Altaneiros do Samba cantará a arte da renda em 2021

Logo oficial da agremiação.

A amarelo, azul, laranja e branco de Imperatriz, cidade do sudoeste maranhense, apresentará no Grupo de Acesso 1 em 2021 o enredo Olê muié rendeira. Olê muié rendá! Tu me ensina a fazê renda, que eu te ensino a sambá de autoria de Thales Porto, carnavalesco da escola, e pesquisa de João Marcos Pereira. A tradicional escola presidida por Cecel Fonseca busca ganhar seu primeiro título, tendo sido vice-campeã do Grupo Especial quatro vezes somado a mais um vice no Grupo de Acesso, e com isso chegar ao Grupo Especial do Carnaval Virtual no ano que vem.

Confira abaixo o prólogo e a sinopse da agremiação:

Logo oficial completo da agremiação.

PRÓLOGO À BRASILEIRA
Toda história dessa terra é cercada por lendas que ninguém consegue identificar como verdade ou não. E esta não poderia começar de outra forma…

Reza uma lenda que, a muitos e muitos anos atrás, havia em nosso Nordeste uma índia apaixonada. A filha do Cacique tornou-se o grande amor de um singelo pescador da mesma região. A índia, para agradar seu grande amor, teceu com cordas uma rede como presente. E assim o pescador voltou às águas abençoadas para pescar com seu presente. E como uma grande retribuição da natureza por acariciar estas águas com algo feito de amor verdadeiro, o mar lhe ofertou uma linda alga petrificada como forma de gratidão. Esta alga petrificada foi ofertada a índia amada, se tornando símbolo deste amor. 

Pouco tempo depois das ofertas e juras e amor, o pescador foi obrigado a partir para a guerra, deixando sua amada saudosa e entristecida. Vendo o tempo passar e não vendo um retorno do seu pescador amado, a índia apaixonada teceu uma nova rede inspirada em seu amor. Esta rede possuía o formato da alga petrificada, e terminava em pequenos pontos de chumbo. Esta rede foi chamada posteriormente de “a piombiini” ou de chumbos. Este trançado foi considerado por aquele povo a primeira renda brasileira que se tem notícia. Quanto ao pescador amado, nunca mais se ouviu falar nele, mas não deixou de ter sua história eternizada, como uma verdadeira alga petrificada. 

SINOPSE 

CAPÍTULO I

Foi para lá de 1400 que resolveram rendar. Os primeiros registros da produção destas rendas contavam que era um grande feito produzido por mulheres que habitavam conventos, realizando um exercício virtuoso. Mas o foco destas abençoadas não era de se enfeitar, viviam uma vida de oração, com o foco na adoração. Estas rendas eram feitas com muito zelo e carinho para ornamentar altares e vestimentas sacras ofertando seus dons ao Criador. Estas que ali estavam por proteção ou por não terem mais ninguém, ou talvez por não se entregarem ao matrimonio, tinham por exercício viver seus dias com linhas e agulhas nas mãos.

Mas foi no século XVI que a renda se tornou ornamento presente nas vestimentas dos nobres. A renda conhecida como Renascença foi desta forma batizada pelo período em que foi popularizada. Permaneceu o mesmo trabalho artesanal, mas jamais perdeu seu resultado fenomenal. Pelo reinado de Catarina de Médici foi incorporado na corte francesa, mais esta peça de requinte na corte símbolo de luxo e riqueza em toda Europa. 

A partir daquele momento, a moda se espalhou por toda Europa. Não havia um rei e uma rainha na qual não desejava usar tais fios trançados em belas obras de arte. Cada canto tomou para si esta arte de vestir, desenvolvendo suas formas e criações características de seus reinados. A renda de Alençon apresentava florais com sombreamentos, todos trançados em linha e arte. A renda Argentina já originária da Normandia, qual tem por resultado um caseado justo com aparência de mais denso e pesado. Até mesmo importação de artesãos se tornou necessária para tecer na história as marcas de suas rendas.

E assim estava findada a renda a ser um dos adornos mais importantes nas vestimentas da sociedade, não tendo esta moda prazo para acabar. Maria Antonieta e Luiz XVI fizeram questão por sua vez, serem retratados com suas rendas. Cores passaram a dar ainda mais vida às rendas produzidas, mas foi na cor negra que a renda de Bilro de Chantilly foi posta na história. Renda esta que se originou em Flandres, na região da Bélgica, tornando o local em uma importante indústria. Esta renda se espalhou por várias outras regiões, enriquecendo ainda mais a moda, virando febre europeia.  

CAPÍTULO II

Em cantos úmidos e escuros dos navios, ali estavam guardadas as poucas almofadas que as novas colonas esconderiam. Ao embarcarem nas embarcações que partiriam para terras brasileiras, os portugueses tinham por obrigação carregar poucas bagagens contendo apenas pertences essenciais e algumas peças de roupas, mas o principal não ocuparia espaço naquele lugar, o conhecimento, cultura e tradição. E desta forma o bilro Português desembarca em terras brasileiras. 

Os colonos recém-chegados buscavam viver de pesca e agricultura de subsistência. Cultivavam o necessário para os seus, enquanto não conseguiam uma vida mais digna. Enquanto os homens portugueses passavam a maior parte dos seus dias em alto mar em busca de peixes ou arando a terra, as mulheres tinham por obrigação cuidar da casa, dos filhos, e buscar novos afazeres. Desta forma o bilro voltou ao cotidiano destes imigrantes, se tornando um dos exercícios mais realizados no Brasil Colonial.

