Em sua estreia no Grupo Especial, Independentes conta a história do amor homoafetivo no Brasil.

Em sua estreia no Grupo Especial do Carnaval Virtual, o GRESV Independentes propõe um enredo com os Amores renegados e escondidos de nossos livros de história, a escola apresentará o enredo “História do Brasil, onde um amor não se pode dar nome”, de autoria da comissão artística da escola: André Dubois, Giovane Leal e Pablo Mendonça.

FICHA TÉCNICA:

Presidente: Giovani Leal
Vice Presidente: André Dubóis
Criação da Escola: André Dubóis, Giovani Leal e Pablo Mendonça
Diretor de Carnaval: Pablo Mendonça
Intérprete: Marcelle Motta

 

SINOPSE:

História do Brasil, onde um amor não se pode dar nome.

Autores: André Dubois, Giovane Leal e Pablo Mendonça.

Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade – voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade.(Caio Fernando Abreu).

O amor que não se dá nome…
Proibido, escondido, aberração!
Doença, antinatural, pecado!
Sodomia, interdito, imoral!
Tabu!

Apesar de não ter nome, as relações homoafetivas, no Brasil, do “achamento” aos dias de hoje, esse tal amor, recebeu vários sobrenomes(adjetivos). Quando se nega “nome” a algo ou alguém é imposto a “inexistência” a algo ou alguém. É imposto o silenciamento a isso. É, também, imposta invisibilidade à essas relações. Devem ser silenciadas ou invisibilizadas pois representam perigo. Não devem aparecer aos olhos puros e ingênuos que no futuro reproduzirão a cultura e os preconceitos oriundos dela. As crianças não podem ver, nem escutar sobre o amor interdito/proibido, que não se nomeia. Esse amor é patológico, contagioso é uma doença! E como toda doença lhe é atribuído o sufixo “ismo”. A homoafetividade transmuta-se em “homossexualismo”. Sim, seria uma doença…E como doença pode ser curada. Como pecado, também pode ser superado como perdão!

Quando o amor virou doença? Quando o amor virou pecado? Essas serão perguntas respondidas pelo GRESV Independentes,no carnaval 2020, na passarela do carnaval virtual.

O amor, como lembra-nos, vários ícones da cultura universal, não pode gerar nada, quiçá, amor! A consequência do bem é sempre o bem! Como e porque o afeto foi transformado em devassidão? Por que corpos que só desejam amar foram apedrejados, açoitados, interditados, incendiados nas fogueiras do preconceito dominante?

A GRESV Independentes vem-lhes falar de amor! E aqui damos nomes e centralidade a esse amor: homoafetividade, homoerotismo, homossexualidade, homoexpressão e homoidentidade. Amor entre iguais. Simplesmente amor!

Nos muito mais de quinhentos anos de Historia do Brasil,  já que essas terras não eram devolutas, nossa trajetória foi marcada por pessoas que ousaram amar, esse amor proibido. As paginas da história oficial, acerca desses amores, foram arrancadas, queimadas borradas pelas tacanhas tintas do preconceito. Nosso trabalho aqui é o do paleontólogo que recupera letras, palavras, sentidos, ressuscita amores e trajetórias biográficas desses afetos! A única coisa que queremos “expulsar” do armário histórico é o preconceito! Até porque é proibido proibir o amor!

 

Devassidão  no paraíso amazônico

Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado, rasgado, suado a todo vapor (Chico Buarque)

Os ibéricos enfrentaram os perigos do “Mar tenebroso”(Oceano Atlântico) em busca de ilhas de utópicas riquezas. Acreditavam em lugares riquíssimos donde floresciam avançadas civilizações douradas! Eram essas, o paraíso terrestre! O paraíso era um lugar de fartura e dourado fausto! Esses paraísos imaginários foram os combustíveis de portugueses e espanhóis para a conquista desses mundos oásis. Visões e sonhos antecedem e alimentam os espíritos aventureiros! Reinos como o de Prestes João, Atlântida e o Eldorado Amazônico se apoderaram dos sonhos ibéricos. Um dos reinos imaginários que penetraram cabeças e corações dos “tugas”(portugueses), foi o do Eldorado amazônico. Vasco da Gama, famoso navegador português que nunca esteve nestas terras, descreve o Eldorado como: “lugar de resplandecentes florestas, donde árvores davam frutos em material do mais dourado metal[o ouro].[…] governado por douradas guerreiras mulheres”.

