Artigo: O jornalismo de imersão chega ao Brasil

Jornais impressos. Foto: Reprodução

Jornais impressos. Foto: Reprodução

O jornalista Ricardo Calil escreveu sua tese de mestrado sobre o fim dos jornais impressos e o desenvolvimento de um modelo chamado de jornalismo de imersão. O SRzd traz para os leitores o estudo dividido em cinco partes, que serão publicadas esta semana. Você pode ver aqui os dois que já estão disponíveis. Segue abaixo o terceiro:

O Jornalismo de Imersão chega ao Brasil

No Brasil, a experiência com o Jornalismo de Imersão é bem recente e ainda divide opiniões. Há cerca de um ano a Revista Veja, seguindo o exemplo do New York Times, distribuiu óculos de realidade virtual (RV) para 10 mil assinantes selecionados. Ele foi enviado junto com uma edição especial da revista que foi depois colocada a venda nas bancas.

Edição especial da Revista Veja que foi distribuída para 10 mil assinantes selecionados
Edição especial da Revista Veja que foi distribuída para 10 mil assinantes selecionados

Para a diretora de marketing do Grupo Abril, que edita VEJA, Andrea Abelleira, a novidade é uma forma de enriquecer a experiência dos leitores. “Realidade virtual é a última palavra em tecnologia de entretenimento e informação, e VEJA e Itaú trazem esse recurso de forma pioneira no Brasil em uma revista impressa”, diz Abelleira. Entre o material oferecido haverá vídeos especiais em 3D.

Em agosto de 2016, uma parceria entre a Globosat, Sport TV e Samsung, o canal de esporte ofereceu cerca de cem horas de programação em realidade virtual dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Todos os dias, vídeos eram disponibilizados para quem possuía os óculos Gear Samsung.

Dois dos principais jornais brasileiros já começam a programar ações usando a tecnologia. A Folha de S. Paulo disse que está fazendo experiências (TV Folha 360), mas os custos dos equipamentos e a distribuição dos óculos rift em grande escala são obstáculos. O Estados de S. Paulo informou que está planejando as primeiras matérias, a partir de parceria com uma empresa que detém a tecnologia, mas sem previsão de início. O programa Fantástico, da TV Globo, lançou recentemente a série FANT360 dedicada a filmagens com essa nova tecnologia. Experiências em realidade virtual se multiplicam em várias áreas. Equipamentos acessíveis já estão disponíveis no mercado. Câmeras 360 graus estão sendo vendidas entre 400 Reais e 1.800 Reais; os óculos variam entre 50 e 5 mil Reais e não são poucos os usuários que aproveitam os recursos da realidade virtual para jogos ou para se sentirem como se estivessem dentro da quadra assistindo uma partida de basquete ou futebol.

Para a Consultora em Comunicação Digital e Professora Gabriela Mafort, “os jornais impressos estão apostando em formas novas de atrair as gerações de jovens que já nasceram com a computação pessoal e a Internet às suas páginas. Desta forma, formatos audiovisuais mais interativos, dinâmicos e que tenham como base entretenimento e gamificação, como a realidade virtual, ganham mercado. A conta final sobre os investimentos necessários cabe a cada veículo avaliar, mas o fato é que não é mais possível não incluir as novas tecnologias nos formatos de notícias, sob o risco de não conseguir se comunicar com as novas gerações”.

