Glorificando a ‘Boemia’ desfilará a Astro Rei da Folia

Logo oficial da agremiação.

A branco e dourado do Grupo de Acesso 1 do Carnaval Virtual, a Astro Rei da Folia desfilará em 2021 com o enredo Boemia. A escola carioca manterá como presidente e carnavalesco Renê Salazar e buscará vencer o título de seu grupo e conquistar a vaga no Grupo Especial.

Confira abaixo a introdução e a sinopse da escola:

Logo oficial completo da agremiação.

É freqüente encontrar pessoas que pensam a boemia como um produto do morro, e que ser boêmio é viver despreocupado, bebendo, cantando e buscando diversão de bar em bar pelas noites. A origem e a verdadeira historia da boemia vem do final da idade media, esbarra num capitulo da historia do povo cigano, se entrelaça com os deslocamentos do povo cristão fugindo das invasões otomanas, e se potencializa como estilo de vida dos pintores franceses que estes percebem semelhanças entre os modos de vida dos nômades sem futuro e os artistas sem meios de pagar os custos de sua própria existência. À partir deste momento, o termo deslizou historicamente entre os séculos para finalmente adquirir o sentido mais próximo do que conhecemos hoje.
Fugidos das perseguições otomanas, os ciganos se misturaram aos refugiados cristãos e fingiram ser parte do grupo para poder passar de um lado ao outro. Quando os ciganos chegaram na Europa, ganharam denominação diferente em cada região; no mundo anglo-saxão eles eram chamados de Gypses, porque pensaram que eles viessem do Egito. Gitanos e Cinganos na Peninsula Ibérica, Zigeuner nos países germânicos, variantes de Cigani ou Ciganie na Europa Central e Oriental. Na França, alem de terem sido chamados de Egyptiens, eles foram chamados de Bohémiens, que até hoje é um sinônimo de cigano em francês.
Os ciganos estavam às margens da sociedade, nômades, sem residência, desempregados, sem ambição e sem futuro, banidos da comunidade burguesa. Os artistas franceses em fase de escassez e desencanto experimentaram períodos similares aos dos ciganos, rechaçados pela burguesia, desprovidos de recursos, encontraram na maneira de viver dos boêmios/ciganos seu estilo de vida. D’entre os pintores, Gustav Courbet se destacou ao se intitular “bohemien” (boêmio), experimentou um tipo de nomadismo artístico onde viajava de cidade em cidade mostrando aos pobres no caminho suas pinturas que escandalizavam na academia de belas artes mas que com estes se identificavam. O termo foi então usado por todos os outros artistas que se obrigavam a passar e superar as mesmas condições. A Boemia como a conhecemos hoje, surge desse capitulo histórico e deve ser entendida como um momento transitório na vida do artista, fase em que ele vai através de sua arte iniciar um percurso passando por momentos de fome, penúria e dificuldade até encontrar através do sucesso de sua expressão artística o próprio sustento, o sucesso. Os artistas franceses, inventores da boemia como estilo de vida, viveram essa fase nos famosos cabarés, nos cafés e em locações onde mal conseguiam pagar o aluguel, acompanhados do absinto, olhares tristes e cabisbaixos, trocavam tintas por pedaço de pão e queimavam as molduras ou seus cavaletes para se aquecer durante os invernos. Ilustravam e escreviam contos autorais em jornais, falavam de suas ideias e sonhavam com a gloria nos braços de amores sem leis.

Sinopse:

– Por questão de sobrevivência, a fuga foi uma garantia de seguir existindo. Seguindo nobres que fugiam das invasões otomanas, fingindo ser cristãos, o povo cigano, teatraliza uma fé para entrar na Europa. Os nômades são sempre mal vistos, perturbam por sua liberdade! Eis que chegam exuberantes, místicos, iluminando as noites com fogueiras, num continuo cavalgar, trazendo a casa nas costas do cavalo, música, dança, pandeiros, instrumentos de cordas e a leitura de mão. Não ficou claro a principio de onde eles vinham. Eruditos confundiram-se, afirmaram que este povo diferente era do Egito, pois tudo o que era fantástico devia ser de lá. Apesar de não serem conterrâneos dos faraós, na França foram chamados de Egyptiens ou Bohémiens.
A corte os amou, enfeitou seus bailes, balés e bandas, a igreja os excomungou tentando ser a única a deter o futuro do fiel, e mesmo com tanta perseguição religiosa, sob a proteção de santa Sara kali, jamais uma cigana foi queimada por bruxaria.

