Com uma tartaruga como símbolo, Porto Carambeí se prepara para estrear no Carnaval Virtual

Logo oficial da agremiação.

A vinho e branco de São Roque-SP chega na Carnaval Virtual para disputar o novo Grupo de Acesso II com o enredo O Rio queria ser Paris, de autoria de João Benassi.

Confira abaixo a sinopse da escola:

É Século 20, fim da escravidão. Negros libertos aos olhos das ruas, ruas da capital da federação, Rio de Janeiro. Insalubridade é o carro chefe da nação. Febre amarela, malária e tuberculose. Capoeiras, mulatos, mestiços, ex-cativos, imigrantes, vendedores ambulantes, pobres amontoados em cortiços inflam o centro da cidade não tão maravilhosa. Culpam-se os mais vulneráveis e sem voz. Francisco Pereira Passos, caminha rumo à segregação transvestida por ideais reformadores. A Capital da Morte está prestes a receber uma limpeza étnica e racial, comandada pela burguesia suja, golpista e interesseira. Erguem-se as bandeiras da civilização ou
seriam as bandeiras da discriminação?
O aniquilamento se estende desde o porto até depois do Morro do Castelo, na praia de Santa Luzia. As picaretas ditam a sinfonia da época. “Escutei o Hino Jubiloso das Picaretas da Regeneração” – Olavo Bilac. É bota-abaixo, meu irmão! Sem dó nem piedade. Vão pro chão os cortiços, as casas de hospedagem, as casas de cômodos e estalagens, os armazéns e trapiches. O progresso apressa a passada do povo que sobe o morro, no ano raro de 1904, bissexto do
calendário gregoriano. O rico ganha indenização e o pobre um pé na bunda.

Logo oficial completo da agremiação.

“Veio os homis c’oas ferramentaQue o dono mandô derrubáPeguemos tudo as nossas coisas
E fumos pro meio da rua
Apreciar a demolição
Que tristeza que eu sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração…”
Saudosa Maloca – Adoniran Barbosa

Constroem-se somente as fachadas dessa República de aparências. Era pau-brasil por todo lado. Desembarcam em terras cariocas: o branco europeu, o automóvel e a França. É imposto a vestimenta ideal. O Fraque e o Longo entram em cena. Cumprimentam-se: Vive La France! São os símbolos da civilização para a classe retrograda. Agora, o Rio quer ser Paris!

Essa nova Paris que não contava com a presença baiana de Hilário Jovino Ferreira. Morador do Morro da Conceição. Frequentador das rodas de samba da Pedra do Sal, da casa de Tia Ciata e do rancho Dois de Ouro. Ogã1 no Terreiro de João Alabá. Ogã em terras de Oxóssi. Okê Arô – Salve o grande caçador! Caçador da flecha certeira. Oxóssi sincretizado a São Sebastião. Oxóssi que protege o seu povo e sua terra e busca admirar o sorriso no rosto de seu povo que, com meio metro de pano verde e meio metro de pano amarelo, adentra a rua proibida e enfrenta
a alta sociedade e seus desfiles em carros a céu aberto. É o povo descendo pro asfalto!

“Quando Hilário saiu
Lá da Pedra do Sal
Rei de ouros surgiu
É carnaval
Nosso carnaval vai ferver!
Vai fazer o morro descer!
Vai fazer o asfalto tremer!”
Trecho da Discografia do filme Orfeu, por Caetano Veloso e Gabriel, o Pensador.

Hilário é um entusiasta do carnaval carioca. Rei de Ouro, Rosa Branca e Botão de Rosa são os seus maiores tesouros. Gostava de plantar “essas coisas”. Era só dar galho que soltava nas mãos dos outros e partia pra novidade. Porta Bandeira, porta-machado, batedores, folia e alegria. É um marco na história. É a recuperação do Aiyê.

Transformam a Avenida Central em um enorme terreiro! É carnaval meu amor! Bem-vindo à São Sebastião do Rio de Janeiro.

