Caprichosos do Boa Vista vem contando a história das Abayomis em seu enredo para o Carnaval Virtual 2020

O GRES Caprichosos do Boa Vista vem contando para o Grupo de Acesso do Carnaval Virtual 2020 a história das bonecas africanas de pano Abayomis, que eram feitas pelas mães escravas para suas filhas para manter a cultura negra viva, sendo um símbolo de resistência. O enredo é de autoria da vice-presidente e enredista da escolae Marlene Martimiano.

 

FICHA TÉCNICA:

Presidente: Isac Ferreira
Vice-Presidente e Enredista: Marlene Martimiano
Carnavalesco: Abdalla
Intérprete: Priscilla de Lana
Diretor de Carnaval: Maurício Lanner
Diretor Musical: Diney SP

 

 

De sofridas mãos negras: Abayomis. É resistência, é cultura, é símbolo de um povo.

Autora: Marlene Martimiano

 

SINOPSE:

Livre. Corria pela terra seca, com a luz e o calor do sol tomando meu corpo. A poeira fina aderia a ele, mas não me importava, pois caía quando pernas e braços se movimentavam ao som do ngoma. A kizomba contagiava toda a vila e nossos sorrisos brilhavam junto ao sol. Vermelhos, azuis, amarelos e verdes eram apenas tons que denotavam nossa satisfação e comunhão. O semba se misturava aos sons das folhagens, águas fluviais, pássaros e ventos. Inesperadamente, vimos surgir tecidos enegrecidos colados a corpos brancos. Monstruosamente vieram também aços afiados presos a suas cinturas, a suas mãos.

Breu. Era pouco ar e meu peito sofregamente buscava o alívio, fresco. A cada gemido, eu nascia. Meus pés, torcidos em nós, mal tocavam a madeira úmida e áspera. Minhas pernas, pendidas, enfraquecidas, denotavam a fadiga daquele percurso; daquela despedida; o distanciamento. Porém, elas conectavam ao meu ventre, amarrado em um nó tão forte e farto, que eu levaria gerações para desatá-lo e conectar-me a minha própria existência. Era ele que me ligava a Matamba, meu cordão uterino.

Mãos, braços, tronco…todos se interligavam até conectar-se ao nó maior: meu “ori”, minha razão. Minha face não tem adorno. Meu adorno é minha fé, meu “feminino”. Os mares que naveguei são aqueles que vós percorreis ao ir de encontro a tuas conquistas, a teu papel de filha e de mãe. Minha face é de cientista e de executiva, de professora e de engenheira, de bailarina e de sambista. Minha face está em tú, oh, preta face, que reage e resiste aos mares revoltos, brasilianos e patriarcais. Sou tu, Abayomi, e a ti sigo em um caprichoso e “precioso encontro”, rumo ao a teu mais profundo feminino.

 

JUSTIFICATIVA:

Durante os séculos XVI, XVII e parte do XVIII o tráfico de africanos permaneceu em ebulição. Oeste, Centro-Oeste e Sudeste da África sustentaram o perverso fluxo do comércio de pessoas, destinadas ao trabalho compulsório, durante um determinado período e considerando um triângulo mercantil atlântico entre traficantes portugueses, brasileiros e africanos.

Alencastro (2000) já atestou que o Brasil “vive e se sustenta” do tráfico com Angola, “podendo-se com muita razão dizer que o Brasil tem o corpo na América e a alma na África” e que “de 1550 a 1930 […] o contingente principal da mão de obra nasce e cresce fora do território colonial e nacional”, sendo constituído um macabro cordão umbilical transatlântico onde famílias e, mais especificamente, esposas e maridos, pais e filhas ou filhos acabaram por ser desestruturados.

Navios “negreiros” ou tenebrosamente nomeados “tumbeiros” tinham seu contingente considerado como carga, (haja visto que os pretos eram uma mercadoria, um meio de troca entre traficantes e proprietários) porém para os pretos e pretas foi delineada outra perspectiva: a de resistência e de permanência. Mães saídas de Luanda e da Costa da Mina (Daomé) encontraram, em retalhos, uma reconstrução, um (re)nascimento e a perpetuação de si mesmas. Para acalmar, distrair e, acima de tudo, acalentar suas crias durante a viagem, elas retiravam retalhos de suas saias e criavam pequenas bonecas, trançadas ou em nós. Mas não era um simples brinquedo: ali estava um poderoso amuleto, feito de esperança e fé.

“Abayomi” reflete um “encontro precioso” (traduzido do dialeto iorubá) entre a alma e o corpo, a ancestralidade e a permanência, a identidade e a tradição africanas. “Abayomi” está nos turbantes e nas estampas coloridas, está nas ondas e cachos dos cabelos, está na liberdades dos fios soltos até apontar o céu, nos ritmos e batidas dos tambores, no requebrar dos quadris e traçados dos pés. Está nos cantos lamuriosos e também nos estridentes. Por não ter face, “abayomi” está em todas as meninas, em todas as moças, faceiras ou recatadas, em todas as mulheres, que navegaram, mas também naquelas que atravessam vielas e viadutos, empresas e salas de aula, praias e quintais, avenidas e salões. “Abayomi” carrega a ancestralidade preta levada e desfilada por cada porta-bandeira, cada rainha, cada componente de ala e comissão de frente, cada destaque, cada baiana ou velha guarda, matriarcas guardiãs da tradição de cada sambista.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Artigos

  • AMARAL, A. “As origens dos negros do Brasil”. Revista Nova Escola. 01/03/2015.  Disponível em  https://novaescola.org.br/conteudo/1319/as-origens-dos-negros-do-brasil. Acesso em 17/03/2020.
  • CHEVALIER, H. “Bonecas Abayomi: por que a origem romantizada dura mais?” Conexão Lusófona. Disponível em https://www.conexaolusofona.org/bonecas-abayomi-por-que-a-origem-romantizada-dura-mais/ Acesso em 15/03/2020.
  • VIEIRA, K. “Bonecas Abayomi: símbolo de resistência, tradição e poder feminino”. Afreaka. Disponível em  http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-poder-feminino/ Acesso em 14/03/2020.

 

Livro

  • ALENCASTRO, L.F. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico-Sul – Séculos XVI e XVII. Companhia das Letras: São Paulo, 2000.

 

INFORMAÇÕES SOBRE A DISPUTA DE SAMBA:

  1. Os sambas podem ser feitos em parceira (sem limite de compositores) ou solo.
  2. Não é necessário que as gravações sejam feitas com acompanhamento de instrumentos musicais, porém, recomendamos que os compositores deem atenção especial, além da letra, também a melodia de seus sambas-enredo. Quanto mais definida ela ficar, mais fácil avaliar o samba de vocês.
  3. Entregar letra e áudio (de preferência MP3, e com duas passadas do samba), para [email protected]. Não é necessário que se entregue o áudio e a letra juntos, mas recomendamos não deixarem para entregar em cima do prazo, já que terão menos tempo para serem avaliados e caso aconteça algum contratempo, não conseguirão finalizar o envio do material a tempo de participar da disputa.
  4. Prazo de entrega: 16/05/19 (sábado) até 23:59hs.
  5. A diretoria da GRES Caprichosos do Boa Vista se reserva ao direito de fazer pequenas mudanças na letra e/ou melodia do samba campeão, visando uma melhor adequação ao enredo proposto pela escola, se assim julgar necessário.
  6. Não faremos nenhum tipo de exigência quanto ao samba. Queremos que os compositores se sintam à vontade para criar suas obras como bem entenderem, claro, seguindo o enredo proposto.

Boa sorte a todos.

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