– O tempo trás novas narrativas criadas pela burguesia, se dele (o cigano) se fala é bandido, na opera o cigano é cigana. Moça linda e atraente, surge nas artes desde os tempos de Miguel de Cervantes. A influencia na literatura começa com Preciosa

– La Gitanilla, moça honesta, discreta e cortês, pioneira de seu povo no protagonismo de uma atividade estética, seguida por outras de encantos similares; a artista de rua e bailarina saltimbanco Esmeralda na bela Notre Dame de Paris, fez a França e o mundo fantasiar. Mignon e Paquita embelezam operas e balés. Carmem expressa um amor que jamais conheceu qualquer lei. No Barroco pudemos ver muita beleza gitana nas pinturas belgas, italianas e francesas. A literatura as expõe virtuosas, mas ao final da trama revela que aptidão ética só pertence aos aristocratas. Foi bastante comum neste época literária, a revelação final do drama conter uma mudança repentina de situação, guinada essa que dava saber ao publico/leitores que a cigana na verdade era uma nobre ou burguesa que teria sido sequestrada na primeira infância e guardara sua integridade moral através da hereditariedade. Uma verdadeira gangorra na honra deste povo. Emprestavam sua estética à literatura que as caluniam em retorno. Um sobe e desce de plástica e difamação.

– Os artistas franceses, criadores jamais domados pelas normas estabelecidas, pelo povo errante sem regras ja nutriam empatia, e quando foram atormentados pela escassez só viram potencializar a sintonia. Pintores, poetas, atores, filósofos, músicos e escritores de Paris vivendo na mesma precariedade, em situação de penúria, sem residência e nem o que comer, mergulhados em dívidas, rejeitados nas academias de belas artes, sentem-se excluídos da sociedade. No momento em que um pintor* autoproclamou-se: – “sou boêmio”, todos os outros entenderam – boêmia é fase passageira que se atravessa tendo como ferramenta a genialidade artística moldada em condições de indigência até o ponto de superação onde se alcança autonomia! Virou passagem obrigatória na vida de todo artista. Viver de expedientes passa a ser estilo de vida. Quando se impõe o desenvolvimento da imprensa, multiplicam-se jornais, literatura e ilustração, os jovens poetas só querem triunfar, publicar sobre si e seus ideais. Fazendo graça de toda insuficiência, romanceiam “Cenas da Vida Boemia”*, impondo na língua popular um estilo que a opera “La Boheme” vai democratizar.

-Conectados pela vontade artística, se reúnem nos cafés e cabarés, encantados pela verde fada absinto, se aliam no desalinho e pensamento. Alguns preferem a exótica (germânica) dourada cerveja cuja espuma alude à imaginação e projetam sonhos nas volutas das fumaças dos cachimbos. Vivendo na excentricidade, rejeitando ideais clássicos nas artes, marginalidade e desencanto, poetizam seus amores infiéis vivendo a eterna promessa de glória. E como a vida em declínio sempre atraiu plateia, aconteceu a aprovação da boemia.

– Para nossa surpresa, com o passar do tempo, o burguês que torcia o nariz para esta farra, passou a querer aparentar o mesmo estilo de vida. Faz pouco tempo surgiu o termo “bobo”*- burguês boêmio de ar chique e descontraído, culto, atravessa o oceano num nomadismo confortável com câmeras de celulares para registrar como está a nossa folia e aproveitar das delicias de nossa constante bohemia.

Esta dama* aqui subiu o morro e apresenta as mesmas condições de formação do artista boêmio: expedições, êxodo, fome, frio, residências mal acomodadas, carência de infraestrutura, desguarnecidos da própria chave da porta e nomadismo. Prova de fogo pra quem vive de pequenas estratégias, povo que transforma os obstáculos da vida em arte e beleza para os olhos do publico. Assim como lá (França), aqui o artista boêmio não se submete as restrições sociais estabelecidas pela burguesia/elite, e desde a época em que manifestações de origem africana eram vistas com desconfiança, o samba foi ganhando os salões e se associando ao carnaval. Nossa boemia tem múltiplos territórios: cabaré, café, gafieira e o botequim, de onde no quesito expectativa de ascensão para uma vida melhor, o surgimento do samba ganhou sem oscilar. O ápice da nossa bohemia acontece na Marques de Sapucaí. A arte de sambar para enternecer os atropelos latentes da sociedade. O carnaval é boemia genuína, nos termos franceses em que a arte pode se tornar um meio de alimentar e enriquecer as comunidades e nos termos abrasileirados no qual as noites cheia de artistas pelos bares e esquinas não tem hora para acabar. Da Lapa acalorada de amores desleais, da insistência na busca de garantia de liberdade de expressão, da teimosa presença do corpo mulato e suas necessidades, seus excessos são igualmente atributos da antiga boemia, que só ganhou na melanina, impossível não se apaixonar.

* – Pintor que se autoproclamou boêmio foi Gustav Courbet.
* – Cenas da Vida Boemia * – é um apanhado de publicações de Henri Murger da década de 50 do século XIX onde ele romantizava a vida boemia de indivíduos franceses. Em sua maioria eram personagens baseados em pessoas reais.
* dama – alegoria da boemia.

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