Portugueses e espanhóis produziram um mito-história muito poderoso no Brasil: o mito-história das Amazonas. Essas índias,mulheres e guerreiras tinham um território próprio(a região onde é hoje a floresta Amazônica) e defendiam o mesmo com heroísmo inaudito ao gênero feminino(inaudito à sociedade patriarcal preconceituosa. O machismo é o mais antigo dos preconceitos humanos). Era essa uma sociedade totalmente matriarcal! E portugueses e espanhóis estranhavam os comportamentos de gênero e sexuais delas, como vemos nesses relatos:

Há cá mulheres que assim nas armas como em todas as outras coisas seguem ofícios de homens, e têm outras mulheres com quem são casadas. A maior injúria que lhes podem fazer é chamá-las de mulheres[relato do jesuíta Pero Correia- ano de 1551. FIGARI, 2007:33].

Estas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido,entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas em pêlo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios. [relato do dominicano Frei Gaspar de Carvajal, sobre as amazonas que combatiam os espanhóis, do ano de 1542. FIGARI, 2007: 35].

Os portugueses também relatam comportamentos homoeróticos entre os nativos. Em seus relatos os índios são “tão luxuriosos que não há pecado da luxúria que não cometam”(2007:30). As práticas homoeróticas eram chamadas de “pecado contra a Natureza”.

Imaginemos nós, o susto dos portugueses! Eles que queriam vestir os índios defrontaram-se, em seus universos oníricos, com mulheres que amavam mulheres e se casavam com mulheres. Uma sociedade, onde mulheres eram mais fortes ou tão fortes quanto homens! Mulheres valentes, guerreiras! Atributos, para os portugueses, até então, apenas, masculinos! As grandes mulheres européias, como Joana D´Arc, que apareceram para a historiografia como “heroínas”, tiveram que se vestir e fazer de homens, para assim serem. No Novo Mundo, os ibéricos encontraram mulheres que eram mulheres e que ousavam se amar. Os portugueses logo viram o “paraíso” como o “inferno”, os “bons selvagens” como “devassos”. Era preciso rasgar o mapa…Melhor dizendo, tirar do mapa do mundo de Deus tamanho pecado, tamanha devassidão!

 

Na colônia, os “proibidos” amores do Clero

Os que se surpreendem na prática da sodomia são obrigados a levar, por dois dias, o calçado preso ao pescoço, punição que indica terem eles invertido a ordem natural das coisas, pondo os pés sobre a cabeça. (Campanella- A cidade do Sol)

 Durante a Idade Média, o amor entre iguais, foi chamado na Europa de “amor de padre”. O termo nos sugere que o homoerotismo era uma prática comum em mosteiros. Em ambientes de convívio de pessoas do mesmo gênero e de forte repressão de libidos, essas eram uma das poucas alternativas de contatos com outros corpos. Foi no seio da Igreja repressora que paradoxalmente apareceram os maiores casos de masculorum concubitores. Quando o “paraíso”, nomeado Brasil, virou o “inferno” , os portugueses criaram um tribunal para crimes devassos. A Inquisição perseguiu todas as diferenças tipificadas como “crimes contra Deus”. Deu ao seu tribunal um nome santo: Tribunal do Santo Ofício. E esse tribunal esteve presente no Brasil, sobretudo dentre os séculos XVI e XVII.  No Brasil colônia, impressionam os casos de padres, acusados junto ao Tribunal do Santo Ofício de nefandos ou sodomitas.

Um dos mais famosos casos de ameríndios que praticavam o “amor proibido e escandaloso” é o do Índio Tibira Tupinambá. Esse índio tinha o hábito de travestir-se de mulher e manter tórridas relações sexuais com homens santos (membros do clero). Foi preso, na cidade de São Luis do século XVII, à época dominada pelos franceses, e executado, cruelmente, como bucha de canhão.

Famoso pelo “vício dos clérigos” foi  o padre José Pinto de Freitas. Conta-nos Diogo Souza, português que visitou a Bahia em 1669: “há fama pública e constante entre a plebe, clérigos, religiosos e nobreza da Bahia que o Padre José Pinto de Freitas exercita o abominável pecado nefando com homens, estudantes e rapazes, pegando-lhes pela baguilha, abraçando-os e beijando-os , acometendo-os com dinheiro, ouro e jóias, por ser rico e poderoso”.

