Artigo: Como funciona a realidade virtual no jornalismo de imersão

Jornais impressos. Foto: Reprodução

Jornais impressos. Foto: Reprodução

O jornalista Ricardo Calil escreveu sua tese de mestrado sobre o fim dos jornais impressos e o desenvolvimento de um modelo chamado de jornalismo de imersão. O SRzd traz para os leitores o estudo dividido em cinco partes, que serão publicadas esta semana. Você pode ver aqui o primeiro capítulo. Segue abaixo o segundo:

Como funciona a realidade virtual no jornalismo de imersão

A realidade virtual (RV) não é uma tecnologia muito nova, ela existe desde 1962 com o Sensorama, de Morton Heilig. A RV replica um ambiente real ou imaginário, possibilitando que o usuário se sinta como se estivesse lá realizando interações com esse mundo. Para produzir conteúdo em RV, utilizam-se câmeras que podem gravar em 360 graus (vídeo estereoscópico), usando depois uma nova geração de óculos (headsets ou cardboards). Os dispositivos de realidade virtual estão estruturados em três componentes principais: um PC — um console ou um smartphone para executar o software; um equipamento de visualização que fica preso na frente dos olhos; e algum tipo de dispositivo de controle (imagem). Esses componentes atuam em conjunto com o objetivo de gerar na frente dos olhos do usuário um ambiente similar ao do mundo real. Há diferentes formas para a captação e criação de conteúdo: pode-se fazer uma animação em 3D ou gravar vídeos e criar um ambiente 3D com fotos e vídeo incorporados.

Como a RV funciona para o olho humano. Fonte: Spie Digital library
Como a RV funciona para o olho humano. Fonte: Spie Digital library

No âmbito do jornalismo, o nível de imersão alcança o patamar em que a reportagem jornalística é consumida com a participação direta do usuário. Esta participação pode ocorrer de várias maneiras, tanto na produção quanto no consumo. Porém, a essência da imersão neste ponto em específico e salientado por Dominguez (2010, p. 4), se apresenta na interface construída que leva o usuário a adentrar o espaço

e agir sobre ele, no que ela denomina de “interatuação”. Ao que foi demonstrado, os níveis de imersão estão diretamente relacionados com a interatuação do indivíduo no relato. O jornalismo imersivo pode ser apreendido sob duas concepções: a primeira do ponto de vista produtivo, em que o jornalista produz a notícia de forma imersiva, ou seja, em um nível aprofundado de investigação e reflexão sobre os objetos do mundo; e a segunda do ponto de vista técnico, em que o produto de sua reportagem se materializa em formatos imersivos, ou seja, em que o espectador (público) possa imergir na obra e ter uma experiência sensorial diferente a de outros formatos audiovisuais tradicionais.

Jornalismo de Imersão, uma experiência ao redor do mundo

Com a necessidade de buscar uma saída para a crise e sobreviver neste tempo de informação atualizada a cada minuto, os responsáveis pelos grandes jornais e revistas decidiram investir no jornalismo de imersão como um diferencial para os seus assinantes digitais. Entre os novos formatos desenvolvidos está o jornalismo de imersão. Um jornalismo cujo objetivo é permitir que as pessoas tenham um experiência diferente daquela que ele tinha ao ler um jornal impresso ou uma revista, que eles possam sentir na pele a experiência de viver a mesma situação que estão visualizando. Para aprimorar este novo formato as empresas de comunicação estão investindo milhões de dólares para produzir e exibir nas suas edições online matérias em realidade virtual, principalmente pela facilidade de acessá-las através do celular e usando um óculos criado em 2014 pela Google – o Google Cardboard – que transporta o assinante até o ambiente onde o fato foi gravado. De olho neste mercado, a Samsung criou também em 2014, a sua versão para o dispositivo, o Gear VR, que combinado ao seu smartphone Galaxy permite acessar praticamente todas as produções atuais. Com a facilidade no acesso as produções, o The Wall Street Journal, NYT Magazine, The Washington Post, BBC, ABC, CNN e The New York Times são os pioneiros em narrativas jornalísticas sobre debates políticos, infografias sobre bolsa de valores, tragédias ambientais e o drama dos refugiados sírios em realidade virtual.

