O GRES Caprichosos do Boa Vista vem contando para o Grupo de Acesso do Carnaval Virtual 2020 a história das bonecas africanas de pano Abayomis, que eram feitas pelas mães escravas para suas filhas para manter a cultura negra viva, sendo um símbolo de resistência. O enredo é de autoria da vice-presidente e enredista da escolae Marlene Martimiano.
FICHA TÉCNICA:
Presidente: Isac Ferreira
Vice-Presidente e Enredista: Marlene Martimiano
Carnavalesco: Abdalla
Intérprete: Priscilla de Lana
Diretor de Carnaval: Maurício Lanner
Diretor Musical: Diney SP
De sofridas mãos negras: Abayomis. É resistência, é cultura, é símbolo de um povo.
Autora: Marlene Martimiano
SINOPSE:
Breu. Era pouco ar e meu peito sofregamente buscava o alívio, fresco. A cada gemido, eu nascia. Meus pés, torcidos em nós, mal tocavam a madeira úmida e áspera. Minhas pernas, pendidas, enfraquecidas, denotavam a fadiga daquele percurso; daquela despedida; o distanciamento. Porém, elas conectavam ao meu ventre, amarrado em um nó tão forte e farto, que eu levaria gerações para desatá-lo e conectar-me a minha própria existência. Era ele que me ligava a Matamba, meu cordão uterino.
Mãos, braços, tronco…todos se interligavam até conectar-se ao nó maior: meu “ori”, minha razão. Minha face não tem adorno. Meu adorno é minha fé, meu “feminino”. Os mares que naveguei são aqueles que vós percorreis ao ir de encontro a tuas conquistas, a teu papel de filha e de mãe. Minha face é de cientista e de executiva, de professora e de engenheira, de bailarina e de sambista. Minha face está em tú, oh, preta face, que reage e resiste aos mares revoltos, brasilianos e patriarcais. Sou tu, Abayomi, e a ti sigo em um caprichoso e “precioso encontro”, rumo ao a teu mais profundo feminino.
JUSTIFICATIVA:
Durante os séculos XVI, XVII e parte do XVIII o tráfico de africanos permaneceu em ebulição. Oeste, Centro-Oeste e Sudeste da África sustentaram o perverso fluxo do comércio de pessoas, destinadas ao trabalho compulsório, durante um determinado período e considerando um triângulo mercantil atlântico entre traficantes portugueses, brasileiros e africanos.
Alencastro (2000) já atestou que o Brasil “vive e se sustenta” do tráfico com Angola, “podendo-se com muita razão dizer que o Brasil tem o corpo na América e a alma na África” e que “de 1550 a 1930 […] o contingente principal da mão de obra nasce e cresce fora do território colonial e nacional”, sendo constituído um macabro cordão umbilical transatlântico onde famílias e, mais especificamente, esposas e maridos, pais e filhas ou filhos acabaram por ser desestruturados.
Navios “negreiros” ou tenebrosamente nomeados “tumbeiros” tinham seu contingente considerado como carga, (haja visto que os pretos eram uma mercadoria, um meio de troca entre traficantes e proprietários) porém para os pretos e pretas foi delineada outra perspectiva: a de resistência e de permanência. Mães saídas de Luanda e da Costa da Mina (Daomé) encontraram, em retalhos, uma reconstrução, um (re)nascimento e a perpetuação de si mesmas. Para acalmar, distrair e, acima de tudo, acalentar suas crias durante a viagem, elas retiravam retalhos de suas saias e criavam pequenas bonecas, trançadas ou em nós. Mas não era um simples brinquedo: ali estava um poderoso amuleto, feito de esperança e fé.
“Abayomi” reflete um “encontro precioso” (traduzido do dialeto iorubá) entre a alma e o corpo, a ancestralidade e a permanência, a identidade e a tradição africanas. “Abayomi” está nos turbantes e nas estampas coloridas, está nas ondas e cachos dos cabelos, está na liberdades dos fios soltos até apontar o céu, nos ritmos e batidas dos tambores, no requebrar dos quadris e traçados dos pés. Está nos cantos lamuriosos e também nos estridentes. Por não ter face, “abayomi” está em todas as meninas, em todas as moças, faceiras ou recatadas, em todas as mulheres, que navegaram, mas também naquelas que atravessam vielas e viadutos, empresas e salas de aula, praias e quintais, avenidas e salões. “Abayomi” carrega a ancestralidade preta levada e desfilada por cada porta-bandeira, cada rainha, cada componente de ala e comissão de frente, cada destaque, cada baiana ou velha guarda, matriarcas guardiãs da tradição de cada sambista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Artigos
Livro
INFORMAÇÕES SOBRE A DISPUTA DE SAMBA:
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