O reitor do Colégio dos Jesuítas da Bahia, padre Antônio Guizeronde, foi descrito, num inquérito de 1730, movido pelo Tribunal do Santo Ofício, como vivente de “notável escândalo todo o tempo de seu reitorado. Tinha dois recoletos como amantes, Francisco de Seixas e Luiz Alves, pelos quais fazia incríveis excessos, indo altas noite, descalço e com chave falsa, ao Recolhimento, ter com eles…A prostituição era tão grande que não me atrevo a dizer. Todos os alunos deste pátio estavam sujeitos a esses amores sodomitas”.

 

Da África ao Brasil as práticas homoeróticas.

E diziam alguns que juras de foder não são para crer ( Fernão Lopes. Crônica de D. Fernando) 

Em África, como em todo mundo e em todas as culturas, as práticas homoeróticas eram comuns. E essas práticas singulares, dentro de um sistema de relações específico da África Ocidental(região donde migraram forçadamente milhões de pessoas), se refizeram no Brasil colônia. Aqui temos a ação de um ¨duplo preconceito¨: às práticas homoeróticas e à condição de escravo e negro do praticante. A construção da figura do “outro negro” é carregada de exotismo.

Os reis bantos, escravizados no Brasil, também cumpriam rituais de submissão para que seus corpos fossem vistos como sagrados. Tabus obrigavam e proibiam sexo com o “sexo diferente”. O lukanu, rei sagrado lunda, era condenado à esterilidade, e para isso, só tinha relações sexuais com outros homens. Os relatórios da Inquisição demonstram que essas práticas eram restabelecidas no Brasil. Só que agora, esses reis em África, viviam na condição de escravos.

Entre os Kotokos do Benin(região donde migraram muitos escravos) o governo era organizado pela mãe do rei eunuco(sim! o rei era esterilizado). A mãe do rei era uma espécie de abelha rainha. Ela recebia em seu aposento vários homens, com os quais acasalava em rituais de procriação. A colméia dos Kotokos era uma verdadeira coletividade seminal. A rainha recebe o sêmen de vários homens. Esses só podem reproduzir com ela, rainha. O rei só pode transar com outros homens(evitando a reprodução de sua ancestralidade, já que o reinado do rei eunuco é considerado único). Em muitas fazendas de Pernambuco e da Bahia, senhores de escravos, entregaram suas “mercadorias”(escravos eram tidos como coisas!) ao julgo do Tribunal do Santo Oficio, pois os mesmos refaziam no Brasil, tais práticas, agora na condição de escravos!

Um jimbanda é, em alguns idiomas africanos, um gay passivo, afeminado. Um dos famosos casos de africanos, escravizados no Brasil, e que manteve práticas homoeróticas foi o do negro Antonio do Benin(1601). Tinha uns 40 anos, vestido sempre com “um avental de burel cingido e aberto a frente” e ” gibão branco atado por todo adiante” e que a noite circulava vestido de mulher, exigia que, nessas circunstancias, fosse chamado de Vitória. Trabalhava ao lado das prostitutas da Ribeira(Portugal). Por esses hábitos foi degredado para Angola pelo Santo Ofício. No Brasil, Antonio viveu em Salvador ,como escravo de ganho. Dentre os “ganhos” que levantava para seu senhor branco, estavam recursos oriundos da prostituição. Antonio chegou a comandar um prostíbulo em Salvador, o prostíbulo das “moças negras de almas brancas”(2007;38).

Um dos casos mais famosos e polêmicos de suposta homossexualidade é do herói da resistência negra Zumbi dos Palmares. Nos anos 1990[i] alguns antropólogos levantaram suspeitas sobre o líder do quilombo mais famoso do Brasil, Palmares. Seria Zumbi gay? Para a Independentes, sendo ou não um fanchono (termo usado para gay ativo nos processos inquisitriais dos séculos XVI e XVII), Zumbi dos Palmares continua como exemplo de herói de milhões de negros. Um dos maiores líderes e heróis da História Ocidental, Alexandre “o Grande”, foi gay, numa sociedade homonormativa, e nem por isso foi apequenado em sua trajetória. A GRESV Independentes ,adentra essa polêmica, e tira do armário o seu preconceito!