Em novembro de 2015 aconteceu a maior ação jornalística envolvendo realidade virtual até então. O jornal americano The New York Times e o Google distribuiram para seus leitores mais de um milhão de cardboards da Google descartáveis para seus assinantes no lançamento da reportagem “The Displaced”, no aplicativo para realidade virtual NYT VR. Em dezembro, outros 300 mil óculos foram enviados para os assinantes digitais.

Óculos de RV distribuídos para 1 milhão e 400 mil assinantes do New York Times
Óculos de RV distribuídos para 1 milhão e 400 mil assinantes do New York Times

O primeiro vídeo escolhido pelo NYT VR para seus assinates conta a história de três crianças refugiadas da Ucrânia, Sudão e Síria, que emigraram fugindo dos conflitos armados em seus países. Em seguida, foi a vez da luta pela cidade de Falujah, no Iraque A versão para desktop está disponível no youtube:

O editor sênior do New York Times, Sam Dolnick, afirmou que existem alguns obstáculos para que esta nova a nova tecnologia chegue até os leitores e por isso, disse ele, ” Foi muito mais fácil fazer a distribuiçao de um milhão de óculos para os nossos assinantes do jornal impresso, simplesmente porque já estávamos na casa deles nos domingos à tarde”, Segundo ele, “ -os assinantes digitais selecionados receberão um fone de ouvido enviado para o endereço que o New York Times tem em seu arquivo. Este primeiro lote de nossos assinantes mais os mais antigos e leais, e então veremos se há muita expectativa e oportunidades no caminho”, Sam Dolnick disse ainda que o New York Times está conversando com as empresas que estão por trás de outros grandes plataformas. “Nós ainda não temos uma data em que vamos lançar o produto em outras plataformas, mas o mundo está se movendo muito rápido, e acho que também estamos indo nesse sentido”. De acordo com Sam Dolnick, o projeto exigirá que um grande número de pessoas façam investimentos em óculos VR, e agora mesmo, ter acesso ao Google Cardboard não é uma coisa certa. De acordo com o jornal americano, o aplicativo NYT VR foi baixado 600.000 vezes, isso porque também foi oferececida em opções não-VR, isso não se traduz necessariamente na audiência direta da realidade virtual. Boletins de notícias – incluindo Vice, ABC e The Verge – lançaram matérias em realidade virtual, mas nenhum, no entanto, cobra pelo conteúdo. Dolnick chama os vídeos do New York Times “uma oferta premium”, mas ele diz que é muito cedo para fazer mais do que experimentar. “ Por enquanto, qualquer pessoa que possua um óculos Google de papelão pode assistir livremente o “Coração Frígido de Plutão” através dos aplicativos NYT VR iOS e Android ou através do YouTube, e todos os outros podem vê-lo como um vídeo em tela plana de 360 ​​graus”.

O EL PAÍS Semanal, a revista deste importante jornal espanhol, lançou no dia 01 de maio de 2016 a sua primeira grande reportagem em realidade virtual. Um passo a mais para aproximar o leitor de grandes histórias através de novos formatos narrativos que permitirão viver em primeira pessoa o que acontece no mundo. Uma experiência pioneira com a qual o leitor poderá viajar ao ponto zero do acidente nuclear de Fukushima cinco anos após a catástrofe, no Japão.

Uma equipe de seis pessoas viajou ao Japão em fevereiro de 2016 e passou uma semana gravando os cenários de uma catástrofe na qual 20.000 pessoas morreram e outras 100.000 continuam desabrigadas. Através do Greenpeace, o EL PAÍS Semanal pôde comprovar como os níveis de contaminação ainda são muito altos para que grande parte da população desabrigada volte às suas casas, completamente desabitadas desde 11 de março de 2011. ‘Fukushima, vidas contaminadas’ foi gravado em 360 graus e inclui fotografias tridimensionais e som imersivo.

O leitor terá três grandes caminhos para ver essa reportagem e outras que produzidas pelo jornal e exibidas através do aplicativo EL PAÍS VR. A primeira consiste em aproveitar a experiência através do YouTube. O segundo é o aplicativo do EL PAÍS VR para celular, disponível nas lojas da iOS e Android. Além de ver o vídeo como no YouTube, o aplicativo permite a utilização de óculos compatíveis com o Google Cardboard para uma experiência mais imersiva. Para o terceiro caminho, que possibilita uma imersão total, é necessário utilizar óculos como o Samsung Gear VR e os Oculus Rift, que são conectados ao celular e ao computador, respectivamente. Em todas as opções é fundamental o uso de headfones para obter uma melhor experiência.

