Bambas de Ouro homenageará Rachel de Queiroz em 2021

Logo oficial da agremiação.

A azul de rosa de São Gonçalo, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, a Bambas de Ouro apresentará, no Grupo de Acesso 2, o enredo De Verdades ditas (benditas!), a pioneira. Rachel, a mulher que só sabia escrever de autoria de Maurício Vianna. A escola manteve seu carnavalesco Maurício Lanner e espera alcançar a volta ao Grupo de Acesso 1.

Confira abaixo a sinopse da escola:

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A Arte Como Reflexo da Vida.

E como dizia o poeta, “a vida imita a arte”. Mas por que não afirmar de igual forma, que por muitas das vezes a arte nada mais é do que reflexo da própria vida, que marca posição a todo tempo e em todos os cantos. Assim, mostrou aquela que nada sabia fazer, se não escrever. De palavras fáceis e verdades ditas, ainda que duras fossem, Rachel foi pioneira em sua arte e exemplo em seu tempo, o qual se estende até os dias atuais.
Sua vida e obra é inspiração para muitos, que ao memorar, voltando ao passado próximo, vê em linhas e parágrafos que a romancista escreveu, a pura realidade do povo sertanejo que enfrentou a mais dura batalha contra a seca e a fome. Ao mesmo tempo, a própria demostrava com clareza a nova função da mulher na sociedade, com um papel mais autônomo e livre da obrigação do casamento.
Assim, marcada pelo regionalismo literário, narrou em sua primeira grande obra o pesado fardo carregado por um povo que fugia da fome e da seca, buscando na grande cidade a esperança de um porvir digno, mas que no caminho o que lhes aguardava era ainda mais seca e fome.
“E se não fosse uma raiz de mucunã arrancada aqui e além, ou alguma batata-branca que a seca ensina a comer, teriam ficado todos pelo caminho, nessas estradas de barro ruivo, semeado de pedras, por onde eles trotavam trôpegos se arrastando e gemendo”.
De certo, que com o passar dos anos, sua narrativa aprimorou-se e sua critica social evidenciou-se ainda mais. Criou em sua arte literária a personagem de Maria Moura, que ainda moça viu a brutalidade presente na vida. Foi violentada, perseguida e ameaçada. Sozinha, precisou ser forte e autônoma. Destemida e valente, sua primeira ação era ser a resistência, algo que para os estigmas sociais da época era repulsivo. Livre de preconceitos, o que se via em sua personagem era a mulher de novos tempos. Liberta das amarras que a sociedade lhe impunha, mostrou-se dona de suas próprias verdades e caminhos.

Caminhos.