Há vários indícios históricos e antropológicos da homossexualidade de Zumbi, vejamos: Zumbi era descendente da etnia “quimbanda”, como vimos acima, a norma nessa sociedade africana era a homoafetividade. Em Palmares, onde havia uma ausência de contingente feminino, o homoerotismo, era prática comum e aceito com naturalidade dos que desejam refundar a África no quilombo. Em comunidades onde há desequilíbrio entre sexos, era natural que Zumbi tivesse amantes do mesmo gênero. Zumbi é descrito por seus contemporâneos como possuidor de “temperamento suave e habilidades artísticas”. Antes de fugir para o mocambo- até 15 anos- foi criado por um padre da região de Porto Calvo, padre Melo, que se referia a  Zumboi como “seu negrinho preferido”. Os retornos de Zumbi a casa de “seu” padre, são narrados por seus biógrafos e contemporâneos. Por outro lado não há evidência/prova historiográfica de que Zumbi tenha tido mulher e filhos. Era comum um grande chefe guerreiro ter acesso a poligamia(um privilégio indispensável). Seu tio, Gamba Zumba, teve três mulheres e inúmeros filhos. Por que Zumbi abriria mão desse diferenciador de status? Zumbi era chamado, em sua época, tanto por quilombolas, quanto pelos inimigos, como “sueca” e “galega”, adjetivos atribuídos à homossexuais ativos. Por último vale destacar que ao ser executado, em 20 de novembro de 1695, foi degolado “sendo castrado e o pênis enfiado dentro da boca”. Uma forma simbólica de humilhar os que não usam seu falo adequadamente, os fanchonas, ou sodomitas.

 

Os pecados da Corte no Brasil

Tão louca te traz, que só por Damas suspiras (Gregório de Matos)

 A corte portuguesa migrou para o Brasil, em 1808 ,fugida das tropas napoleônicas. Trouxe para essas terras a etiqueta e hábitos dos nobres. O “amor que não se dá o nome” era um amor cortesão, por excelência. Normalmente, no Brasil e em terras lusitanas, o crime da prática sodomita, não era imputado às elites. Neste sentido, os privilegiados têm direitos às práticas tidas como devassas, desde que não ganhasse expressiva notoriedade pública. Dentre seus principais representantes temos o monarca Don João VI e a princesa Leopoldina.

Don João VI, primeiro monarca a pisar nas Américas(1808), manteve um romance homossexual com a temperatura dos trópicos! O Imperador teve um longo caso com o general  Francisco Rufino de Sousa Lobato (1773-1830), seu favorito desde Lisboa- que os masturbava regularmente. O romance rendeu, inclusive, inédito título de nobreza, já que Don João VI concedeu ao general, título de Visconde de Vila Nova da Rainha(primeira vez que um servidor do Palácio ganharia um grau de nobreza).

No livro “Império à Deriva”, o historiador Patrick Wilcken, descreve que um religioso, que servia em Santa Cruz- Rio de Janeiro-(onde ficava a fazenda de repouso da família real), chamado padre Miguel, afirmou que, quando ajoelhado em oração, efetivamente testemunhou atos de intimidade entre D. João VI e “seu” Visconde. Por motivos que nunca foram esclarecidos, o padre Miguel, foi exilado em Angola!

A presença lésbica mais ilustre de nossa história é a figura de nossa Alteza Imperial, D. Maria Leopoldina Josefina Carolina( 1797-1826), Arquiduquesa da Áustria, Imperatriz do Brasil, hoje nome de estação de trem, escola de samba e cidade mineira,manteve tórrido romance com a inglesinha, 12 anos mais nova, Maria Graham, governante de sua filha.

Seu principal biógrafo Pedro Calmon a descreveu como “de espírito varonil, inclinada às ciências exatas, usava vestes masculinas e abusava de bebidas alcoólicas. De longe parecia um homem, ostentando uma virilidade grotesca. Amava equitação, caça e exercícios desportivos. Ao desembarcar no porto do Rio de Janeiro, assustou o noivo(Don Pedro I)!”

A amada, Maria Graham, escreveu em seu diário: “aproveitando-se da sesta que D. pedro tirava após o almoço. A familiaridade com que a Imperatriz me tratava, excitava violentos ciúmes entre as damas da corte”.E ao que nos leva a crer, suscitou ciúmes também no Imperador! 25 dias após  sua chegada, Maria Graham, foi demitida pelo próprio Imperador! Até sua morte, a Leopoldina, trocou cartas com sua amante inglesa!

