Artigo: Linhas de alerta – Irã ataca Israel, por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama

Irã lança mísseis e drones contra Israel. Foto: Reprodução/TV Globo

Irã lança mísseis e drones contra Israel. Foto: Reprodução/TV Globo

Após meses de conflito indireto entre Israel e Irã, os olhos do mundo deixaram de se voltar para a Palestina.

Os ataques incessantes das forças de defesa de Israel levaram à morte 33 mil palestinos e interromperam o fluxo de auxílio humanitário internacional à população local por terra e mar. A violência do governo Benjamin Netanyahu contra os palestinos, porém, fracassou em resgatar centenas de reféns israelenses, que continuam na Faixa de Gaza em mãos do Hamas.

O fracasso político de Israel se uniu ao malogro das tentativas de mediação internacional. Sem um cessar-fogo na região, o impasse em Gaza foi mantido sob fogo brando ao longo de 2024.

Em Abril, entretanto, o Oriente Médio e a comunidade internacional foram chaoalhados.

Em 1 de Abril, um bombardeio israelense destruiu o consulado do Irã em Damasco, capital da Síria. O ataque vitimou importantes integrantes da Guarda Revolucionária iraniana. A ousadia de Israel violou o Direito Internacional, que considera invioláveis as instalações diplomáticas. Logo a seguir, o Irã prometeu retaliar o ataque israelense na mesma proporção.

Desde 8 de Outubro de 2023, Israel e Irã (além de seus aliados) utilizaram a força contra países vizinhos (tais como Iêmen, Iraque, Líbano, Síria e Paquistão). Essas ações indiretas tiveram desdobramentos globais: outros poderes adentraram o conflito no Oriente Médio.

Militares dos Estados Unidos foram mortos em 28 de Janeiro num ataque de drones na Jordânia, ação atribuída a milícias aliadas do Irã. EUA e Reino Unido responderam com bombardeios no Iraque, Síria e em bases dos rebeldes Houthis no Iêmen. A contraofensiva dos integrantes da OTAN trouxe o temor da ampliação do cenário da guerra para toda a região.

Sob protestos intensos em Israel (que demandam o retorno imediato dos reféns) e responsabilizado internacionalmente por mortes e crimes de guerra em Gaza, o governo Netanyahu agiu em isolamento no ataque a Damasco. Os EUA apoiam ações israelenses com reservas. Um impopular Joe Biden enfrenta resistência doméstica à sua política externa em ano eleitoral. Já a União Europeia condenou as mortes e as violações de direitos humanos cometidas por Israel em Gaza, além do bloqueio do auxílio humanitário aos palestinos.

O ataque israelense jogou gasolina no barril de pólvora do conflito, ao atingir diretamente a Guarda Revolucionária, braço direito do regime iraniano. O desespero político de Netanyahu pode ter levado a liderança israelense à tentativa de tirar holofotes da Faixa de Gaza através da criação de um novo fato político que também traria renovado apoio ao governo em apuros.

O custo dessa decisão veio rapidamente. Na madrugada de 14 de Abril, o Irã atacou diversas regiões de Israel com cerca de 300 projéteis (incluindo drones explosivos de fabricação russa, mísseis balísticos e mísseis de cruzeiro). Outros 300 projéteis foram lançados contra posições israelenses por aliados iranianos no Iraque, Iêmen e Líbano. O bombardeio de seu consulado em Damasco foi a justificativa dada pelo Irã para sua retaliação “proporcional”. Novamente, o Direito Internacional permaneceu na berlinda quanto à legalidade das ações no conflito.

O ataque ao território israelense foi um ação sem precedentes por parte do Irã. Os países não parecem mais estar lutando uma guerra fria através de aliados, atuando em território alheio. Em linha de colisão, Irã e Israel buscam legitimar suas narrativas. Esses estados têm longas trajetórias pregressas como impérios aos quais diferentes religiões forneceram sustentação. O conflito atual é uma ponta de dois icebergs, de duas civilizações que coexistiram por milênios.

Esse simbolismo superou as consequências militares dos ataques. A maior parte dos projéteis foi abatida pelo sistema antimísseis Domo de Ferro. Outra parte foi interceptada por aliados de Israel (EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Jordânia). Não houve vítimas confirmadas.

O mundo aguarda apreensivo os próximos movimentos no tabuleiro de xadrez do conflito.

Diversos estados no Oriente Médio fecharam suas fronteiras após a ofensiva iraniana. A ONU e lideranças globais (como o Papa Francisco) pediram Paz, moderação e respeito ao Direito. Após abaterem projéteis iranianos, EUA e União Europeia se uniram ao coro da moderação. Parte da comunidade internacional clamou por um cessar fogo abrangente. A questão da soberania palestina voltou à tona como elemento central da acomodação das tensões regionais.

Dado o estado de crônica paralisia das instituições internacionais no curso do terceiro milênio, é pouco provável que uma solução diplomática substitua os cálculos e a prudência dos estados. Netanyahu declarou “vitória” após fustigar o ataque iraniano. Israel pode ter conseguido o apoio (doméstico e internacional) que faltava para a ofensiva por terra na Faixa de Gaza, ação que poderia redundar em grandes perdas para o Hamas e, pois, servir de “resposta” ao Irã. A ofensiva em Gaza também aumentaria o prazo de validade do gabinete de guerra israelense.

A república islâmica pode referendar postura de liderança no Oriente Médio e aumentar sua popularidade em parte da comunidade islâmica, à medida que outras potências regionais (como Arábia Saudita e Egito) adotaram postura moderada, após se aproximar de Israel nos planos diplomático e econômico. O caráter simbólico da retaliação a Israel é um atributo político fundamental. Ao assumir o papel de “real” protetor dos palestinos, o Irã tem facilitada a legitimação do regime (também às voltas com intnsos protestos). Assim, o Hamas pode ser indiretamente beneficiado, embora em desvantagem no teatro de operações em Gaza.

Uma acomodação nas relações entre Israel e Irã, pois, é a consequência mais provável da violência mútua de Abril. A escalada das agressões em seus respectivos territórios teria efeitos imprevisíveis no plano global, os quais a comunidade internacional quer evitar ao mãximo. Professor de Relações Internacionais, Shiv Nadar University (India).

* Artigo de autoria de Carlos Frederico Pereira da Silva Gama – professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins

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