Artigo: O preconceito contra mulheres começa muito cedo

Você já reparou que as meninas desde muito pequenas são colocadas de lado nas atividades em que a inteligência com números e a força física são exigidas?

É comum designarmos brinquedos e brincadeiras diferentes para a menina e para o menino. Quem você chama para ajudar na cozinha, no serviço da casa ou para aprender alguma “prenda doméstica”? Na maioria dos casos chamamos a nossa filha.  E para entrar num jogo de estratégica? É mais provável que os pais, tios e avós, munidos de todas as boas intenções, chamem somente o menino.
Pois é, a gente nem se dá conta disso porque são aprendizados adquiridos no processo cultural, passados de geração para geração ao longo do tempo, que são perpetuados e revelados em comportamentos automáticos na fase adulta. Eles aparecem na criação dos nossos filhos, nas escolhas profissionais e até na forma de liderar equipes de trabalho.

Observe como isso acontece nas organizações. É frequente que as mulheres não sejam consideradas competentes o suficiente para atividades cujo requisito é uma alta habilidade intelectual. Isso causa um efeito limitador para as mulheres, porque, percebendo isso, elas acabam afastando o interesse de escolher atividades com esse requisito. É comum elas se sentirem ameaçadas e temerem retaliações se ousarem atravessar essa barreira cultural e ingressarem nos ambientes onde a capacidade e o brilho são valorizados. Isso gera um impacto enorme na sua autoconfiança, afastando-as da ambição de galgarem posições na alta liderança das organizações.

 

Expectativas estereotipadas de gênero na infância influenciam habilidades de homens e mulheres

 

Isso não é só observação leiga, não. Os estudiosos da psicologia identificaram preconceitos contra mulheres e meninas em contextos em que o brilho é valorizado e isso repercute num provável obstáculo ao seu sucesso.

As expectativas estereotipadas de gênero (aquelas adquiridas na infância) influenciam a maneira como as habilidades de homens e mulheres são avaliados, impactando no presente e no percurso de crescimento das suas carreiras. Elas influenciam, também, a maneira como homens e mulheres se definem, se percebem, prestam atenção, interpretam e acessam informações sobre si próprios. Os homens, por exemplo, superam as mulheres na autoconfiança. A mulher, por outro lado, nunca acha que é competente e boa o suficiente. Nosso sentimento é de sempre estarmos em débito na contabilidade entre nossas forças e fragilidades.

Os estereótipos ocupacionais definem as profissões em que cada um dos sexos deve se envolver. Na prática, é esperado que as mulheres busquem mais oportunidades nas profissões relacionadas ao cuidado e os homens em profissões relacionadas à força e ao poder. E quando eles se afastam disso, são questionados e punidos (socialmente) de alguma maneira.

A dura vida nas empresas

No ambiente empresarial a ação dos estereótipos está presente de diversas maneiras e em vários lugares. O mais evidente é no processo de seleção. Você  já se perguntou por que um curriculum vai para a pilha do sim e outro na do não? A importante headhunter Tolstoi-Miller afirma que um recrutador leva cerca de 6 segundos para tomar essa decisão e nem sempre é por razões objetivas e baseada nas competências. Às vezes é pelo nome da pessoa ou pela foto. Outras, pelo modo de se vestir ou falar. Esses aspectos acionam informações das profundezas da memória de modo inconsciente, e trazem à tona lembranças que geram identificação, afinidade, confirmação. Isso leva a tomada de decisões baseada nos estereótipos do selecionador, onde aquilo que é subjetivo toma o lugar do que representa uma realidade mais ampla e objetiva.

Nos processos de promoção, também, os estereótipos estão presentes. Estudos mostram que os homens são preferidos quando o cargo requer alta capacidade cognitiva, por exemplo. Quando se pensa em líder, logo vem à mente Homem! E, por outro lado, as mulheres são mais aceitas quando o cargo requer um nível de cuidado maior com pessoas. Tanto é que a área em que há mais mulheres na função de liderança é a de recursos humanos.

Porém, a verdade é outra! As pesquisas dos neurocientistas já demonstraram que do ponto de vista do desempenho cognitivo, habilidade matemática, de personalidade e comportamentos sociais e autoestima, como os requisitados para a liderança, revelam mais semelhanças do que diferenças entre homens e mulheres.

O mais problemático e que merece muita atenção é que grande parte das decisões são tendenciosas, estereotipados e até preconceituosas. Isso faz com que as decisões nem sempre sejam as melhores. Mas isso não é feito por mal, como dizemos na linguagem popular.  Inconscientemente, agimos assim com o instinto de proteção. O nosso cérebro busca os padrões conhecidos, entendendo que desse modo irá nos proteger e nos afastar do perigo do desconhecido.

 

Como reduzir estereótipos

 

Aponto abaixo cinco formas para eliminar ou reduzir os estereótipos de gênero nos ambientes profissionais:
1. Reconhecer que estereótipos existem, e identificar as situações em que eles aparecem.
2. Identificar e compreender a motivação de tais estereótipos.
3. Acolher as evidências apresentadas, sem exigir ônus da prova de quem está em desvantagem.
4. Educar e orientar os colaboradores e lideranças sobre como os estereótipos se revelam no dia a dia e como evitá-los.
5. Apoiar as equipes na conciliação das expectativas estereotipadas de papéis masculinos e femininos em relação às demandas de trabalho.

Referências bibliográficas:
BIAN, Lin; LESLIE, Sarah-Jane; CIMPIAN, Andrei. Evidence of bias against girls and women in contexts that emphasize intellectual ability. American Psychologist, [S.L.], v. 73, n. 9, p. 1139-1153, dez. 2018. American Psychological Association (APA).
ELLEMERS, Naomi. Gender Stereotypes. Annual Review Of Psychology, [S.L.], v. 69, n. 1, p. 275-298, 4 jan. 2018. Annual Reviews. http://dx.doi.org/10.1146/annurev-psych-122216-011719.

*Rosangela Angonese é autora do livro “O fim da liderança tóxica nas organizações”, Mestre em Administração, com Pós-graduação em Marketing. Possui formação em: Dinâmica de grupos, Análise Transacional Organizacional, Coaching Executivo, e Educação Empreendedora, pela Fundação Dom Cabral. Atualmente é coordenadora do Polo de Liderança, do SEBRAE/PR.

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