 

La Belle Époque Brasileira

A maior delícia do brasileiro é conversar safadeza(Gilberto Freyre)

La Belle Époque foi um período de intensa produção intelectual. Na capital do Brasil à época, o Rio de Janeiro, dandis e flaneurs, produziram intensa vida boêmia, davam pinta nas colunas sociais e freqüentavam e inauguravam locais como a Academia Brasileira de Letras, Confeitaria Colombo e o Teatro Municipal. Os vadios, errantes, participantes  e observadores intelectuais da vida carioca, produziam a vida na capital e a vocação da mesma como cidade “maravilhosa”. As ruas do Rio viram emergir o modernismo, antes da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Olavo Bilac, João do Rio e Lima Barreto deram traços de modernidade ao homoerotismo. O gay passa a estar associado ao urbano, ao intelectualismo e ao cosmopolitismo. João do Rio, negro, gay e presidente da Academia Brasileira de Letras andava com as grandes personalidades mundiais. Foi o responsável pela inauguração triunfal do teatro municipal. Também frequentava a boemia dos subúrbio e tinha como amigas as “borboletas noturnas”(prostitutas do baixo meretrício que ganhavam a vida na Vila Mimosa). Olavo Bilac, branco, rico e europeizado, fazia a “bicha requintada”. Lima Barreto, negro, baixinho, gordinho e alcoólatra, foi o primeiro escritor de origem pobre. Namorou um eminente militar que participou da Guerra de Canudos. Foi internado como louco, não só pelo alcoolismo, mas também por praticar o pecado do “amor entre iguais”.

Outro gay famoso da “bela época” foi o grande inventor Santos Dumont. O pai da aviação, apaixonado por tecnologia, foi chamado à época de homem-asa, era praticante do amor ilegal(juridicamente, no início do século XX, a homossexualidade era crime). Ele foi tratado como “assexuado”, já que na época era perigoso estar associado ao crime do amor entre iguais. Escreveu o vaidoso Dumont em seu diário:  “Amei homens e mulheres. Sou macho e fêmea. Não foi me dado habilidade de dividir categorias tão complementares”. O historiador holandês Arthur Japim, biógrafo de Dumont(escritor do livro “O homem com asas”) descreve vários indícios da homossexualidade de Santos Dumont, que jamais se casou, numa época em que o casamento dos cavalheiros mais expressivos da sociedade era uma regra. A única amiga mais íntima de Dumont,Mercedes da Costa, se declarou lésbica e surpresa por ter sido lembrada pela imprensa como sua suposta amante. Mercedes declarou: “Dumont foi mais mulher que eu”.

 

Homossexualismo e Lampião de Esquina

O Estado precisa colocar sob seu amparo as famílias homoafetivas, conferindo-lhes os mesmos direitos de união estável heterossexual. (Ministro Ricardo Lewandowski, quando do julgamento do STF que reconheceu a União Homoafetiva, em 2011).

Os anos 1930 e 1940 trataram a homossexualidade como “homossexualismo”. O sufixo “ismo” significa “doença”. O “amor entre iguais” era visto como patologia. A pseudo ciência eugênica dessa época, alicerçada por regimes autoritários, produziu essa discriminação que jogou inúmeros praticantes do “amor que não se dá o nome” ora em campos de concentração, ora em hospícios. Havia a triste noção de que a “questão”, se doença, poderia ser curada. A homoafetividade transmuta-se em “homossexualismo”, e como toda doença lhe é atribuído o sufixo “ismo”.  Ainda no século XXI há setores da sociedade que acreditam que a homossexualidade pode ser curada por médicos ou pela fé religiosa, onde a homossexualidade ainda é vista como uma aberração e uma doença curável .

No final dos anos 1960 e durante os anos 1970 e 1980, no bojo do processo de “emancipação humano”(movimentos de resistência negra, feminismo e pós colonialistas) ,os movimentos em prol dos direitos homossexuais prosperam em todo o mundo. Não foi diferente no Brasil. Esses grupos tiveram que lutar politicamente por seus direitos à existência e esse era um período complicado para a luta, pois o Brasil vivia uma Ditadura militar autoritária que liquidava seus oponentes com tortura, expatriação, assassinatos e diversos tipos de perseguições.

