‘Zé Katimba – do jeito que o Rei mandou’ é o enredo da Estrela Dalva

Logo oficial da agremiação.

A Estrela Dalva, escola presidida por Jorge Goulart, chegará ao grupo especial do Carnaval Virtual em 2021 trazendo o enredo Zé Katimba – do jeito que o Rei mandou em homenagem ao grande compositor brasileiro Zé Katimba, famoso por sua importante participação na musicalidade do carnaval brasileiro.

Confira abaixo a justificativa e a sinopse da agremiação:

Logo oficial completo da agremiação.

O enredo da G.R.E.S.V. Estrela Dalva para o carnaval virtual de 2021 é uma homenagem a um dos maiores compositores da história do samba, do carnaval e da Imperatriz Leopoldinense. Conhecido pelos marcantes sambas de enredo e de meio de ano, nosso ilustre Zé Katimba se aproxima dos 90 anos com uma inigualável história de vida. Um ser humano ímpar que transformou seca, miséria, ditadura e preconceito em sambas magníficos, de uma poesia inebriante, mesmo possuindo um improvisado diploma de alfabetizado. Para não criar uma biografia extensa, cronológica e Wikipédica, vamos desenvolver um pouco da vida de Katimba como uma grande coletânea – talvez uma versão reeditada de seu álbum mais recente, “Minha vida, minha história” –, para repensar a forma como os sambas atualmente são concebidos. Precisamos de número fixo de versos, fórmulas mágicas para termos um excelente (e funcional) samba de enredo? Com esta reflexão, almejamos um novo tempo em que possamos, enfim, sorrir, “pois o samba mata a tristeza da gente, (…) do jeito que o rei mandou!”

“Paraíba mãe” ensinou a Zé o que é viver e conviver com a seca e a simplicidade. Na fazenda Lagoa de Pedra, vivia numa casinha feia, mas cheia de luz – da Nossa Senhora de Luz, padroeira de Guarabira, sua cidade natal. “Sabedoria do povo, bem plantar, pra bem colher”, era o lema ao ajudar o pai na plantação. Encantou-se com as modas tocadas por ele em sua “viola bonita, que braço só era fita”, a mesma que “conviveu com madrugadas, com noites enluaradas”. Mas a seca expulsou sua família de lá. “Eu saí de Guarabira, vim pro Rio de Janeiro, aprendendo a fazer samba, me entregando por inteiro”, resume o próprio Zé em forma de poesia os passos que daria a seguir…

“Roda mundo, roda gira”, Zé cresceu nos morros cariocas e entendeu como funciona a “roda da vida” na engrenagem urbana. “Tristeza e alegria vão revezando”, ora se vive triste na solidão de um barraco no Morro do Adeus, se virando como pode para ganhar algum vintém; ora se está alegre, com “minha escola animada girando na mente”, aquela escola de Ramos, fundada em março de 1959, ali na rua 4 em Ramos, com 12 estrelas em seu pavilhão: a Imperatriz! “Branco é a cor da lua flor de prata”, exaltou Zé em homenagem à escola onde fez de tudo, puxador de corda, mestre-sala, diretor; “Verde é a esperança universal”, Zé se entrega a arte de compor sambas e emplaca o seu primeiro samba de enredo, a emoção de ver todo mundo cantando “É tempo de barra de rio, barra de ouro, sim, senhor!”. Aquela escola modernista entrando na avenida e fazendo o povo vibrar com o samba de letras simples, mas entusiasmante, “a Imperatriz se engalana, por destino soberana”. E, nas rodas do destino, Ramos virou cenário de novela e Zé Katimba virou personagem, esse sambista genial sendo interpretado por Grande Otelo nas tevês de todo o Brasil. E seu samba convoca o próximo enredo em tom coloquial – “Fala, Martim Cererê” – e a Imperatriz canta Katimba em um desfile onde ficção e realidade se misturam. Assim como uma cigana vestida de sereia que surgiu em um sonho, “Vem cá, Brasil, deixa eu ler a sua mão, menino, que grande destino reservaram pra você!”

