoiado o governo que executou seu próprio povo.

 

Representante da Rússia na corrida por uma vaga entre os finalistas de melhor filme internacional do Oscar 2021, “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” levou para as telas um episódio pouco conhecido pelo grande público, mas que não pode ser esquecido, sobretudo em momentos de polarização ideológica como o atual.

 

“Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” chama a atenção não apenas pelo roteiro bem estruturado, mas pelo emprego da técnica, sobretudo na fotografia preto e branco que remete às produções cinematográficas soviéticas realizadas no período retratado neste longa repleto de tensão, que tem sua protagonista como grande alicerce. Esposa de Andrey Konchalovskiy na vida real, Yuliya Vysotskaya oferece ao público um trabalho impecável que passeia com propriedade entre a lealdade à sua ideologia política, principalmente à figura de Stalin, morto em 1953, e seu instinto materno, que a coloca na posição de protetora da filha opositora ao Partido Comunista.

 

Abordando o choque de realidade imposto pela violência do Estado pelo qual a protagonista sempre lutou sem questionamentos, “Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta” se torna angustiante à medida que contrapõe ideologia e laços familiares, expondo as fragilidades de uma mulher, que sempre aparentou ser uma fortaleza, ao destruir a imagem de mundo perfeito até então nutrida por sua devoção ao Partido Comunista devido aos conflitos internos guiados pelo medo da perda da filha.

 

6. “Druk – Mais Uma Rodada”:

“Druk – Mais Uma Rodada” é dirigido po Thomas Vinterberg (Foto: Divulgação).

– Direção: Thomas Vinterberg.

– Elenco: Mads Mikkelsen (Martin), Thomas Bo Larsen (Tommy), Magnus Millang (Nikolaj), Lars Ranthe (Peter), Maria Bonnevie (Anika), Helene Reingaard Neumann (Amalie), Susse Wold (Rektor), Magnus Sjørup (Jonas), entre outros.

– Sinopse: Partindo do princípio do déficit etílico, o filme conta a história de Martin, professor de História do Ensino Médio que vive uma crise de meia-idade impulsionada pelo casamento falido, distanciamento emocional dos filhos e apatia no ambiente de trabalho. Isso muda no jantar entre amigos, no qual a teoria de Skårderud é debatida. Assim, Martin e outros três professores decidem beber todos os dias antes das aulas, ficando mais relaxados e alegres, o que facilita a relação com os alunos. Mas à medida que o consumo de álcool sai do controle, o grupo se vê numa posição delicada pessoal e profissionalmente, explicitando a inevitabilidade de uma tragédia.

 

Vencedor do Oscar de melhor filme internacional, “Druk – Mais Uma Rodada” leva às telas a discussão sobre a crise da meia-idade por meio da teoria do psiquiatra e filósofo norueguês Finn Skårderud, que afirma que todo ser humano nasceu com déficit de 0,05% de álcool no sangue, mas o faz equilibrando drama e comédia.

 

Apresentando elenco em total comunhão, “Druk – Mais Uma Rodada” tem na atuação de Mads Mikkelsen seu maior alicerce. Em seu segundo filme com Vinterberg, o primeiro foi “A Caça” (Jagten – 2012, Dinamarca), também indicado ao Oscar na categoria de filme estrangeiro, hoje, chamada de filme internacional, Mikkelsen compõe Martin com imensa sensibilidade, explorando toda a dor de um homem incapaz de se sentir parte essencial de sua família, bem como da trajetória de seus alunos, encontrando na bebida a válvula de escape para reencontrar a felicidade de outrora. Tudo isso de maneira contida para transmitir ao espectador a sensação de sufocamento de Martin, mesmo que aparentemente conformado e acomodado com sua situação.

 

Sem pontas soltas, o roteiro assinado por Vinterberg e Tobias Lindholm assume o tom crítico aos riscos do consumo desmedido de álcool que leva o indivíduo à dependência, transformando sua vida até destrui-la por completo. É um filme objetivo em sua mensagem e que reitera a importância da concessão da segunda chance para a vida, reconhecendo os erros e encarando-os de frente.

 

7. “Berlin Alexanderplatz”:

“Berlin Alexanderplatz” é dirigido por Burhan Qurbani (Foto: Divulgação).

– Direção: Burhan Qurbani.

– Elenco: Welket Bungué (Francis), Albrecht Schuch (Reinhold), Jella Haase (Mieze), Annabelle Mandeng (Eva), Joachim Król (Pums), Richard Fouofié Djimeli (Ottu), Mira Elisa Goeres (Katie), Rufina Neumann (Moni), Michael Davies (Bantu), entre outros.

– Sinopse: Adaptação do romance “Berlin Alexanderplatz”, escrito por Alfred Döblin em 1929, o longa conta a história de Francis, que deixa seu país de origem para trás em prol do sonho de conquistar uma vida melhor, prometendo ter a honestidade como norte. Em solo alemão, Francis é confrontado pela realidade, pois, enquanto imigrante ilegal, é obrigado a sobreviver à margem da sociedade, sem direitos nem dignidade. Tentando trilhar o caminho moralmente correto, Francis escolhe abraçar a escolha mais fácil, mergulhando no crime organizado, tendo um psicopata como “mestre”.

