Folia virtual. Nove agremiações completaram a disputa pelo tão sonhado título de campeã da folia virtual. O espetáculo foi aberto com o desfile simbólico da Filhos do Tigre que, fora da disputa, honrou o público virtual com visual brilhante e consistente, mesmo em sua pequena extensão. A Escola retratou Maria como sinal de virtude, pureza e devoção no enredo Filha de Sião. Analisamos abaixo as demais escolas da noite, que vieram firmes na competição.
Jovelina Pérola Negra reinou no enredo da Imperiais do Samba. O desfile foi dedicado à força da pele preta em sua presença e fé, resgatando a ancestralidade do povo africano. A voz da senzala é representada na Comissão de Frente pela travessia dos africanos. Em uma visão poética do poema Navio Negreiro trabalhou-se o imagético em uma estética de força e poder através das pérolas negras que cruzavam o oceano. As alas em tons de verdes trouxeram o sincretismo do culto à Jurema e o respeito das ervas em rituais de cura. A proteção dos Orixás veio em Alas de cores quentes que fizeram um maravilhoso contraponto visual. Um desfile bonito que mostrou através de mitos e raízes africanas a deusa da Serrinha nomeada Jovelina em uma belíssima homenagem.
A Sociedade Águia Real apresentou o enredo Sabejé – cortejo para o rei da terra, em um desfile que buscou na sabedoria ancestral a conexão com a energia de Obaluayê. A Águia tricolor da Baixada Fluminense veio com tudo na passarela virtual. Contra a intolerância religiosa, a Escola afirmou a resistência com conhecimento e sabedoria. Os diversos Orixás reforçaram as lendas e os mitos na história dos cultos religiosos de matrizes africanas. A pipoca como elemento principal do cortejo, se transformou em flores no simbolismo da limpeza e purificação do corpo. Todo o desfile mostrou uma representatividade ritualística que descreve, além do contexto histórico, um conjunto visual de elementos de forte presença estética em cores e formas.
A galinha ciscou na passarela virtual com a Estrela Guia no enredo “Yaô D’Angola”. Um desfile conceitual lindamente representado, que conta a criação da Terra de forma mística. Os tons acinzentados trouxeram uma luz prata à primeira parte do desfile em formas sinuosas que lembram uma “Art Noveau futurista”. Fantasias em tons terrosos mostraram os seres humanos em infinitas formas não completadas, remetendo a um conceito artístico que buscou o Surrealismo em sua visualidade. Em um desfile alegre e bem defendido na avenida e fundamentado em ricas narrativas, abordou a vida, a magia e a espiritualidade das heranças culturais religiosas. A galinha D’Angola fechou o desfile com maestria, valendo ver e rever todo o espetáculo.
A história da dança desde os povos primitivos até nossos dias como Patrimônio Cultural, principalmente brasileiro, veio encantar nossos olhos no desfile da Astro Rei. A avenida se abriu em diversas danças trazidas pelo Rei Sol e seguiu desfiando danças históricas, ritualísticas e culturais. A escola trouxe a dança como forma de cultuar os deuses, as danças milenares em representações de uma beleza suave. As danças da corte em fantasias bem trabalhadas também encantaram o espectador. Nesta jornada dançante, não faltaram balés, como o Quebra Nozes e o Lago dos Cisnes, e musicais. As Alas com danças populares representadas pelo mundo verteram a cultura de cada país, seguidas pelo hibridismo de nossas raízes portuguesas, africanas e indígenas. Finalizou com diversas danças que representam a cultura integrativa que o Brasil resgata em um belo trabalho visual.
O GRESV Recanto do Beija-flor trouxe para a avenida virtual Histórias do arco… do Teles, de todos, de sempre. A qualidade estética da escola foi significativa na apresentação dos temas históricos envolvendo o arco do Teles de Menezes. O artista Debret foi recordado no desfile. Trouxeram também a comercialização, os seus trabalhadores do setor portuário, os registros de imóveis e toda a visibilidade da época. Caminhando muito bem pelos aspectos históricos, abordaram a herança africana e o povo cigano. Cabe destaque para o tripé em que lunetas representavam as visões de memória do arco. O samba cantado pela escola, também, é foco de destaque, pois é contagiante.
