Independentes clama pelas viúvas do vale do Jequitinhonha

Logo oficial da agremiação.

Atual décima terceira colocada do Grupo Especial, a azul, verde e branco da Zona Oeste carioca do Carnaval Virtual, a Independentes clamará pelas viúvas do vale do Jequitinhonha no enredo Do barro a salvação! As viúvas do vale do Jequitinhonha. A comissão de carnaval da escola é formada por Giovani Leal, André Dubóis e Pablo Mendonça e pretende alcançar o título inédito do Grupo Especial do Carnaval Virtual
Confira abaixo a sinopse:

Logo oficial completo da agremiação.

Introdução : Josefa Mulher e a Zefa Boneca.

O artesanato corre junto com o tempo, e não quer vencê-lo. O artesanato não quer durar milênios nem está possuído pela pressa de morrer logo. Transcorre com os dias, flui conosco, desgasta-se pouco a pouco, não busca a morte nem a nega: aceita-a. O artesanato nos ensina a morrer e, assim, nos ensina a viver (Octavio Paz)

Josefa e Francisco da Silva se casaram. Ela tinha 14 anos, ele 16. O casamento foi o grande evento de suas vidas. Hoje o casal tem 7 filhos. Ela tem 25 anos e ele 27. Dos 11 anos de casados, Zefa só esteve com o marido durante os meses de março e abril, os meses de chuva no Vale do Jequitinhonha. Chuva significa fartura nessa árida região.

Há 4 anos Zefa não vê Francisco que sumiu por esse mundão. A chuva rareou nos últimos anos. E o marido disse que procuraria trabalho. O dinheiro prometido nunca chegou.
Os dias de Zefa são de uma rotina intensa: pelas manhãs ela vai até o rio local, lava suas roupas e das crianças, após isso se dirige ao barranco dos rios para coletar a boa argila. Ela amassa a argila cuidadosamente e a embala em folhas de bananeira. Os “pacotes” são guardados juntos as roupas nos balaios.
Zefa chega à sua casa, guarda as coisas e vai preparar o almoço. Alimenta suas crianças. A mais nova, Esperança da Silva, vai que nem “filhote de canguru”, carregado junto ao corpo e é alimentada pelo seu seio materno. No finalzinho da tarde Zefa pega o barro e o trabalha. Após o manuseio inicial ela leva suas formas ao forno.
Zefa aprendeu a arte da olaria com sua mãe, dona Marinês. Dona Marinês aprendeu a arte com a vó de Zefa, dona Hermínia. E assim a mulherada se torna artista ,na terra do barro. Elas dão vida as suas existência geração após geração. Elas transformam o “Vale da Morte” em “Vale da Vida”, o “Vale da Fome” em “Vale da Fartura”.

Zefa ganhou vida no forno da vida. Um dia ela foi barro, como do barro veio ao mundo homens e mulheres pelas mãos de Deus ou dos Deuses, tanto na Bíblia quanto nas crenças iorubás. Zefa é uma boneca de argila ou é uma mulher do Vale do Jequitinhonha? Na verdade não sabemos, pois assim como Josefa, todas as bonecas produzidas pelas artesãs da região têm nomes e histórias. Têm biografias.

No vale do Jequitinhonha a arte não imita a vida, ela se confunde com a vida. As bonecas são espelhos da vida.

Para centenas de Josefas, representadas como noivas, há apenas um Francisco trajando roupa de noivo. Percebe-se um défict de noivos e uma abundância de noivas. Os homens fogem e somem por esse mundão “di meu Deus”, mas as mulheres resistem, persistem, pois elas são o ventre, elas são a terra, de onde brota a vida, e fica o corpo ,quando vem a morte.

Zefa não é lembrada pelo nome do marido, “Silva”, que carrega na sua certidão de casamento. Zefa é conhecida no mundão, pra além do Vale, como a Josefa das bonecas. O nome Josefa é o nome da família, dela e dos sete filhos: Francisco Jr, o chiquinho,Francisca, Marinês Neta, Leopoldina, Esmeralda, Juliano e Esperança, a mais nova. Dois meninos e cinco meninas. As meninas aprenderão as artes e artimanhas da olaria. Os meninos noivarão, casarão e sumirão por esse mundão? O reconhecimento da existência de Josefa se dá pelo trabalho de suas mãos a criar o mundo e histórias de outras Zefas. Zefas bonecas, Zefas mulheres.

2. Homenagem:

O enredo da GRESV Independentes é uma homenagem a todas as mulheres guerreiras desse Brasil. Uma homenagem às artesãs do Vale do Jequitinhonha: Isabel de Santana do Araçuaí, Noemisa de Caraí, Zezinha de Coqueiro Campo, Aparecida de Campo Alegre, Januária, Josefa, à todas as Marias, Leopoldinas, Ritas, Sebastianas…À todas as “viúvas da seca” que no nosso enredo são “noivas da seca”, mulheres que mesmo abandonadas, têm para com a figura das noivas, a instituição do casamento, elevada estima. Elas são o esteio de suas famílias. Elas são pais e mães, imensas!

3. Contexto:

“Cabe à mulher a cerâmica, pois a argila de que são feitos os potes é fêmea como a terra e, em outras palavras, tem alma de mulheres” (Lévi-Strauss).

O Vale do Jequitinhonha é conhecido, também, como “Vale da Fome” ou “Vale da Morte”. Desse lugar que assemelha-se com as “terras secas” do Sertão Nordestino,ocorrem processos migratórios que fazem as mulheres serem maioria absoluta dos adultos da região. Seus esposos migram para outras regiões em busca de trabalho e a maioria não volta. As mulheres resistem e fazem das dificuldades, esperança, fonte de vida e arte coletiva.