“Tanta injustiça que não tem razão de ser, tanta injustiça que não dá para esconder”, os tempos eram sombrios politicamente. Em plena ditadura militar, um grupo de militantes do Partidão se encontravam na Imperatriz para fazer resistência contra “essa engrenagem, moenda, homem moagem”. Zé ajudou essa garotada dentro e fora da escola, ajudando a entregar panfletos e jornais da causa e dando espaço para eles na quadra da escola. A arte imitou a vida e Zé se pôs a compor sobre aquele momento. Apareceu de forma sutil em uma homenagem a Santos Dumont, censurada em um concurso da Aeronáutica – “céu aberto, um sinal de liberdade”. A resistência explodiu nas parcerias com sambistas que Zé conheceu no Teatro Opinião, na época do Noitadas de Samba, como o outro Zé, mas o Ferreira, o Martinho da Vila! “Vamos levantar a bandeira da fé, não esmoreçam e fiquem de pé” era o recado para resistir contra o “cabresto”, organizar um mutirão contra “a lei do circo e pão”. Com outro parceiro, João Nogueira, saudou o samba como resistência e ordenou: “bate o pé mas bate tudo, do jeito que o rei mandou”. Novamente com Martinho, reencontrou-se com a africanidade ao exaltar as mulheres negras – “ê mana, ê irmana” –, homenageando as manas Zoé, Benedita, Rainha Ginga, Anastácia e muitas outras – “Ayoká é Janaína, Keianda Iemanjá, ê mana…”

“Ao provar do seu batom fui deixando me envolver, mandei a razão pros ares”, cantou Martinho em parceria com Zé, sendo covardemente desclassificados de um festival. Experimentou do amor e da paixão, envolveu-se com várias mas não foi de uma só. Homenageou-as em seus muitos sambas que narram esse encontro com as beldades – “Quem ela é? É minha jaguatirica”. “Beija, me beija, me beija”, desejou o amor carnal da mulher real, que “enxágua, me enxuga, mas se vende caro”; “é amor, é paixão, é você a dona do meu coração”, dengosamente desejou sua “fêmea no cio”, pois “tá delícia, tá gostoso”; “me beija todo e me gama”, alcançou o mundo em outras vozes no mesmo pedido – “me ama mô”. É o Zéfrank CatÍmbasinatra da Leopoldina, sedutor voz nas madrugadas da Rádio Nacional e maior show da Boate Bambu na Praia de Ramos, tendo na vida “muito mais do que se quis”.

“Quem dera que a vida fosse assim, sonhar, sorrir, cantar, sambar e nunca mais ter fim” – entre tantos romances breves ou duradouros, o amor maior continuou sendo festejar os carnavais com sua amada Imperatriz. Foi através de Zé que a escola se fortaleceu com Luizinho Drummond e alçou novos voos. “Sou criança, sou folia, sou vontade de brincar”, cantaram assim os componentes da escola ao retornar para o grupo da elite do carnaval. Anos depois, o bicampeonato foi conquistado com a avenida inteira entoando “Nesse palco iluminado, só dá Lalá, és presente imortal, só dá Lalá”; um samba imortalizado que recentemente fez Ramos sorrir novamente… “A Estrela Dalva brilha e ilumina o meu cantar”, cantou em homenagem à divina Dalva de Oliveira – samba enredo que batizou nossa escola. “Eu voto pra não esquecer, a vida tem que melhorar”, protestou; “venho te exaltar, no verso e na canção”, celebrou; “vem liberar, vem amar, fazer a festa”, bailou.

