Artigo: A reaproximação Brasil-Estados Unidos e a viagem presidencial de Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: Isac Nóbrega/PR

Jair Bolsonaro e Donald Trump. Foto: Isac Nóbrega/PR

Na primeira viagem presidencial de seu breve governo, Jair Bolsonaro foi aos Estados Unidos. Apesar do clima cordial, Donald Trump recebeu o colega brasileiro com mau humor e poucas palavras.

As razões são de ordem doméstica. Em meio à disputa comercial com os chineses, o mandatário da Casa Branca não extraiu novidades no último encontro com o líder norte-coreano Kim Jong-un. A promessa do Muro na fronteira com o México continua de pé – e causando problemas. Trump fez um ultimato ao Congresso para aprovar a construção do Muro e colheu uma rebelião parlamentar. Os representantes acabam de aprovar requerimento para ter acesso a toda a documentação da investigação em curso sobre a ingerência russa nas eleições de 2016, que está sob responsabilidade do procurador Robert Mueller. O conteúdo dos documentos de Mueller podem dar origem a um processo de impeachment, na véspera do início da corrida presidencial de 2020.

O ataque terrorista que vitimou 50 muçulmanos em mesquitas na Nova Zelândia piorou ainda mais a imagem pública de Trump. O presidente foi citado pelo terrorista responsável pela matança em manifesto divulgado após o ataque – e sua reação foi considerada inadequada pela opinião pública.

A avalanche de más notícias dificulta a reeleição de Trump. Na imprensa, a cobertura da visita presidencial de Bolsonaro ocupou pouco espaço. A maioria enfocou as pré-candidaturas de oposição (Partido Democrata) e críticas ao presidente dentro de seu partido (Republicano).

Nos bastidores, o Brasil ofereceu algo valioso a Trump, nesse momento difícil. Ao contrário de outros países aliados dos EUA – que veem nele um presidente incapaz de liderar o Ocidente e de promover a democracia – Bolsonaro e seus ministros trouxeram uma mensagem de confiança. O chanceler Ernesto Araújo tem sido o porta-voz desse entusiasmo com Trump, em seu discurso de posse e em discurso recente, na formatura da última turma de diplomatas do Instituto Rio Branco.

Além de reconhecer Trump como líder do Ocidente, o Brasil trouxe um vasto arranjo de parcerias com os Estados Unidos. Essas iniciativas começaram antes mesmo da posse de Bolsonaro – foram feitas por Michel Temer. Recentemente, o Brasil solicitou entrada na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao mesmo tempo em que enfraquecia os mecanismos de integração regional na América do Sul (UNASUL e MERCOSUL). A utilização da base de foguetes de Alcântara pelos Estados Unidos foi acertada na visita do então Secretário de Defesa James Matthis ao Rio de Janeiro em 2018. Na mesma época, a Boeing adquiriu o controle sobre parte das atividades da Embraer – com a aprovação do então candidato presidencial Bolsonaro. Após sua posse, o Brasil facilitou a entrada de visitantes dos EUA e outros três países e fez ofertas adicionais: sondou Trump sobre a possibilidade de aderir à aliança militar atlântica (OTAN) e sugeriu a criação de uma base militar norte-americana em território brasileiro (o que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial).

Até o momento, Trump não acenou com nenhuma concessão inesperada ao Brasil. As disputas na Organização Mundial do Comércio prosseguem (Trump foi responsável pela abertura de 28 disputas nos últimos 12 meses). Tanto Brasil quanto Estados Unidos têm a China como um grande parceiro comercial e investidor e aguardam as próximas ações em Beijing. Na Venezuela, os governos apoiam o presidente da Assembleia Nacional Juan Guaidó na disputa com o Presidente Nicolás Maduro, mas não articularam ações conjuntas em termos de segurança e ajuda humanitário. Outros aliados dos Estados Unidos sofreram grandes pressões antes de obterem acordos por parte de Trump – foi esse o caso do acordo comercial com o Canadá e o México, que sucedeu o NAFTA. Apesar de twittar em favor de Bolsonaro, Trump não compareceu à posse, enviado o Secretário de Estado Mike Pompeo. Essa decisão motivou o governo brasileiro a visitar oficialmente Washington quanto antes possível.

A relação com os Estados Unidos é uma das variáveis mais importantes da política externa brasileira e um tema de relações internacionais que desperta grande interesse e polêmica no plano doméstico. A aproximação explícita com Washington foi buscada pela última vez em 1990, no governo de Fernando Collor – chegou a oferecer auxílio militar a George Bush na Guerra do Golfo. Após o impeachment de Collor, a diplomacia brasileira (com o reforço da atuação dos presidentes) buscou criar opções ao poderio de Washingon nos planos regional e global. A integração regional foi uma dessas opções, ao lado do grupo de países emergentes BRICS e a aproximação com a Europa.

Desde os tempos do Barão do Rio Branco os Estados Unidos são considerados como um país especial pela diplomacia brasileira – não é surpresa que Bolsonaro tenha obtido apoio no corpo diplomático.
A situação é menos favorável em outros setores do governo. Os militares abominam a ideia de uma base militar estrangeira em terras brasileiras. O empresariado teme os efeitos desfavoráveis de uma área de livre comércio com a maior economia do planeta. Temer fez cessar a recessão em dois anos, mas o crescimento de seu governo foi pífio. Trump obteve índices bastante superiores nessa área. A promessa de fazer os Estados Unidos “grandes novamente” ameaça pretensões dos aliados. Em 2018 União Europeia e Japão se uniram em contrapeso à agressiva política comercial de Washington e criaram a maior área de livre comércio do mundo (quase 700 milhões de pessoas). Durante a visita presidencial de Bolsonaro, não foram assinados acordos significados no plano econômico.

Nesse sentido, o Brasil segue um curso solitário de alinhamento aos Estados Unidos, na esperança de obter uma grande retribuição. Busca o status de aliado preferencial, o que pode servir como um trunfo em outras negociações. Os resultados da visita não serão, pelo visto, imediatos.

*Carlos Frederico Pereira da Silva Gama é Professor Visitante na Al Akhawayn University in Ifrane (Marrocos) e Professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do Tocantins.

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