A partir das obras de Fernando Pinto e Oswaldo Jardim no carnaval carioca, a Arautos do Cerrado trouxe para a avenida virtual os povos originários, os verdadeiros donos do território brasileiro. Apresentou, brilhantemente, a exploração do branco, o extrativismo das riquezas brasileiras, o abuso dos corpos daqueles que aqui já habitavam. Trouxe para a avenida virtual as riquezas da flora e fauna brasileira. A leveza das fantasias e a harmonia das cores para contar a história dos povos indígenas são os grandes destaques da escola. Os aspectos da exploração das terras dos povos originários foram bem representados na avenida virtual.
A Império do Rio Belo apresentou na avenida virtual, uma viagem visual pelas fantasias e alegorias, pelos pontos cantados dos caboclos brasileiros, em Terra de cabocla – vem dançar mais eu. A agremiação transformou o desfile em uma grande gira de caboclos. Nas alas, diversas falanges surgiram pelos setores entre o verde das matas e o vermelho do sangue caboclo. A escolha cromática do desfile foi usada com as demais falanges e vibrações, como os caboclos do sertão, dos mares, celestiais, os encantados e os caboclos culturais – uma brilhante escolha! Os totens apresentados atrapalharam algumas leituras ao longo do desfile. Mesmo assim, o conjunto do Império do Rio Belo conseguiu, com maestria, transmitir a linda mensagem dos nossos caboclos.
Os batuques rufaram e as cantorias anunciaram a chegada do Império da Praça XI com o enredo Batuques e cantorias para cantar a velha Serrinha. Um grande quilombo atravessou a avenida virtual, representando as batalhas diárias, o sobe e desce do morro para trabalhar e levar o sustento para seu povo. Destaque para a fantasia da Ala 9 – Batalha de todos os dias, com um ótimo efeito estético, proporcionou movimentos harmônicos e de impacto. Outro ponto alto do desfile foi o tripé Áurea que viu a lágrima, provocando uma reflexão das ambiguidades da Lei Áurea.
Fechando a noite, desfilou a Imperatriz Itaocarense. O enredo “homenageou” de forma romantizada, o Duque de Santo Tirso: um aventureiro, que na criação imaginada do mito fundador, organizou a invasão do Sertão de Macacu, segundo o enredo. Usando diversas referências e iconografias colonizadoras, entre eles os bandeirantes, a agremiação passou pela avenida mostrando como o bando de Mão de Luva lavrava o ouro clandestinamente. O destaque, pela força contraditória do enredo, foi o tripé Quintos dos infernos, que representou o descontentamento dos mineradores, diante da ganância dos impostos cobrados pela coroa portuguesa.
O Carnaval Virtual acabou e já deixou de saudade! Foi uma temporada sensacional, com grandes desfiles! Parabéns a todas as agremiações que se apresentaram nos três grupos da competição. Que vençam as melhores!
Texto elaborado coletivamente pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos de Carnavais e Festas – NEsCaFe (@necf.ufrj):
Carlos Carvalho – Doutor em Artes Visuais (EBA/UFRJ). Professor no curso de Licenciatura em Artes Visuais/UFAM.
Du Carmo Vido – Doutoranda em Artes Visuais (EBA/UFRJ). Professora de Artes do Município do Rio de Janeiro.
Leo Jesus – Doutor em Artes Visuais (EBA/UFRJ). Mestre em Historia del Drama (UAH). Cenógrafo e Figurinista.
Wádson Pereira Rocha – Doutorando em Artes Visuais (EBA/UFRJ). Mestre em Artes (UFU). Artista visual.
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