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O perigoso jogo dos evangélicos radicais contra o STF e o Governo, por Sidney Rezende

Atos golpistas em Brasília. Foto: Reprodução/TV Globo

Atos golpistas em Brasília. Foto: Reprodução/TV Globo

Um setor considerável das Forças Armadas e das lideranças evangélicas permitiram que manifestações inicialmente de motivação cívica servissem de caldo para ações golpistas. Os militares preferiram entender que não existia risco de aumento da frequência de pessoas em acampamentos em frente aos QGs pedindo intervenção e ruptura democrática.

As lideranças evangélicas, por sua vez, exerceram um papel de incentivo. Enquanto empresários bancavam as despesas do que mais tarde se transformou de devaneio a uma ação terrorista nunca vista na História brasileira.

De acordo com relatos publicados na imprensa, antes mesmo dos atos se consumarem em Brasília, Bolsonaro conversou diretamente sobre o assunto com o pastor Silas Malafaia, chefe da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Segundo informações do Metrópoles, os dois se falaram pela última vez no dia 1º de novembro, 48h após as urnas consagrarem um terceiro mandato a Lula. E Bolsonaro perguntou para o pastor qual deveria ser a sua postura em relação às manifestações golpistas realizadas em todo o território brasileiro. Malafaia teria aconselhado o presidente, segundo o site, a pedir a liberação das rodovias, mas reafirmar o direito legítimo das manifestações, o que de fato levou Bolsonaro a fazer um rápido pronunciamento no dia 2 de novembro.

Hinos religiosos sempre fizeram parte do exercício de convencimento. E foram exaustivamente entoados pelos manifestantes durante a invasão ao Congresso.

Diariamente os líderes das manifestações doutrinavam os presentes com palavras de ordens, promessas de que algo “salvador” aconteceria e que Lula não subiria a rampa do Palácio do Planalto. Hinos religiosos sempre fizeram parte do exercício de convencimento. E foram exaustivamente entoados pelos manifestantes durante a invasão ao Congresso, no dia 8 de janeiro deste ano.

As palavras de ordem “Os guerreiros se preparam para a grande luta/ É Jesus o capitão, que avante os levará/ A milícia dos remidos marcha impoluta/ Certa que vitória alcançará” soaram como o elixir levanta moral de quem por acaso ainda estivesse em dúvida de que a baderna seria mesmo o melhor caminho.

Até hoje alguns não se veem como “terroristas”, “criminosos” ou “golpistas de Estado”. Para eles, o que estava em jogo eram os servos de Deus contra as forças do Diabo. E Lula é o satanás na terra, disso eles não têm dúvidas.

O cantor gospel Salomão Vieira é um dos que compareceram à invasão na Praça dos Três Poderes e ainda convocou e pediu que seus seguidores aderissem às suas ideias. Ele gravou um vídeo, inclusive, animando os patriotas.

O pastor Thiago Bezerra transmitiu cenas ao vivo da invasão.

Ana Marita Terra Nova, esposa do apóstolo Renê Terra Nova, não se continha de felicidade. “Dois meses nos quartéis: valeu muito, sim! Agora… É parar e dizer mesmo: intervenção militar!”.

Silas Malafaia evitou criticas: “Foi uma manifestação do povo. Cansei de ver o MST invadir prédio público e ficar acampado dois, três dias. A militância do PT pode fazer isso, e ninguém diz que é ato antidemocrático. Que conversa é essa? Ou será que nós estamos em que planeta? Em que país nós estamos? Ou será que o povo, a imprensa, os políticos têm amnésia?”.

Outras vozes

Alguns pastores foram rápidos em entender que a derrota de Jair Bolsonaro, de caráter irreversível, não justificava a tentativa de golpe de Estado. E os intuitivos já sentiram antes mesmo da invasão de janeiro que “a coisa ia dar ruim”.

O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), vice-líder do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara, já não tinha gostado de Bolsonaro viajar para os Estados Unidos antes da posse. “Isso beira a covardia”, disse ele. “Subi à tribuna essa semana para pedir ao presidente Bolsonaro que tome uma decisão e que comunique ao seu povo, seja ela qual for, mesmo que seja a mais triste e dolorosa: de que nada será feito”, disse o deputado.

Alguns pastores foram rápidos em entender que a derrota de Jair Bolsonaro, de caráter irreversível, não justificava a tentativa de golpe de Estado.

O pastor Nilson Gomes é outro que nunca apoiou a ação dos extremistas religiosos. Para ele, o dia 8 de janeiro será sempre lembrado como uma data sombria para a igreja brasileira. E publicou uma extensa nota oficial recomendando revisão imediata da postura dos evangélicos diante da política. Leia a íntegra:

“Aproximando-se o tempo em que seria elevado aos céus, Jesus partiu resolutamente em direção a Jerusalém. E enviou mensageiros à sua frente. Indo estes, entraram num povoado samaritano para lhe fazer os preparativos; mas o povo dali não o recebeu porque se notava que ele se dirigia para Jerusalém. Ao verem isso, os discípulos Tiago e João perguntaram: ‘Senhor, queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?’ Mas Jesus, voltando-se, os repreendeu, dizendo: ‘Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los’ [Lucas 9.51-55]. Repudio os atos de vandalismo, depredação e de terrorismo golpista que atentaram contra a democracia e o Estado Democrático de Direito ocorrido no último domingo, dia 8 de janeiro, em Brasília.

‭Todos estes atos criminosos são nocivos e perniciosos. Mas, se tornam ainda mais perniciosos quando praticados em nome de Deus. Bem, já falei mil vezes; minha crítica não é à direita, nem à esquerda, nem a qualquer político. Minha crítica é contra a postura do movimento evangélico que vituperou a glória do evangelho e associou o nome de Jesus a um projeto de poder político partidário. Mas alguns, na tentativa de justificar atos criminosos, tentam eximir-se apontando os pecados dos outros. E quem denuncia, passa por errado, e o apoiador desse tipo de coisa, passa por certo. Faço uso das palavras do meu amigo Gutierres @gutierresfernandes: ‘nos cobram como se fôssemos perturbadores de Israel, e dizem: ‘por que você não fala dos pecados de Nínive, Babilônia…, você só fala dos pecados de Jerusalém’’?Pergunto:

seria esse o critério? Vamos descer ao nível daquilo que condenamos? Quebrar, gritar, xingar e invadir, em nome de Deus, fazendo orações e cantando sob o disfarce do fervor e devoção, torna a questão ainda mais grave e detestável diante de Deus. Jesus diria a mesma coisa hoje:

‘Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são’. Escuta igreja brasileira; voltemos ao evangelho com urgência, antes que seja tarde demais”.

Mesmo diante de vozes sensatas, há pastores radicais de igrejas de menor porte que partiram para a doutrinação. No vídeo abaixo, um deles é cruel ao incentivar a prática do mal contra os ministros do Supremo Tribunal Federal. O risco do fundamentalismo neopentecostal é sair do controle e servir para a “fabricação” de mentes doentias que considerem o terrorismo o caminho a ser seguido.

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