Mesmo com todo o conhecimento, cultura e finesse europeu, estas mulheres se depararam com a dificuldade da escassez para conseguir rendar. Mesmo em uma comunidade puramente Portuguesa, o Brasil não possuía “civilidade” do seu país de origem, tornando qualquer tipo de arte a ser produzida inviável. A partir desta escassez, a renda de bilro passou a se adaptar, se abrasileirar.

Os fios finos que um dia foram usados para rendar abriu caminho para fios de algodão cru. As almofadas que outrora eram de algodão macio deram lugar a almofadas de chita com seus estofados em palha de bananeira. No lugar de alfinetes, espinhos de cactos, e os famosos bilros, galhos secos. Estas mudanças, para aquelas de origem europeia, foram bruscas. Mas a partir desta necessidade, a renda passou a obter novos formatos e características únicas, diferenciadas de todo o mundo, puramente brasileiras. 

Ao longo dos anos as adaptações se tornaram uma nova forma de rendar, e o bilro se tornou hereditário. Seus fios uniam famílias ao redor das almofadas. Novas rendeiras foram se formando, e tomando ruas e vielas do nordeste brasileiro, assim como suas canções que eram entoadas aos sons dos bilros. Até mesmo na poeira do cangaço seus fios eram trançados. E nesta poeira, uma das mais famosas rendeiras do Nordeste nascia, batizada como Maria Jocosa Vieira Lopes. Esta, que veio a ser avó do conhecido rei do cangaço, Lampião, carregou seu ofício por toda a vida.

Tia Jocosa, que rendava em sua sala, entoava diversas canções para passar o tempo. E desta forma nasceu uma das mais antigas canções das rendeiras do Nordeste, que cantava os famosos versos “olê muié rendeira, olê muié renda. Tu me ensina a fazê renda, que eu te ensino a namorar”, versos estes que veio a ser cantada pelo bando de Lampião em uma das maiores invasões da história do Cangaço, a Mossoró em 1927. Se tornou canção escrita por Padre Frederico Bezerra Maciel e foi gravada posteriormente por vários artistas brasileiros, sendo reconhecida como de domínio público.

“Olê muié rendera
Olê muié rendá
Tu me ensina a fazê renda
Que eu te ensino a namorá
Lampião desceu a serra
Deu um baile em Cajazeira
Botou as moças donzelas
Pra cantá muié rendera
As moças de Vila Bela
Não têm mais ocupação
Se que fica na janela
Namorando Lampião”

CAPÍTULO III 

A renda de bilro brasileira, que se diferencia de todo o resto do mundo, se tornou única. Sofreu transformações necessárias ao decorrer de sua história, ganhou novos formatos, cores, característica. E assim como o próprio povo deste lugar, se tornou fruto desta miscigenação. Uma das provas é a mistura da renda de bilro com o trançado desenvolvido pelos índios nativos. Outra forma de tecer que, unido a renda, possibilitou a produção de redes, colchas, dentre outras rendas de maior resistência. Estas rendas podem demorar semanas ou até meses para serem concluídas, e cada peça realizada é única, sendo de impossível reprodução.

E ainda hoje é possível ouvir, nos becos e vielas históricas do Nordeste, o ecoar dos bilros, que combinados se tornam canções. Já são característicos, principalmente do Ceará, a união de rendeiras em átrios para juntas, rendarem e entoarem estas canções. Estes movimentos característicos e a tradição deste lugar, que foi eternizado em poesia por Rachel de Queiroz. Já suas rendas são eternizadas nas malas daqueles que por ali passam, nas saias rodadas das baianas, no barro de mestre Vitalino, e por qualquer um que se apaixona por uma verdadeira obra de arte. 

Mas esta arte se espalhou também pelo Brasil. No litoral do Rio de Janeiro ainda se encontra esta arte, mas foi no Sul deste país que a renda também fez morada. Em Florianópolis estas damas foram então reconhecidas. Fincaram seus alfinetes como bandeiras hasteadas em forma de vitória. Um dia em sua homenagem receberam para eternizar seus ofícios. Outras características, novas mudanças, o bilro mais uma vez se adaptou. Fez do Brasil sua morada, mas o mundo inteiro ele alcançou.

EPÍLOGO

Ela, mais uma vez ela teve habilidade de transformar uma lembrança em oficio, uma tradição em arte. A força e a garra da mulher, que batalha para alcançar aqueles objetivos quais todos dizem não serem possíveis de serem alcançados. Por toda nossa história as mulheres lutam para terem lugar de igualdade, mesmo sendo muito mais poderosas. E as rendeiras de bilro não são diferentes. Guerreiras que bordam suas vidas trançando suas dificuldades diárias, transformando em arte.

O ofício de rendeira proporciona uma viagem ao imaginário feminino de guerreiras que tecem o dia a dia com finos fios. A força que emana da tradição de tramar as linhas é real. E o fio que conecta essas mulheres, entre gerações de uma mesma família, é que parece torná-las o que são: mulheres que lutam bravamente e que, ao mesmo tempo, desempenham um ofício minucioso e delicado. Com paciência e maestria seguem fazendo a renda da mesma forma que outras muitas gerações de mulheres de sua família já faziam, mas revisitam e atualizam as formas e os pontos que fazem hoje, produzindo sua arte, ao mesmo tempo, com um pé no presente e outro no passado.

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