Eis, que ao retratar as verdades vividas por milhares de pessoas, Rachel com simplicidade demonstrava maturidade literária típica de seus ascendentes. Da clássica família dos Alencar, tinha em sua genealogia o também escritor José de Alencar.
Ainda pequena, quando já passada a grande seca, passava as férias em um casarão da família situado em Guaramiranga, de onde recorda as lindas flores, e rosas que enfeitavam o jardim, misturando-se ao clima alegre e descontraído que imperava na cidade. Em suas palavras, “Guaramiranga era assim uma espécie de paraíso para quem morava em Fortaleza, era como nos romances de Otávio de Faria, passados em Petrópolis: o brilho social, festas, piqueniques, novenas, carnaval, tudo muito animado.”
Anos se passam e Rachel vai ao Rio de Janeiro. Tendo retornado ao Ceará, em 1925, ainda moça, com seus 15 anos, inicia seu caminho literário. Formou-se professora e logo estreou nas páginas do jornal O Ceará, iniciava-se ali uma vida dedicada a literatura e a arte. Bem humorada e com uma linguagem já modernista, em seu primeiro escrito para o jornal, a simpática jovem, satirizava com picardia o concurso Rainha dos Estudantes, que viera conquistar cinco anos mais tarde.
Amiga das palavras e amante da literatura, aos vinte anos de idade publicava sua primeira e mais famosa obra, O Quinze. O título curto remetia ao ano da seca em que vivera junto de milhares de sertanejos e que a marcaria por toda sua vida.
“O que tinha lido de literatura sobre seca não era satisfatório para mim e quis dar uma espécie de testemunho. E, com essa petulância da juventude, eu me meti a escrever o romance.”
Inquieta, frequentava não só o meio literário, mas também o político. De ideias fartas e esquerdistas, formou, junto aos poucos que restavam do Bloco Operário Camponês, o primeiro núcleo do Partido Comunista Brasileiro em Fortaleza. Militou ao lado de grandes nomes como Plínio Mello e Mario Pedrosa. Por se opor ao Estado Novo, foi perseguida, presa e teve seus livros queimados por serem considerados subversivos.
Eis, que aos poucos a chama comunista vai se dissipando. Agora com um olhar mais conservador é convidada por Jânio Quadros para assumir o Ministério da Educação. O convite presidencial rejeita, e em 1964 apoia o governo militar liderado por Castelo Branco, sendo membro integrante do Conselho Federal de Cultura e do Diretório Nacional do partido Arena.
Contra as políticas de João Goulart e certa de que o governo militar tinha por objetivo inicial a realização de eleições presidenciais civis, frustrou-se após a deposição de seu parente e amigo, bem como com a instauração de um governo autoritário e violento, fazendo com que se declarasse naquele momento anarquista.
“Na verdade nem sou comunista e nem sou reacionária, sou propriamente anarquista, sou só uma doce anarquista. É a minha posição a muitos anos.”
Tendo vivido tudo que a vida lhe reservara, vê em sua propriedade de Quixadá um paraíso natural. Assim, transforma parte de sua fazenda, a “Não Me Deixes”, cercada por sebes, construídas com galhos de árvores, onde em seu interior havia uma casa por ela mesma projetada, de cor branca e janelas e portas azuis, em Reserva Particular do Patrimônio Nacional.

A mulher que só sabia escrever.

E a mulher que só sabia escrever, escreveu. Foram centenas de páginas, milhares de frases e muita conscientização humana. Entre romances, crônicas e livros infantis, Rachel encontrava tempo para escrever peças de teatro e traduzir livros.
Dedicou toda uma vida a comunicar e a fazer refletir. Exaltou o lado independente da mulher e retratou a experiência de vida, demonstrando a triste história dos retirantes. Foi além, buscou entender o lado humano do homem, que em constante conflito interno se vê fadado a agir instintivamente e impulsivamente com a ira e fúria animal.
Dora Doralina, As Três Marias, O Galo de Ouro e A Beata Maria do Egito. Tantos títulos, tantas histórias, como a própria dizia, nunca fora “uma moça bem comportada. Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. Não estou aqui pra que gostem de mim. Estou aqui para aprender a gostar de cada detalhe que tenho.”
Em vida, foi reconhecida por sua maestria nas palavras e sua simplicidade ao se comunicar com o leitor. Inovou ao regionalizar a literatura e propagou sua arte ao mundo. Entre prêmios e honrarias, recebeu o Prêmio da Fundação Graça Aranha, pelo livro “O Quinze”. Pelo “O Menino Mágico”, de literatura infantil, foi agraciada com o Prêmio Jabuti.
Tamanho talento lhe rendeu ainda as maiores honrarias possíveis a uma escritora. Foi escolhida em 1977, desbancando o jurista Pontes de Miranda, para ingressar na Academia Brasileira de Letras, sendo a primeira mulher a conseguir tal feito. Ao receber a maior honraria dada a escritores da língua portuguesa, o Prêmio Camões, Rachel foi novamente a primeira das mulheres galardoada.
Em 2003, em sua casa no Rio de Janeiro, fechou seus olhos pela última vez. A mulher que afrontou a escrita e construiu um novo estilo literário deixava sua marca na história e sua obra para a eternidade.

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