Artigo: A ética profissional e o jornalismo de imersão

Jornais impressos. Foto: Reprodução

Jornais impressos. Foto: Reprodução

O jornalista Ricardo Calil escreveu sua tese de mestrado sobre o fim dos jornais impressos e o desenvolvimento de um modelo chamado de jornalismo de imersão. O SRzd traz para os leitores o estudo dividido em cinco partes, que serão publicadas esta semana. Você pode ver aqui os três que já estão disponíveis. Segue abaixo o quarto:

A ética profissional e o jornalismo de imersão

A maioria das empresas de jornalismo tem normas rígidas sobre a ética, principalmente no que diz respeito a captação e exibição de imagens e fotos. Na Inglaterra, nos Estados Unidos, e na Europa de um modo geral, os grande jornais não colocam fotos que possa chocar seus leitores. A rede britânica BBC não permite sequer que sejam mostrados cadáveres, mesmo de longe. Os fotógrafos e cinegrafistas sabem das regras e evitam através da angulação mostrar imagens muito chocantes através da angulação.

A televisão pública France 2 se viu obrigada a pedir desculpa por ter exibido imagens chocantes na sua cobertura do atentado terrorista em Nice. A emissora foi muito criticadas pelos telespectadores, na Internet e pelos próprios jornalistas. Diante dessas reacções, o grupo France Télévisions, de que faz parte da France 2, divulgou um comunicado em que pediu desculpas aos telespectadores, e que reconhece que “as imagens eram brutais, e que não foram checadas antes de ir pro ar. A difusão deste tipo de imagens não corresponde ao conceito de informação dos jornalistas e da empresa. O grupo France Télévisions apresenta por isso as suas desculpas.”

Mas o jornalismo de imersão não há controle de angulação e tudo que está no ambiente onde a matéria está sendo gravada vai ser mostrado. O que fazer? O portal de notícias G1 encontrou uma solução para o problema: colocar uma claquete informando ao seu assinante que a imagem que ele vai assistir tem um conteúdo forte, mas segundo Márcia Menezes mesmo com o aviso de “imagens fortes”, o portal recebe muitas reclamações dos usuários, porque muito poucas pessoas leem os avisos que são colocados. “Eu acho que temos que ter este cuidado redobrado no jornalismo de imersão, porque ele não te permite angular a câmera ou cortar a imagem na edição. Na minha opinião, disse ela, a gente tem que dar a opção das pessoas escolherem ver ou não a imagem forte ou a imagem chocante, seja por curiosidade ou para ensinar uma triste realidade, mas você não pode impor isto para todo mundo. A imagem em 360 graus vai aumentar muito esta experiência, mas este cuidado você já deve ter hoje, então só temos que ter mais atenção no conteúdo do que você vai exibir. Este cuidado já temos hoje no nosso dia-a-dia, são comuns para nós e que no 360 graus você vai ter que redobrar, é mais um ponto da ética que o jornalista vai ter que prestar atenção no futuro, como também acontece com outros pontos éticos, como a questão da privacidade, você não pode se apropriar de conteúdos que estão nas redes sociais e usar simplemente este material. Não é porque está lá que você pode utilizá-lo sem autorização. As novas tecnologias aumentam muito esses riscos”.

Para o jornalista Romildo Guerranti, a opção é do editor da matéria. “A seleção tem de ser feita nas salas de edição. Penso que ocorra o mesmo que hoje com a fotografia de guerra: o fotógrafo é orientado a registrar tudo. A mídia seleciona o que publicar/divulgar em função do seu público e da hora da veiculação.”.

A consultora Gabriela Mafort tem a opinião de que “cada nova tecnologia traz novos dilemas e propõe a revisão da ética, em todas as profissões. No Jornalismo não foi diferente. Veja o caso dos Hackers e da plataforma Wikileaks. Alguns portais de notícias têm feito parcerias com hackers para divulgação de informações que foram extraídas da Internet, muitas vezes sem amparo legal. É uma nova realidade a ser considerada na profissão, bem como foram as câmeras escondidas décadas atrás. Com a câmera 360, a mesma coisa. Sinalizar que há imagens fortes na gravação, criar uma espécie de “alerta”. Escolher temas que serão cobertos com esta narrativa. Os comitês de ética devem se reunir para estabelecer as novas diretrizes diante dos desafios impostos. O público também demarca o que quer ou não ver, hoje em dia imediata, via Redes Sociais. Então esta nova ética pode ser feita inclusive de forma colaborativa, com a participação do público”.

A Gerente de Desenvolvimento de Jornalista da TV Globo, Vera Iris, acha que a ética no jornalismo está acabando. “Acho que a gente está, em consequência da competição pela audiência, pela competição desenfreada pelo consumidor, aquele mesmo que a gente abandonou sem saber se ele está entendendo a informação que estamos passando pra ele, as empresas abandonaram alguns fundamentos, de alguns parâmetros básicos da ética jornalística. Para você ter uma ideia, faltou muito pouco para se entrevistar o Rogério 157. E se tivessem chegado nele, com certeza iam por no ar. E porque iam exibir a entrevista ? Para conseguir conquistar mais audiência, mais espectador. É a isto que eu me refiro, as empresas de comunicação em geral perderam o limite da ética jornalista. E com essas novas tecnologias, precisamos retomar esta discussão urgente e achar o ponto de valor lá atrás, porque paramos muito lá atrás”. Para Vera Iris, as universidades teriam um papel também importante nesta situação, pois elas poderiam ajudar nesta discussão, de forma acadêmica, teórica, universal, para que esses novos profissionais que vão trabalhar com essas mídias viessem com esses valores mais presentes do que estão hoje. “…Se vamos ter profissionais que vão trabalhar com tecnologia cada vez mais avançada, que tem uma abrangência absurda, que não tem mais perspectiva, eles vão ter que sair das universidades embasados, na teoria, na criatividade, na essência do jornalismo e na ética.”

O professor Pedro Curi tem uma grande preocupação com esta tecnologia por causa da ética profissional. Pedro lembrou das imagens que recebeu via agência de notícias sobre o tsunami na Ásia, em 2004/2005, e só tinham imagens de mortos boiando. Ele tinha a função de fazer um copião para ser usado nos telejornais, mas que não mostrasse cadáveres. “Foi duro, mas conseguimos fazer um filtro e tirar as imagens chocantes”. O professor acha que num futuro bem próximo esta preocupação será deixada de lado, por causa da ânsia de se conseguir mais audiência vai se mostrar tudo. “Cada vez mais o jornalismo tem preservado menos as vítima, e devassado mais as vidas das pessoas. Eu tenho medo se as pessoas vão pensar nisso no futuro. O deslumbramento com uma nova tecnologia acaba fazendo com que as pessoas não percebam certos limites que temos e devemos respeitar”. O professor Pedro Curi tem a opinião de que esta discussão volte a ser levantada e que sejam estabelecidos limites para o jornalismo dentro da ética profissional.

Que avaliação podemos fazer sobre o Jornalismo de Imersão

O que pudemos depreender sobre o Jornalismo de Imersão? Será mesmo o futuro do Jornalismo? Fizemos abaixo um quadro com a comparação entre os pontos positivos e negativos e cada um dos leitores pode fazer a sua própria análise da importância desta nova ferramenta.

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