Traduções:
1 Ogã – Cargo atribuído àquele capaz de auxiliar e proteger a casa de culto e aos que prestam serviços relevantes à comunidade religiosa.
2 Aiyê – Terra

Explanação do Enredo:
A Grêmio Recreativo Escola de Samba Porto Carambeí apresenta: “O Rio queria ser Paris”. O enredo se passa no início do século 20, na capital da federação, Rio de Janeiro. Tem como pano de fundo a construção da Avenida Central, com as polêmicas reformas do prefeito Francisco Pereira Passos, além de destacar um personagem muito importante para o carnaval carioca, o Hilário Jovino Ferreira, precursor dos ranchos carnavalescos. O enredo é um recorte da história da cidade e sua narrativa não segue fielmente uma ordem cronológica dos acontecimentos.
No início do Século 20, o Rio de Janeiro era a principal e maior cidade do país. Recebia constantes fluxos migratórios e imigratórios, o que favoreceu um crescimento urbano desordenado. A presença dos cortiços na região central era tremenda. Eram diversas famílias morando no mesmo local. Eram pobres, imigrantes, ex-cativos, mulatos todos amontoados. Isso favorecia a proliferação de doenças, haja vista que a capital não possuía saneamento básico. Diversas epidemias assolaram a região. A Febre amarela, a malária e a tuberculose são alguns dos motivos pela qual a capital recebia a fama de “Capital da Morte”.
Com tudo isso e ainda influenciado pelas reformas na cidade de Paris, capital da França, o então prefeito Francisco Pereira passos decide que era preciso sanear o centro da cidade. A reforma higienista implicava na demolição de todos os cortiços e na expulsam de todas as famílias que viviam ali, porém não era previsto nenhum assistencialismo às pessoas que tinham como único destino subir os morros da periferia, dando início ao processo de favelização. Vale lembra que essas famílias moravam em prédios abandonados pela burguesia e todos os ricos receberam indenização por conta das demolições.
Em 29 de Fevereiro de 1904, ano bissexto, Pereira Passos transforma o centro da cidade do Rio de Janeiro em um tremendo canteiro de obras. As demolições se iniciam do porto e se estendem até depois do Morro do Castelo, que foi arrasado para a passagem da avenida que possuiria 33 metros de largura e aproximadamente 2 quilômetros de extensão, ligava o Rio de mar a mar.
Foi criada uma comissão de fachadas, onde era analisado se o prédio que ali seria construído possuía os requisitos mínimos para ser instalado. Isso implicou somente na construção das fachadas dos prédios. A avenida parecia um estúdio cinematográfica de Hollywood. Diversos prédios públicos tiveram a sua arquitetura copiadas a partir de prédios franceses.
Em 15 de Novembro de 1905, é inaugurada a Avenida Central. O calçamento foi embelezado com desenhos feitos de pedras portuguesas, e no canteiro central foram plantadas diversas mudas de pau-brasil que, com a chegada dos automóveis, morreram todas, pois é uma árvore muito sensível a poluição. Para frequentar o local, era obrigatório a utilização do fraque pelos homens e do longo pelas mulheres. A influência francesa era tão alta que aos se cruzarem, as pessoas se cumprimentavam dizendo: “Vive La France” (Viva a França).

Com a inauguração da Avenida Central, tem-se o início da era do automobilismo e um aumento no fluxo imigratório do branco europeu, considerado pela burguesia, um símbolo da civilização. De fato, o Rio queria ser Paris. 

