Serpente de Ouro enaltecerá Luz del Fuego em 2021

Logo oficial da agremiação.

A Serpente de Ouro, escola do Grupo de Acesso 2 do Carnaval Virtual, em 2021 apresentará o enredo Luz del Fuego: O fruto proibido em homenagem a dançarina, escritora e naturista capixaba conhecida como Luz del Fuego. A escola de Tanabi, pequena cidade do estado de São Paulo, tentará com esse enredo conquistar uma vaga no Grupo de Acesso 1 do ano que vem.

Confira abaixo a sinopse da agremiação:

Logo oficial completo da agremiação.

Quem sou eu?
Eu hoje represento uma fruta
Pode ser até maçã
Não, não é pecado,
Só um convite
Venha me ver amanhã
Mesmo!

Eu fui a Eva, transgressora deste novo século. Sagrada, criação divina, tentação e desobediência. Eu fui aquela que voltou enrolada na serpente, encarnada no espírito e na essência feminina com a difícil missão de reescrever e ressignificar a história das mulheres deste país. Vim libertá-las das costelas de Adão, do estigma pecado e das amarras da culpa; Livrá-las da imagem de um ser secundário e subalterno forjada na patriarcal mitologia cristã que tanto nos oprime, ditando quem somos ou como devemos ser, controlando tiranicamente nosso comportamento.

Vim para ser a pedra no sapato da ignorância, desfiar a “ordem natural das coisas” e abalar as estruturas desta provinciana sociedade. Vim para ser ousadia e liderança, e assim, abrir caminhos e encorajar as mulheres a encontrar o seu espaço, sua independência e sua emancipação dos arcaicos valores e costumes que nos prendem e nos limitam. Vim para falar de igualdade e de liberdade, quebrar tabus, falar do divórcio e da sexualidade feminina. Vim para defender os animais e um estilo de vida mais saudável, em contato direto com a natureza. Vim para lutar, e lutei com muita dignidade e glamour. Fiz de minha vida um espetáculo, o qual me sagrou Diva.

E dentre as Evas que retornaram para lutar em prol dos direitos femininos, fui a mais despudorada e me honro muito disso. Nunca me deixei abalar por críticas, pois sempre tive muito orgulho de quem fui. O meu nome ainda reverbera por aí. Mais de 100 anos depois de ter nascido e 50 anos depois de ter partido, muito prazer, sou Luz del Fuego, o fruto proibido.

Eu hoje represento a loucura
Mais o que você quiser
Tudo que você vê sair da boca
De uma grande mulher
Porém louca! 

● Estreia: Abram-Alas para Dora, Luz menina.

Segunda-feira, 21 de fevereiro de 1917.

A minha estreia no palco da vida não poderia ter sido em outro momento, foi em uma segunda-feira, em pleno carnaval. E assim, a vida havia se preparado para me receber, promovendo um suntuoso e delirante
baile de carnaval, digno de uma estrela. A ordem era cair dentro da folia! A magia e a fantasia deram o tom desta festa e a galhofa era geral!

Sob porres de felicidade, batalhas de confetes e serpentinas, marrequinhas, arlequins, pierrots e colombinas, batuques e bumbos, banhos de mar a fantasia, cortejos de alegria e picardia que o palco se iluminou. O grande baile teve maxixe, samba e marchinhas. Estiveram presentes ranchos, corsos, cordões e grandes sociedades, todos a minha espera, prontos para me aplaudir de pé.

Abram-alas… E lá, fui eu.

Ao abrir das cortinas surgi como Dora menina, meu ato inicial foi contestar, desafiar as regras e viver minha verdade sem que fosse sufocada pelos valores conservadores da sociedade. Essa coisa de ser bela, recatada e do lar não era comigo.

Nunca tive o menor apreço pelas convenções sociais, pois sempre soube que o mundo era um lugar mais feliz entre os loucos e os desvarios. Por isso, gostava mesmo era de me jogar de corpo e alma no bloco de sujo.

● Apogeu: Em busca de minha Luz

Foi em meio ao extremismo, ao machismo, tempo onde mulheres não eram consideradas ainda cidadãs que me criei. Sempre soube que precisaria ir além do que me era permitido para que pudesse concretizar minha missão, assim, fugi ainda muito nova para a então capital federal, o glamoroso e boêmio Rio de Janeiro.