A cerâmica local é produto de mãos femininas e na História Universal, normalmente cabem às mulheres, ligadas ao fogo do lar, produzirem tanto o pão quanto o pote. Tudo nesses universos fala do feminino: forno, ventre e chão. A matéria de que é feita a cerâmica tem nome feminino: “Mãe Terra, Avó da Argila, Senhora da Argila e dos potes de barro”. Da Terra os homens vêem, para a Terra eles voltam. Vida e Morte. Do Vale da Morte, nascem e renascem vidas.

O Vale já foi conhecido pelas pedras preciosas, mas hoje sua maior riqueza advém da argila, rica em caulim, feldspato e cianita. As pedras preciosas só deixaram pobreza! No vale, tudo é feito do barro: as casas, os fornos, as panelas, as tintas e até a proteção das casas contra o inseto barbeiro que ronda a região.

As ceramistas relatam que “da terra seca donde não nasce nem um pau de flor, começam a brotar belas bonecas de barro”. As viúvas da seca dão vida, literalmente, às suas bonecas. Todas são batizadas com nomes e chegam aos seus futuros “donos” com uma biografia. A insistência nas “bonecas noivas”- dificilmente vemos bonecos noivos- indica-nos à esperança das mulheres locais para com o futuro. Na literatura Ocidental, cabe as mulheres a espera. Os homens vão ao mundo, às guerras, enquanto as mulheres cuidam da tessitura do tempo do mundo. As bonecas noivas com véu, grinalda e ramo de flores sintetizam a vida dessas mulheres, suas criações, recriações, encenações de seus dramas, vitórias e derrotas.

4. Enredo

Eis-me aqui, não sou poeta
Mas quero uma história contar
Bem no nordeste de minas
Jequitinhonha tu és meu lar

O GRESV Independentes, a Independentes, no feminino e pelo feminino, vem contar e cantar, no carnaval 2021, a história de bravas mulheres que venceram as adversidades de seu solo e clima, o Vale do Jequitinhonha, e fizeram desse solo seu sustento e existência simbólica para suas vidas. Essas mulheres já foram conhecidas como “viúvas da seca”, pois casadas desde muito cedo, normalmente são abandonadas por seus maridos, com vários filhos( as taxas de fecundidade são das mais altas do Brasil). Como sobreviverem ao abandono e a hostilidade do clima e da terra?

Lembro a magia do carnaval
As praias o rio, cartão postal
Escolas de samba, o festival e
A igreja mais linda do vale

Para sobreviverem elas recorrem aos saberes milenares femininos, herdados de geração em geração. Esses saberes tratam-se da arte da olaria, o trabalho manual com a argila, com o barro, com a Terra. Segundo religiões e mitologias universais, a vida veio da terra, do barro( a Bíblia e a tradição milenar dos iorubás também). São as mulheres que trazem à vida ao mundo. São das mãos das mulheres, de seus trabalhos, de seus fornos ventres que o Vale da Morte(como é conhecido o Vale do Jequitinhonha) torna-se o Vale da Vida.

Dos cancioneiros de cordel
De versos e trovas, menestrel
Do artesanato de barro
Do padroeiro são miguel

Mesmo abandonadas pelos maridos quais figuras são as mais representadas artisticamente por essas mulheres? As figuras das noivas segurando um buquê. Ironia? Persistência? Resistência? Resiliência? Essas perguntas nos fazemos ao desenhar cada ala, tripé e alegoria de nosso desfile 2021. São histórias que precisam ser narradas, vozes que precisam ser (des)silenciadas. São histórias que se repetem nos sertões desse Brasil imenso.

Ah como é linda meu irmão
A cidade de Jequitinhonha
De olhos fechados relembro
De olhos abertos eu sonho

O artesanato feminino do Vale do Jequitinhonha é considerado hoje joia do artesanato universal. Todas as bonecas produzidas por mãos femininas têm nomes, sobrenomes, certidões de casamentos, filhos e carregam memórias ancestrais. A Independentes traz em 2021 a história de Josefa da Silva, casada com Francisco da Silva, abandonada por Francisco da Silva. Zefa criou seus sete filhos com as habilidades herdadas de ceramista. Josefa da Silva é uma boneca ou é uma moradora artista do Vale do Jequitinhonha. Essa resposta você só terá na passarela do carnaval virtual, quando passar a contar e a cantar pela pista a GRESV Independentes.

O cinema no centro, de frente o royal
Serestas cantadas por doca e sinvaldo
O domingo alegre no unobenje
Memórias do som do tenente

A Independentes descobriu no vale do Jequitinhonha a existência de uma escola de samba, a Estrela do Vale. Feita por mãos e cérebros femininos a escola desfila anualmente no carnaval de Belo Horizonte. Que delícia de descoberta!E como o carnaval é celebração da alegria, da vitória da vida sobre as dificuldades, promoveremos em nosso desfile um encontro da estrela alada da Independentes, nosso totem/símbolo maior, com a Estrela do Vale. Que os deuses oleiros do samba abençoem esse encontro de estrelas! Evoé!

Irapé surgiu, o rio esvaiu, a praia extinguiu, a beleza sumiu
Foi-se tradição pelo ralo, parece que ninguém viu
Deixe o rio seguir o seu curso, deixe o rio descer
Jequi, te lembro, sorrindo, jequi, te lembro, viver

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DALGLISH, Lalada. Noivas da Seca. Cerâmica popular do Vale do Jequitihonha. São Paulo: Editora UNESP, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

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