 

Ambientado no submundo do crime, “Berlin Alexanderplatz” se desenvolve lentamente para explicar ao espectador a jornada do protagonista, por vezes, se repetindo no que tange às suas ações, o que pode torná-lo um pouco cansativo para parte do público. Contudo, a trama chama a atenção pela maneira com a qual é estruturada, mostrando que Francis poderia ter mudado seu destino se tivesse optado por um emprego que não o arriscasse, bem como a todos ao seu redor, propiciando o desatar de laços com o criminoso que fez aflorar seu lado mais desumano. E isto funciona bem na tela também pela sintonia de todo o elenco, principalmente de Bungué, Albrecht Schuch e Jella Haase.

 

Conhecido do público brasileiro por seus trabalhos em “Corpo Elétrico” (2017) e “Joaquim” (2017), Welket Bungué, que também integra o elenco “Pedro” (2020), de Laís Bodanzky, imprime sua força ao personagem, explorando as dúvidas de um homem que gostaria de apagar o passado para reescrever o presente, pensando no futuro proporcionado pelo “sonho alemão”. É uma interpretação que deixa nítida a entrega do ator, assim como as de Schuch e Haase. Schuch compõe o criminoso Reinhold de maneira a intensificar seus problemas mentais, enquanto Haase apresenta uma transformação gradual movida pela relação com Francis.

 

“Berlin Alexanderplatz” é um drama sobre a situação de refugiados que sentem enorme incômodo ao serem tratados como tal, uma vez que desejam pertencer de alguma maneira ao país no qual residem para que possam ultrapassar a barreira do preconceito, algo extremamente difícil e doloroso devido às circunstâncias que os cercam. Neste sentido, o longa contrapõe dor e esperança colocando a redenção e a regeneração do indivíduo como algo possível por meio do amor e responsabilidade para com os seus, concretizando, assim, o sonho alemão.

 

8. “Viúva Negra”:

“Viúva Negra” é dirigido por Cate Shortland (Foto: Divulgação).

– Direção: Cate Shortland.

– Elenco: Scarlett Johansson (Natasha Romanoff / Viúva Negra), Florence Pugh (Yelena), Ray Winstone (Dreykov), Rachel Weisz (Melina), David Harbour (Alexei), Ever Anderson (Natasha, infância), Violet McGraw (Yelena, infância), William Hurt (Secretário Ross), Olga Kurylenko (Antonia / Taskmaster), entre outros.

– Sinopse: Ambientado entre os eventos de “Capitão América: Guerra Civil” (Captain America: Civil War – 2016) e “Vingadores: Guerra Infinita” (Avengers: Infinity War – 2018), quando Natasha Romanoff / Viúva Negra estava foragida por quebrar o Tratado de Sokovia, “Viúva Negra” começa em Ohio, no ano de 1995, mostrando como a infância da protagonista foi roubada em prol do projeto de poder de Dreykov, homem sem limites nem escrúpulos que criou uma rede de “viúvas”, raptando meninas de todas as idades e levando-as para a chamada Sala Vermelha para serem esterilizadas e transformadas em soldados. Ao ser atacada por uma das criações de Dreykov, já em 2016, Natasha descobre a existência de um antídoto para subjugação química, reencontrando a irmã, Yelena, e se reconectando ao passado.

 

Primeiro longa-metragem da Fase 4 do UCM, “Viúva Negra” se conecta com perfeição aos outros filmes que o antecederam, referenciando o time dos Vingadores a todo instante não apenas para explicar alguns fatos, mas para corroborar a ideia de família transmitida pela união dos heróis da Marvel. Considerando os membros do grupo como familiares, Natasha é confrontada pelo reencontro com a família outrora “arranjada”, composta por Yelena, Melina e Alexei, o Guardião Vermelho, agente infiltrado da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) nos Estados Unidos. Isto funciona principalmente pela comunhão do elenco liderado por Johansson, que também assume a função de produtora executiva. Muito à vontade como a personagem mais famosa de sua carreira, a atriz esbanja química com Florence Pugh, concedendo veracidade à relação de ambas, construída sobre uma mentira, expondo sentimentos contraditórios que se potencializam com o reencontro com Alexei e Melina, alicerçados num jogo cênico impecável que tem Harbour como alívio cômico.

 

Assim como outras produções do UCM, sobretudo os filmes solo do Capitão América, “Viúva Negra” tece críticas ao cenário político por meio do tratamento conferido às meninas criadas para servirem a como soldados a governantes, atuando de forma totalmente robótica como máquinas de combate. Neste contexto, a escolha do clássico do Nirvana, “Smells Like Teen Spirit”, aqui interpretado de forma melancólica e igualmente impactante por Malia J. com produção de Think Up Anger, num espetacular trabalho de montagem logo na abertura, foi precisa para ambientar o espectador acerca da realidade de Natasha, Yelena e das outras Viúvas Negras – “Carregue suas armas e traga seus amigos / É divertido perder e fingir / Ela está entediada e autoconfiante”, ganhando mais força no decorrer da música, “Sou o pior no que faço de melhor / E por esta dádiva me sinto abençoado / Nosso pequeno grupo sempre existiu / E sempre existirá até o fim”.