A abordagem imersiva do conteúdo jornalístico atualmente conta com dois suportes primordiais: primeiro, o ávido interesse do público por narrativas envolventes e que sejam apresentadas de forma inovadora, além das mídias tradicionais; e o segundo, a tecnologia que proporciona a popularização destes formatos, a capacidade de visualização por meio de smartphones, capazes de transformarem-se em headsets mais elaborados, como o Oculus Rift . Com o consumo de conteúdo móvel crescendo com as facilidades de acesso, o vídeo passa a ter um protagonismo também nesta mídia. Basta que citemos o relatório Ericsson Mobility Report destaca que 50% do tráfego de dados móveis atualmente são em vídeo, e a previsão é de um crescimento de 14 vezes mais nos próximos anos, chegando a 70%. Em outro relatório, da Reuters Institute , o vídeo é apontado como prioridade por 54% de 130 dos principais editores e produtores de conteúdo americanos, imaginemos estes números quando os formatos imersivos realmente estiverem populares e os vídeos em 360° forem produzidos mais intensamente

A Associated Press (AP) está encarando a produção de vídeos 360 como algo básico na produção jornalística. A organização distribuiu para seus repórteres kits com uma câmera Nikon 360 e microfones Lavalier para gravar entrevistas. Os jornalistas não tinham necessariamente experiência significativa em vídeo e receberam um dia de treinamento. Na página da AP no facebook há dezenas de vídeos em 360 publicados por seus jornalistas. A BBC e o The Guardian também já fazem experiências em realidade virtual. Um dos projetos mais relevantes de cinemática em realidade virtual do The Guardian é o projeto “6×9, a virtual experience of solitary confinent”.

Há iniciativas independentes como a do fotojornalista Karim Ben Khelifa. Em seu projeto The Enemy http://theenemyishere.org/ , ele cria um ambiente de realidade virtual para refletir sobre regiões em guerra. Em uma das experiências, o participante caminha lado a lado de combatentes que são rivais no conflito entre os Palestinos e Israelenses. O participante pode ainda fazer parte da entrevista com os dois guerrilheiros de El Salvador num ambiente que simula uma sala como se todos estivessem fisicamente presentes. Os olhos e a posição corporal dos entrevistados se ajustam à localização do participante fazendo com que essa técnica clássica do jornalismo – a entrevista – assuma uma nova dimensão, revigorada pela presença virtual dos oradores e do usuário, que dividem o mesmo ambiente.

A Consultora em Comunicação Digital Gabriela Mafort, acredita que a realidade virtual é uma tecnologia que está influenciando fortemente a narrativa de histórias, seja em ficção ou em news. O Google News Lab apostou em Notícias Imersivas como um dos quatro pilares a serem apoiados pela empresa na busca de projetos inovadores em Jornalismo. E o Google é uma das empresas que pauta o futuro das tecnologias “matadoras”, aquelas que vão se firmar como tendência. Quando um grande player investe em uma tecnologia, acaba influenciando o mercado.

Para a Diretora do portal da Globo G1, Márcia Menezes, os grandes jornais, como o New York Times, precisam encontrar um conteúdo diferenciado e envolver seu público, seja através dos seus comentaristas, blogeiros e etc. “ Eu acho que eles tem que buscar o formato, um ou dois formatos diferentes, onde eles vão ser muito bons, para além do conteúdo eles estarem buscando uma diferenciação e por isto eles estão investindo pesado nestes núclewios. É uma questão de sobrevivência. O que se fala muito agora é o conceito de dar, é fazer com que o espectador tenha uma boa experiência, é o novo conceito que se fala, não é só dá a informação, é proporcionar uma boa experiência de consumo da informação”. Para Márcia Menezes esta ferramenta pode ser muito boa para jornais como o New York times que escolheu ter um caminho diferente, eles tem um tempo para a produção de especiais. Ele aposta na linha de ter um conteúdo muito bom, investigativo, ele não busca resultados apenas no factual, mas eles tem por objetivo entregar um jornalismo de qualidade, analítico e este formato pode ser ótimo, já que ele também demanda um tempo para as pessoas planejarem e executarem e editarem a matéria. “Como o New York Times investe mais neste conteúdo qualitativo, analítico, com um time longo, eu acho que o jornalismo de imersão é uma boa opção”.

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