O portal de notícias G1 vem fazendo experiências com vídeos em 360 graus há mais de um ano, mas ainda não há qualquer previsão de mudanças no formato do site para adaptar-se a esta nova tecnologia . O Portal vem oferecendo vídeos em 360 graus, que podem ser visto no site só com a ajuda do mouse . De acordo com a diretora do portal, a jornalista Márcia Menezes, o jornalismo de imersão vai ser uma das opções para o futuro do jornalismo. Segundo ela, o formato ideal para contar as histórias e mostrar a realidade usando esta nova tecnologia ainda não foi encontrado. “Tento fugir ao máximo da banalização de só usar a ferramenta da tecnologia por usar, ela tem que trazer uma informação a mais para o consumidor, para ajudar a contar a história e não pra dificultar o entendimento da história. Eu acho que durante muitos anos contamos a narrativa de forma linear, seja em video ou em texto. Quando a gente foi pra web e para o infográfico, nós começamos a misturar as ferramentas, contar parte da história em texto, parte em vídeo, parte em arte e a gente ainda engatinha nesta mistura de elementos. Aí fomos para o 3D e depois para o 360 graus, e que muitas vezes quando você pega a reação do público ainda se perde, se confunde, pois fica todo mundo meio tonto girando aquilo ali de forma excessiva. Então para atrapalhar o entendimento da informação acho que não vale a pena e quando acharmos o formato que vai ajudar na compreensão e na mensagem e não tumultuar”. A diretora do G1 disse ainda que existe a questão da evolução dos equipamentos e da infraestrutura para o consumo, já que este tipo de informação é muito pesada para se fazer chegar até as pessoas. Márcia Menezes afirma que “Vamos ter que aprender e nos adaptar ao jornalismo de imersão, pois tudo que eu já vi e o que temos feito é uma tentativa de fazer com que as pessoas vivam ou sintam aquilo muito perto. Então, talvez, você tenha que parar só de contar, mas contar e dizer: agora experimente esta sensação como se você estivesse lá. Pode ser que a gente esteja errando ainda porque estamos tentando usar o jornalismo de imersão com a forma narrativa e talvez e gente tenha que aprender a usar o tipo experimente isto e como seria se você estivesse lá, e talvez não seja utilizável pra todo e qualquer tipo de história e talvez funcione melhor para uma do que para outra. Para você ter uma ideia o tempo máximo que a pessoa fica assistindo um vídeo 360 graus é de 7 minutos, é muito raro uma pessoa ficar muito tempo vendo esta transmissão, e isso é um aprendizado para nós. Ela exige uma interatividade, é muita informação alí para a pessoa consumir”. Durante o festival de rock, “Rock In Rio”, o G1 disponibilizou vários vídeos em 360 graus, mas também colocou a disposição dos usuários o sinal convencional para quem quisesse assistir ao show de rock.

O diretor de cinema Tadeu Jungle, gravou em 360º e lançou nos cinemas o documentário Rio de Lama, filme de 9 minutos sobre a tragédia ambiental em Mariana, em Minas Gerais. A decisão de filmar em realidade virtual foi tomada para dar mais força e criar impacto sobre o drama de uma cidade inteira coberta com lama tóxica.

Já o Editor da Revista Bio, o jornalista Romildo Guerranti não vê o jornalismo de imersão como futuro da notícia. Ele não acredita que este tipo de jornalismo possa servir a todas as pautas, mas só a determinados temas/assuntos em que as grandes amplidões permitam aproveitamento máximo da sensação de mergulho no entorno.Para Romildo, na realidade virtual, no entanto, esse mergulho deve tornar-se cansativo depois de algum tempo de exposição. “Daí minha opinião de que venha a ser uma forma complementar de tratar os fatos, de exibir as imagens, mas não a única. Isto me lembra o início do cinema em 3D, na década de 60. Assumiu como novidade, gerou filas nas portas dos cinemas, mas existia – como ainda existe – o incômodo dos óculos exigidos para passar a sensação de entrar no cenário. Percebo que eles estão experimentando, cautelosamente, e talvez admitindo que nem tudo possa ser exibido dessa forma. E calculando na ponta do lápis se vale o investimento em relação à provável audiência – e à sua fidelização”.

Para o ex-conselheiro da ABI, ex-secretário do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro e empresário André Mota Lima, acha que o jornalismo de imersão é mais uma ferramenta a ser utilizada pelo jornalismo digital. “ É arriscado falar que o jornalismo de imersão será o futuro da notícia, como falar também no fim dos jornais impressos, isso por causa dos hábitos da população. Para ele, a imagem em 360 graus deve ser usada só em matérias espetaculares, que você tenha como sair do conceito original do jornalismo que é de angulação. “Sabesse que na teoria e na prática quanto mais fechada a lente mais você adensa a emoção. Por exemplo, para mostrar uma pessoa emocionada basta você da um close no rosto mostrando que ela está com os olhos marejados e as lágrimas escorrendo. Entretanto se você tiver de longe, ou envolvido com outras situações naquele ambiente você não vai ver ou sentir esta emoção. A câmera 360 graus não dá close! Você tem que trabalhar com a lente normal e aonde o conteúdo é que vai ser privilegiado. E isso se choca um pouco com a noção do 360 graus”. Para ele, se o repórter sai da redação para cobrir um fato imprevisível, não da pra supor que ele vá fazer jornalismo de imersão. E a maioria das pautas são imprevisíveis, salvo protestos e conflitos de rua, onde a câmera vai ficar no meio da confusão e o que vale é o ambiente hostil. André disse ainda que “a câmera normal te dá angulação e a câmera 360 te dá ambiência. Então, eu entendo isso como um recurso a mais para determinadas matérias e essas pautas são previsíveis, pois ninguém vai pra rua com um equipamento desse esperando fazer o imprevisível e não como o jornalismo do futuro”. André acha também que a realidade virtual está muito mais como uma ferramenta para o entretenimento do que para a notícia. André Mota Lima, hoje, é dono de uma produto ra de vídeo, e como empresário ele afirma que o investimento para o jornalismo de imersão é muito alto e só é justificável se houver retorno.” Os empresários do setor do entretenimento sabem que a realidade virtual é uma ferramenta nova, mas que vai dar um plus a mais na industria, então ele decide gastar, porque o retorno é garantido, mas no jornalismo a realidade virtual é ainda uma experiência Isto pode ser um um plus a mais, um chamariz para as pessoas assinarem o site dele, mas mesmo assim será uma coisa eventual. Acho que é um investimento alto, mas eu acho que a estratégia dessas grandes empresas é para chamar atenção com produto novo para que se continue a consumir o velho”.

