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O Passo dos Sonhos de Valci Pelé

Valci Pelé é, inegavelmente, expoente e referência. Do exímio passista multipremiado; do diretor de ala de imenso prestígio e reconhecimento no carnaval; do coreógrafo de trabalhos em várias frentes criativas relacionadas às escolas de samba; do criador de uma técnica distinta para o ensino da dança do passista; do personagem que virou “lei municipal” para salvaguardar o 19 de janeiro como Dia do Passista. A figura desse sempre educado e elegante personagem do carnaval carioca tornou-se emblemática e sinônimo de alta qualidade.

O que mais podemos dizer dessa personalidade já tão conhecida no mundo do samba?

É que Valci transcendeu seu ofício pragmático  – assinado com punho forte e imensa dedicação – de educador do samba, desde os tempos de suas oficinas com a eterna partner Nilce Fran no Projeto Primeiro Passo (SESC de Madureira, depois Parque Madureira).

Ele acaba de publicar seu primeiro livro, Passo dos Sonhos (Ed.Gramma), uma obra destinada ao público infantil, onde ele se apresenta como um personagem também infantil – o Cizinho –  e comunica às crianças um pouco de sua arte e do fascínio exercido pela dança do samba no pé, com ilustrações especialmente criadas pelo artista Paulo Vermelho para, segundo o release de lançamento, “brincar de Dança do Samba, passeando pelos pontos turísticos históricos e geográficos da cidade do Rio de Janeiro, que se apresentam como pinturas para estimular o conhecimento à cultura do samba e sua história”. 

A obra de Valci vem fortalecer um preceito que as escolas de samba têm buscado, de fato, consolidar através de suas escolas mirins: envolver o público infantil, hoje tão assediado por outros ritmos impostos pela mídia, com as matrizes verdadeiras do samba.

A excelência de Valci na qualidade de dançarino e coreógrafo é frequentemente celebrada sem que se destaque, da mesma forma, seu poderoso papel como educador. Porque a escola de samba sempre tentou preservar e transferir seus preceitos culturais como espécie de hereditariedade, mas poucos se dedicaram a fazer algo como ele desde o início fez. 

O livro de Valci dedicado às crianças não é um mero produto tentando dar sequência a uma carreira virtuosa: é a consequência direta de sua obra nos últimos anos, quando, já tendo esgotado todos os limites de seu escopo de atuação artística, dedicou-se a um projeto de ensino que é híbrido de ensino da dança e de inclusão social, citado, inclusive, em uma dissertação de mestrado – “Passistas de Escola de Samba: entre a técnica e a intuição, em busca da profissionalização”, da hoje doutoranda Silvia Borges.

Valci Pelé e crianças da Viradouro / Acervo Pessoal

Apontar caminhos para a dança do samba através de uma obra literária, que estimula o aprendizado pelo aspecto lúdico, é um desafio louvável e estratégico para que se possa perpetuar um legado importante como é a dança do passista de escola de samba. A prova de que o alvo de Valci foi alcançado foi o uso de seu livro, poucos dias após o lançamento, na Escola Municipal Mário de Andrade para crianças efetuarem um trabalho sobre carnaval e sustentabilidade. 

Hoje diretor de passistas da Unidos do Viradouro, Valci Pelé marcou seu nome na Portela, escola de seu coração, onde sempre procurou fortalecer o trabalho com crianças e conciliar um projeto pedagógico ao ensino da dança para pequeninos.

O lançamento do livro Passos dos Sonhos é de grande relevância para que a escola de samba, inspirada por um de seus mais atuantes e destacados agentes, possa refletir sobre a real situação social em que se encontra. Promover a cidadania, a inclusão pela educação e fomentar a cultura popular através do ensino são alvos de extrema relevância para que possamos ser, como sempre desejamos, agentes transformadores da realidade social no entorno de nossas comunidades de samba – e muito alem, como no caso da literatura, que é uma força com poder de mobilidade, transitando em vários setores da sociedade.

Seja em Madureira, seja em Niterói: é bom saber que o samba vistoso e enxuto de Valci Pelé não se restringe à  elegância que o consagrou como “príncipe dos malandros” no samba carioca: ele transcende a excelência artística e atua também no social.

Valci Pelé atravessou fronteiras. Mais uma vez original e autoral. Um artista popular além de seu tempo; um homem do povo que dedicou sua arte aos meninos e meninas que ainda podem ser um aceno de esperança para uma turbulenta nação.

Hélio Rainho

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Hélio Rainho
Tags: Ala de passistasCarnaval 2019passistaPortelaValci PeléViradouro

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