Outra questão importante foi a dificuldade que os homossexuais tiveram de serem aceitos pelos grupos e partidos políticos. Nem a esquerda, nem a direita quiseram anexar às suas pautas, as causas homossexuais. O movimento de defesa dos direitos gays surgiu, liderado por corajosos intelectuais que colocaram suas pautas através de revistas, produção de literatura, teatro  e cinema. Foram a arte e a imprensa os locais de exposição das pautas gays. Homenageamos nesse setor jornalistas, autores/escritores, poetas e lideranças da causa homossexual. Um dos grupos mais importantes foi o Lampião de Esquina. Entre os colaboradores do jornal estão: João Silvério Trevisan, jornalista e historiador e também maior especialista da História Gay no Brasil; Aguinaldo Silva, escritor e um dos maiores novelistas do país; o editor Adão Costa. responsável pelas pautas do Lampião de Esquina.

O Lampião de Esquina ganhou as bancas do país, numa época na qual a melhor forma de se difundir idéias era através dos impressos(hoje vivemos a “era das redes”). Numa sociedade extremamente conservadora e com regime autoritário o Lampião da Esquina foi um afronte e um difusor de idéias progressistas. O jornal falava da linguagem e cultura gay. Defendia direitos iguais(reconhecimento de união jurídica, criminalização da homofobia, direito à adoção, dentre outros), trazia ícones gays nacionais e mundiais. Nas bancas o jornal ficava escondido, junto das publicações eróticas (sim! era visto como publicação erótica!). Os leitores eram identificados por jornaleiros escandalizados! Todos que procuravam os “setores proibidos” das bancas, eram suspeitos… O trabalho de divulgação de temas tão espinhosos foi importante para o avenço da “questão gay” no Brasil.

 

Os artífices da folia

Naquele carnaval,pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma. (Clarice Lispector)

 Boa parte dos artífices do carnaval são gays(carnavalescos e sambistas de todos os setores de uma escola de samba). Jamais houve um enredo, em quase um século de folia, que colocasse os gays como “centro” de uma narrativa. (Vergonha?) Dar centralidade a quem é central no carnaval. Como demonstram as literaturas histórica e antropológica, o carnaval é a festa das inversões sociais. Homens se vestem de mulheres, mulheres de homens, pobres de ricos, ricos de pobres. No carnaval as hierarquias estão suspensas e os desejos aguçados. Muitos só explicitam suas identidades nessa festa. Festa que é associada à profanação. Como se o homem tivesse um período do ano para ser livre.Uma época na qual tudo é permitido, invertido, subvertido.

O enredo da Independentes surge desse “estranhamento”: por que pessoas que amam iguais, os artífices da folia, nunca prestaram homenagem, tendo como centralidade, si mesmos?

O amor entre iguais é um dos vários tipos de amor. E como “amor” é algo sublime. É hipocrisia tratá-lo como pecado, doença ou algo menor. No desfile da Independentes de 2020 as únicas coisas que deixaremos no armário são: preconceito, desamor, intolerância, ódio e desrespeito!

[i] Ver “O complô do silêncio contra Zumbi” e “Era Zumbi homossexual?”, artigos de Luiz Mott.

 

BIBLIOGRAFIA:

FIGARI, Carlos. As outras cariocas. Interpelações, experiências e identidades homoeróticas no Rio de Janeiro; séculos XVII ao XX. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

TREVISAN , Silvério. Devassos no paraíso. A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro:Objetiva, 2018.

LAMPIÃO DA ESQUINA(DOCUMENTÁRIO/2015). Produção canal Brasil. 82 minutos.

GREGORI, Maria Filomena.Prazeres Perigosos. São paulo, Companhia das Letras, 2016.

FRY, Peter. MACRAE, Peter. O que é homossexualidade?. São Paulo.Editora Brasiliense, 1990.

VAINFAS, Ronaldo.Trópico dos Pecados. Moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Sâo Paulo, Campus: 2002.

MOTT, Luiz. Crônicas de um gay assumido.Rio de Janeiro, Record, 2009.

 

INFORMAÇÕES DA ESCOLHA DE SAMBA DA ESCOLA:

– Escola já definiu seu samba.

 

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