Como as pessoas estão vendo o jornalismo de imersão

Cerca de 40 milhões de pessoas em todo mundo tem hoje aceso aos óculos rift e a realidade virtual. Os dados são de uma pesquisa feita pela GVRA Associação Global de Realidade Virtual. De acordo com a pesquisa os usuários estão numa faixa etária entre os 14 e 30 anos de idade, um público jovem e que entende bem a nova ferramenta. Rodrigo M. Terra, diretor de formatos, conteúdo imersivo e experiências, estratégias para histórias multiplataforma afirma que no Brasil, o crescimento do vídeo 360 graus é o principal vetor de estímulo às pessoas descobrirem o meio imersivo. “Empresas como Samsung estão investindo pesado para que a adesão de seus Gear VR se faça na compra de um novo celular topo de linha. Com tecnologias novas de processamento gráfico, como o Vulkan, as especificações mínimas de um modelo celular vão reduzir e por consequência, mais celulares de mais faixas de preços poderão rodas vídeos e experiências de melhor qualidade”.

Yuri Cavalcante tem 21 anos e é usuário de RV e de jornalismo de imersão. Para ele a experiência é fantástica porque a sensação é de estar presente no local aonde o fato está acontecendo. “ Eu já assisti várias reportagens em realidade virtual e era como se estivesse participando de tudo. Elas te tocam muito, te emocionam muito mais do que a simples leitura de um fato ou a visão de uma matéria na TV. Você ouve, você vê tudo a sua volta, é uma emoção diferente em cada matéria.

A estudante Helena Bastos também gosta da nova tecnologia integrada ao jornalismo, mas para ela a melhor aplicação da RV é no esporte. “Assistir a um jogo de futebol como se você estivesse participando da partida é sem sombra de dúvidas uma experiência fantástica, ou correr uma prova de 100 metros rasos junto com o velocista Usain Bolt é demais!!”. Ela acredita que o jornalismo de imersão é uma maneira das pessoas vivenciarem na própria pele o drama que as pessoas estão passando. Ela citou o vídeo feito pelo cineasta Tadeu Jungle sobre a tragédia ecológica em Mariana., Minas Gerais. Ela se disse chocada com a experiência que viveu no documentário de imersão. “Você só tem uma noção exata do que aquela gente viveu, se você estiver ali presente”.

A diretora do G1, a jornalista Márcia Menezes contou um pouco da experiência de usar câmeras 360 graus em matérias para o portal e como o pública sentiu esta iniciativa. Segundo ela, aqui no Brasil ainda existem muitos obstáculos para se fazer uma transmissão deste tipo, e que não acredita que o jornalismo de imersão possa ser usado a curto prazo. Para Márcia, “o uso de câmeras 360 graus vai ser uma ótima opção no futuro, mas não a curto prazo. Nós fizemos alguns testes com esta tecnologia no Vidigal, nós queríamos mostrar como as pessoas vivem naquela comunidade, e que você ao girar a cabeça podia ver que a fiação estava muito perto da lojinha, que a rua era muito estreita. Este é o conceito, você sabe a mensagem que você quer passar. Não é uma historia linear que vc quer contar algo num VT de um minuto e meio de duração. Eu acho que é um caminho muito interessante para levar as pessoas a terem uma experiência assim. Mas, ela exige um esforço de interatividade e as pessoas não conseguem assistir por muito tempo matérias em 360 graus. Você se cansa de virar a cabeça de um lado pro outro ou estar movendo o mouse toda hora. É só mesmo pra quem quer este conteúdo”. De acordo com a diretora do G1, a tecnologia agradou ao público porque experimentou um ângulo diferente daquele que ele estava acostumado a ver, mas segundo Márcia, não pode fazer tudo em 360 graus e nem por muito tempo.

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