Com o passar do tempo, a avenida começou a receber os desfiles das grandes sociedades em seus carros a céu aberto. O público se aglomerava para ver tamanho evento que, em um futuro não tão distante, começariam a desaparecer e dar espaço para os ranchos carnavalescos. Os ranchos carnavalescos foram encabeçados pelo grande Hilário Jovino Ferreiro. Nascido na Bahia, se mudou para o Morro da Conceição, no final do século 18. Era um sambista
frequentador das rodas de samba da Pedra do Sal, da casa de Tia Ciata e do Rancho Dois de Ouro, que após desavenças com alguns integrantes, resolver sair e criar o seu próprio rancho carnavalesco, o Rei de Ouro, que foi criado a partir da compra de meio metro de pano amarelo e meio metro de pano verde. Hilário também criou os ranchos Rosa Branca e Botão de Rosa. Ele dizia que gostava de plantar “essas coisas” e quando dava galho ele soltava nas mãos dos outros e partia em busca de outra novidade.
Influenciado diretamente pela Folia de Reis, implantou algumas características da festa em seu rancho, como por exemplo, a porta-bandeira, o porta-machado, os batedores. Um ponto importante é que os ranchos costumavam a sair em janeiro, por conta do dia de reis, entretanto, Hilário começa a desfilar com o seu rancho em fevereiro, juntamente com as datas de carnaval. 

Hilário também tinha seu cunho religioso, era Ogã no Terreiro de João Alabá. Como a religião de Hilário era de matriz africana e a sua função no terreiro era de auxiliar e proteger, a escola então assume que Hilário foi enviado por Oxóssi, como um guerreiro, para proteger o seu povo, pois com a influência dos ranchos foi permitido que diversas classes sociais pudessem adentrar a Avenida Central. Hilário faz com que o povo do morro desça para o asfalto. 

Oxóssi foi escolhido por ser sincretizado a São Sebastião, padroeiro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Oxóssi é o caçador e senhor das matas. Está relacionado a caça, as florestas, aos animais, a fartura, ao sustento. É ligeiro, astuto, sábio e ardiloso. É um caçador da fé e busca admirar as coisas belas. Sendo assim, assumimos que uma das coisas mais belas é o sorriso no rosto do povo que se diverte nos ranchos na Avenida Central.

Bibliografia:
ARANTES, Erika Bastos. A Estiva se Diverte: Organizações Recreativas dos Trabalhadores do Porto Carioca nas Primeiras Décadas do Século XX. 2015. 20 Folhas. Brasil.
Autores Desconhecidos. Esplendor e Brutalidade: A construção da Avenida Central. PUC-Rio, 55 folhas, Brasil.
MIYASAKA, Cristiane Regina. A Reforma Urbana e o Subúrbio Carioca na Histografia. XXIII Simpósio Nacional de História. 2005. 8 Folhas. Londrina.
SILVA, Marcelo Penna da. O Processo de Urbanização Carioca na 1a República do Brasil no Século XX: uma Análise do Processo de Segregação Social. 2018. 10 Folhas. Macapá.
FERREIRA, Luiz Felipe. Rio de Janeiro, 1850-1930: A Cidade e seu Carnaval. Departamento de Geografia/UFRJ. 53 Folhas. Rio de Janeiro.
Carnaval. Biblioteca Nacional Digital Brasil. Disponível em: (http://bndigital.bn.gov.br/carnaval/). Acesso em: (2021).
A História da Avenida Rio Branco. Eduardo Bueno. Disponível em: (https://youtu.be/_UDYnnQSDzk). Acesso em: (2021).
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A História dos Desfiles das Escolas de Samba. MiltiRio. Disponível em: (http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/8651-a-
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1o de março de 1565 – Fundação do Rio de Janeiro. Uol Educação. Disponível em: (https://educacao.uol.com.br/datas-comemorativas/0301—fundacao-do-rio-de-
janeiro.htm#:~:text=A%20cidade%20recebeu%20o%20nome,da%20foz%20de%20um%20rio.). Acesso em: (2021).
Oxóssi. Brasil Escola. Disponível em: (https://brasilescola.uol.com.br/religiao/oxossi.htm). Acesso em: (2021).
Ranchos Carnavalescos. Canal EnCantos. Disponível em: (https://www.youtube.com/watch?v=iHTBsV1YQDU&ab_channel=EnCantos). Acesso em: (2021)

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