 

“Viúva Negra” apresenta uma história empoderada sobre a necessidade da Vingadora em desvendar sua própria origem enquanto luta para manter sua essência preservada em meio à dor e ao acerto de contas com o passado que lhe causou feridas jamais cicatrizadas, respeitando a atmosfera inerente a thrillers de ação.

 

9. “Raya e o Último Dragão” (Raya and the Last Dragon – 2021, EUA):

“Raya e o Último Dragão” é dirigido por Don Hall e Carlos López Estrada (Foto: Divulgação).

– Direção: Don Hall e Carlos López Estrada.

– Elenco: Kelly Marie Tran (Raya), Awkwafina (Sisu), Gemma Chan (Namaari), Izaac Wang (Boun), Daniel Dae Kim (Benja), Benedict Wong (Tong), Sandra Oh (Virana), Alan Tudyk (Tuk Tuk), entre outros.

– Sinopse: A animação conta a história de Raya, jovem que compartilha com o pai o sonho de reestruturar Kumandra, reino mágico que, agora, está dividido em cinco terras distintas que brigam entre si. Responsável por proteger a Joia do Dragão, Raya parte numa jornada para recuperá-la e reunir todas as peças para salvar a humanidade e o último dragão, Sisu, após ataque dos Drunns.

 

Inspirado na cultura do sudeste asiático, “Raya e o Último Dragão” preza pela qualidade da técnica empregada, explorando detalhes tanto de cenários quanto de personagens, algo que pode ser observado com afinco em Sisu, cujas feições ao assumir a forma humana lembram sua dubladora, Awkwafina. E é neste ponto que esta animação Disney atende às demandas da sociedade contemporânea, pois apresenta personagens que fogem de estereótipos para abordar a diversidade entre os povos.

 

De certa forma ofuscado pelo burburinho em torno de outra animação da Casa do Mickey, “Encanto” (Encanto – 2021), de Jared Bush e Byron Howard, “Raya e o Último Dragão” subverte o conceito de Princesa Disney que tem sempre ao seu dispor uma figura masculina para protegê-la e acompanhá-la em suas aventuras. Isto se deve ao fato de Raya ser apresentada como uma jovem destemida e obstinada, movida pelo antigo sonho de seu pai.

 

Lançada simultaneamente nos cinemas e na Disney+, esta animação se desenvolve com sensibilidade, equilibrando drama, aventura e humor para atingir diferentes faixas etárias, algo que consegue com facilidade, sobretudo ao transmitir a mensagem sobre um mundo fraturado que precisa de confiança, união e respeito mútuo como antídotos contra todos os males, sintetizados, aqui, na ameaça dos Drunns.

 

10. “Um Lugar Silencioso: Parte II” (A Quiet Place: Part II – 2021, EUA):

“Um Lugar Silencioso: Parte II” é dirigido por John Krasinski (Foto: Divulgação).

– Direção: John Krasinski.

– Elenco: Emily Blunt (Evelyn Abbott), Millicent Simmonds (Regan Abbott), John Krasinski (Lee Abbott), Noah Jupe (Marcus Abbott), Djimon Hounsou (homem na ilha), Okieriete Onaodowan (policial), entre outros.

– Sinopse: Sequência direta de “Um Lugar Silencioso” (A Quiet Place – 2018), o longa mostra os sobreviventes da família Abbott à procura de abrigo e socorro após sua casa ter sido atacada pelos alienígenas, mas a jornada da família se torna ainda mais perigosa, pois não há como controlar nem abafar o choro do recém-nascido, que pode atrair outras criaturas. Aos poucos, a família descobre que os aliens sensíveis ao som não são as únicas ameaças à solta.

 

Dosando com cuidado drama, terror, suspense e ficção-científica, “Um Lugar Silencioso: Parte II” levou às telas de cinema não apenas as consequências do ataque dos alienígenas à casa da família Abbott, como também expôs ao público a maneira com a qual tais criaturas desembarcaram na Terra, preenchendo lacunas do longa original, também dirigido e roteirizado por Krasinski.

 

Apresentando uma trama enxuta que, de certa maneira, remete a produções pós-apocalípticas estreladas por zumbis, o longa acerta ao apostar na montagem engenhosa que insere flashbacks com precisão e, principalmente, por mostrar com mais afinco a força das mulheres da família e no amadurecimento do jovem Marcus. Tudo isso, sem ignorar o fato de que a adolescente Regan herdou a personalidade do pai, Lee.

 

“Um Lugar Silencioso: Parte II” aborda sacrifícios individuais pelo bem de todos numa luta incessante pela sobrevivência, trabalhando tanto o som quanto o silêncio de maneira a impulsionar os momentos de tensão, sobretudo quando Regan assume o posto de protagonista ao desbravar um ambiente inóspito, seguindo seus instintos. É uma produção conduzida com firmeza por Krasinski, que já confirmou mais uma sequência.

 

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