“Vem reensinar, reaprender, das cinzas renascer” – vieram as adversidades, momentos de força e de fraqueza, e se afastou do samba. Ressurgiu como um sambista fênix, graças ao filho que o trouxe de volta para as rodas de samba, aos prêmios que lhe devolveram a notoriedade e o pulo que deu em Guarabira para celebrar suas raízes e assumir sua ancestralidade “num ritual de liberdade” e sua origem “matuta, ribeira, caipira”, trazendo “que traz de volta o amanhecer” para o samba de verdade. Hoje, entra na mesma fila para botar samba nas escolas da vida, a mesma em que os antigos Noca, Zuzuca, Silas, Luís Carlos, Bala, Aluísio, David, Fernando e tantos outros bastiões da arte de compor sambas de enredo já estiveram, e que hoje a garotada esperançosa, que tem talento e vontade, compete com os “escritórios”, que ganham encomendas e concursos baseados em uma “fórmula mágica” de conquistar a nota 10. Nessa democracia, tem espaço para todo mundo, pois “o samba não se acabou”, ele “deixa esse povo contente, do jeito que o rei mandou”.

Referências:

LEITÃO, Luiz Ricardo. Zé Katimba: antes de tudo um forte. Acervo Universitário do Samba vol. 2. Rio de Janeiro: UERJ, DECULT, 2016.

PAULINO, Fernando. Zé Katimba: Que grande destino reservaram pra você! Niterói: Panorama, 2009.

Letras das canções:

1- Do Jeito que o Rei Mandou (Zé Katimba/ João Nogueira)

2- Paraíba Mãe (Zé Katimba/ Tuninho Professor)

3- Viola de Fita (Zé Katimba)

4- Roda da Vida (Zé Katimba/ Jorge Teixeira)

5- Samba-exaltação (Zé Katimba/ Adilson Madrugada)

6- Barra de Ouro, Barra de Rio e Barra de Saia (Zé Katimba/ Niltinho Tristeza)

7- Martim Cererê (Zé Katimba/ Gibi)

8- Ontem Senzala, Hoje Cortiço (Zé Katimba/ Jorge Teixeira)

9- Santos Dumont (Zé Katimba/ Jorge Teixeira)

10- Bandeira de Fé (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

11- Ê! Mana (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

12- Recriando a Criação (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

13- Jaguatirica (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

14- Beija, me Beija, me Beija (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

15- Tá Delícia, Tá Gostoso (Zé Katimba/ Alceu Maia)

16- Me Ama Mô (Martinho da Vila/ Zé Katimba)

17- Mais do que se quis (Zé Katimba/ Alceu Maia)

18- O teu Cabelo não Nega (Gibi/ Serjão/ Zé Katimba)

19- Vamos Brincar de ser Criança (Guga/ Tuninho/ Aranha/ Zé Katimba/ Sereno)

20- Estrela Dalva (Bill Amizade/ Guga/ Niltinho Tristeza/ Zé Katimba)

21- Conta Outra que Essa foi Boa (Zé Katimba/ Gabi/ David Corrêa/ Guga)

22- Terra Brasilis, o que se Plantou Deu (Zé Katimba/ Preto Jóia/ Tuninho Petróleo/ Baianinho/ Jorginho da Barreira)

23- Eu sou da Lira, não Posso Negar (Zé Katimba/ Chopinho/ Amaurizão/ Tuninho Professor)

24- Se Deus quiser (Zé Katimba/ Inácio Rios)

25- Paixão de Candongueiro (Zé Katimba)

26- Axé Nkenda (Adriano Ganso/ Aldir Senna/ Jorge do Finge/ Marquinho Lessa/ Zé Katimba)

27- É o Amor… Que Mexe com minha Cabeça e me Deixa Assim… Do Sonho de um Caipira Nascem os Filhos do Brasil (Adriano Ganso/ Aldir Senna/ Jorge do Finge/ Moisés Santiago/ Zé Katimba)

28- Traz de Volta o Amanhecer (Zé Katimba/ André da Mata/ Lucy Alves)

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