A cidade fervilhava nos primeiros anos da década de 1930 e era o lugar ideal para ser “Luz”, onde minha estrela poderia enfim brilhar. E assim, na busca de minha vocação, acabei me fascinando com a dramaticidade dos bailados afro-brasileiros da Academia de Eros Volúsia que revolucionava os palcos cariocas da época. Eu, no entanto, não era uma exímia dançarina e, por isso, busquei me destacar pelo ineditismo de uma dança que envolvia uma de minhas maiores fascinações, os animais. Então, inspirada nas sacerdotisas da Macedônia, passei a me apresentar envolta em duas jiboias que havia comprado na Amazônia, eu as chamava de Cornélio e Castorina.

Em meados da década de 1940, junto a minhas amadas serpentes, me tornei a atração principal da noite do Circo Pavilhão Azul, sendo “a única, a exótica, a mais sexy e corajosa bailarina das Américas”. Naquele exato momento me tornava Luz Divina.

Eis que a excentricidade de dançar com serpentes não era mais o bastante e logo passei a me apresentar nua, como sempre gostei de estar. Assim, fui a primeira artista do Brasil a tal ousadia. Obviamente que a sociedade não estava preparada e por isso fui detida e presa diversas vezes. Paguei inúmeras multas e acumulei uma longa ficha de delitos contra a moral e os bons costumes e após inúmeras polêmicas, resolvi mudar novamente meu nome artístico. Então, em 1947, por sugestão do palhaço Cascudo, surgi mais quente e mais irradiante como Luz del Fuego, nome que adotei de um batom argentino. Surgia assim o nome que, enfim, me consagraria.

Todavia, meu caminho ainda haveria de correr longos passos, e após me encontrar com Walter Pinto, um arrojado empresário que vinha inovando no teatro brasileiro, dei meu grande salto na carreira artística. Corajoso e visionário, ele sabia que seus espetáculos deveriam abranger todos os gostos e por isso escolhia bem suas vedetes, Virgínia Lane, era a maliciosa, Mara Rúbia, a brejeira, Dercy Gonçalves, a escrachada, e eu, a exótica.

Além disso, descobri na legenda do escândalo um caminho frutífero para mais fama. Tratei logo de instaurar uma briga com Elvira Pagã, outra famosa vedete da época. Estampamos capas de revistas e fomos manchetes de jornal, o Walter adorava e alimentava esta rivalidade, pois sabia que era uma forma de ganhar mais visibilidade e vender mais ingressos. Com o teatro de revista estreei na Praça Tiradentes e ganhei muita fama, me tornei uma das vedetes mais conhecidas do país, me apresentando  inclusive no exterior. Fui amada pelo povo e odiada pelos moralistas.

● Eternidade: O brilho da Luz del Fuego na Ilha do Sol

No ápice de minha carreira me tornei vegetariana, não fumava e nem consumia bebidas alcoólicas, e através de meu grande interesse pela fauna e flora, tornei-me a primeira apóstola do naturismo no Brasil e me dediquei intensamente a teorização deste movimento no país. Também comecei a frequentar a praia de Joatinga onde reunia amigos próximos para praticar o nudismo, pois sempre acreditei que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. 

Com meu sucesso ganhei dinheiro, mas, principalmente, influência e assim, transitei à vontade nas rodas de artistas, intelectuais e também nos corredores do poder.

Em 1949, fundei o PNB (Partido Naturalista Brasileiro), onde defendi pautas importantes, como o próprio nudismo, o divórcio e o direito das mulheres, onde eu ia levava comigo meus ideais partidários e afirmava que “Para a fome, temos o pão. Para a sede, a água. Para a imoralidade, a nudez!”, mas fui sabotada e na tentativa de me silenciar não consegui registrar o partido. Entendi que era o momento de uma ruptura mais significativa com a sociedade.

Em “Meu Grand Finale” usei de minha influência entre os poderosos políticos, dos quais sabia muitas coisas, e consegui a concessão de uma ilha na Baía de Guanabara que chamei de Ilha do Sol. Mudei-me para lá junto de meu cachorro Carlos Lacerda e fundei uma sociedade alternativa a qual nomeei de Clube Naturalista Brasileiro, sendo a primeira colônia para nudistas da América Latina, frequentada por ….

Enfim voltei para o firmamento. Deixei meu legado e minha marca. Lutei contra preconceitos e sacudi convicções. Cumpri minha missão. E hoje a minha luz é de uma estrela que brilha no céu. O brilho de uma outra época, mas que ainda pode ser visto pulsando nos corpos que desfilam neste carnaval, nos passos dos que cruzam a essa avenida e em todas as mulheres que ousam se mostrar como de fato são, e entre serpentes e serpentinas, seguem firmes consonando novas luzes, para abrilhantar e guiar o destino de muitas outras que ainda estão por vir.

Comentários

 




    gl