Carnaval/RJ

Notícias atualizadas sobre o Carnaval do Rio de Janeiro.

Série enredos, parte 2: personalidades opostas e o astral que o Carnaval pede

SRzd segue com a série Enredos. Desenvolvidos pelo carnavalesco Jaime Cezário, os textos analisam os temas das 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2023. No primeiro episódio, Cezario avaliou as apostas de Portela e Beija-Flor de Nilópolis (clique aqui para ler).

Na segunda parte, o artista avalia os projetos da Imperatriz Leopoldinense e da atual campeã do Carnaval carioca, a Acadêmicos do Grande Rio.

Saudação ao povo do samba e do Carnaval! Vamos continuar nossa conversa sobre os universos fantásticos dos enredos para o Carnaval de 2023, aqui do Rio de Janeiro.

O sorteio nos guardou algumas surpresas, digo que a maior delas é a posição da atual campeã; a segunda escola a desfilar no primeiro dia dos desfiles, o domingo. Gostava quando a Campeã era premiada com a escolha do dia no qual queria desfilar, mas não sei por qual motivo, isso foi alterado.

Uma coisa é certa, após o desfile que alucinou a passarela em homenagem ao Orixá Exu, e com a escolha de uma personalidade das mais queridas e populares da nossa música como o Zeca Pagodinho para seu próximo enredo, todos os olhos do público da passarela e dos que acompanham pela TV, será o seu desfile. Comercialmente e emocionalmente falando, não foi uma boa posição.

Hoje vamos falar de culto a personalidade, sendo assim, vamos viajar em dois enredos que nos chamam atenção, o da Imperatriz Leopoldinense, que traz o temido e adorado cangaceiro Lampião, conhecido como “Rei do Cangaço” e eternizado no imaginário popular por suas malvadezas e façanhas através da literatura de Cordel. Uma viagem alucinante pela busca de uma morada definitiva após sua morte.

A outra personalidade homenageada é justamente o oposto, sinônimo de bom astral, simpatia e bem viver, que conquistou o coração do povo brasileiro através de sua música; falamos do cantor e compositor Zeca Pagodinho, que a Acadêmicos da Grande Rio escolheu para homenagear.

A Imperatriz Leopoldinense trouxe para o comando artístico o carnavalesco Leandro Vieira, que vai inaugurar um novo momento na sua trajetória profissional, pois desde 2016 estava à frente da Estação Primeira e agora passa a comandar a “Rainha de Ramos”.

Novos momentos, novas inspirações, e ele foi mergulhar na cultura nordestina trazendo o enredo sobre Lampião, que tem como título: “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. Título grande que lembra épocas douradas da escola da Leopoldina, e é nessa energia que a escola vai fazer o seu desfile em 2023, buscar voltar a brigar pelas primeiras posições.

Confesso aos amigos leitores, que mesmo com algumas coisinhas, ou melhor dizendo pecados, o desfile de 2022, na minha visão, merecia uma posição melhor. Bom, voltando ao enredo, vamos assistir uma viagem alucinante, delirante e porque não dizer divertida, nessa busca de Lampião por sua morada final.

No primeiro momento do enredo será mostrado o homenageado e seu temido bando de cangaceiros. Veremos essa turma de “má-querença” com homens que eram muito vaidosos, sempre muito enfeitados, coloridos, perfumados e que adoravam dançar um bom xaxado. Nesse primeiro momento, um detalhe curioso é falar do “xique – xique ainda verde” que é uma espécie de cactus do sertão nordestino.

Acredito ser uma dica para o visual de fantasias e alegorias que vão sair dessa visão árida do sertão com suas cores terrosas. Poderemos ver algo bem colorido, para contrariar as fotos sem cores, ou melhor dizendo, em preto e branco, que sempre nos vem a memória quando lembramos desse bando nos registros deixados.

No segundo setor, esse faroeste caboclo começa a esquentar com muita arruaça, rebuliço e Deus nos acuda. Vai falar de emboscada que vai por fim a sua vida e enviar sua alma pro território quente dos “pé junto”. Interessante comentar que Lampião e seu bando eram contra o governo central, inclusive, ele se tornou um bandido renegado depois que a polícia matou seu pai,  que era um pacato agricultor, e muitos o consideram um herói, uma espécie de “Robin Hood” tupiniquim. E assim sua alma sai em busca de uma nova morada…

O próximo setor é bem quente, onde o brabo cangaceiro segue direto para os portões do inferno, a terra do “Renegado”, “do Tinhoso”, onde achava que ia ser bem recebido, mas o “Capiroto” quis conversa não, pois a fama do cangaceiro o precedia e o “Encardido” barrou sua entrada.

Ai começa aquilo que ninguém imaginava, o inferno pegou fogo! Lampião não aceitando a barração travou uma batalha contra tudo e todos e ninguém conseguia dominar o “cabrunco”. Um setor que deve ser muito divertido. Neste setor descobrimos que o “O Bicho Ruim” com o incêndio causado no mercado por Lampião, teve maior prejuízo, perdeu todo dinheiro ganho na “rachadinha”. Será que ele virou vereador? Será? Bom, Lampião, depois de trazer o caos para o inferno, e percebendo que ali ele não teria guarida, foi “simbora”.

O quarto setor é na “morada do Altíssimo”, Lampião com a barração no inferno segue para os Portões do Céu que estava muito bem trancados e controlados pelo ranzinza São Pedro, que não acreditou no que via e já tratou de enxotar. Trouxe com ele seu currículo de ruindades cometidas anotados num papel de pão para justificar o “enxotamento”. Ele não perdeu a pose a ouvir suas barbáries, e já chamou São Pedro de “dedo-duro”, exigiu ser levado ao Pai, e disse na cara dura, aqui você não manda é mandado.

São Pedro percebendo que o “cabrunco” seria um grande problema, já convocou a santaria, junto com exércitos de anjos, tirou até Santa Barbara da macumba. Vendo que não teria moleza, o cangaceiro apelou para Padre Cícero, afinal, quem tem padrinho, não morre pagão. O “Padim Ciço” até tentou, mas não teve jeito, São Pedro não arredou e condenou a virar assombração no sertão.

O último setor fala que condenado a vagar pelo sertão, foi buscar morada nas carrancas do São Francisco, na poesia de Patativa do Assaré, na sanfona de mestre Januário, no gibão de do rei Luiz Gonzaga e por fim, nas esculturas do mestre Vitalino. O enredo termina de uma forma muito positiva, com uma exaltação à cultura e a arte nordestina.

Acredito que teremos com esse desfile um momento de alto-astral, divertido e colorido nessa viagem fantástica e delirante sobre as aventuras do cangaceiro Lampião. Tudo que precismos ver nos desfiles das escolas de samba, encantamento e muita diversão.

Agora é a vez da escola campeã de 2022, a Tricolor de Duque de Caxias, a Grande Rio que vem mais popular do que nunca, e para isso mantêm a dupla campeã do carnaval, Leonardo Bora e Gabriel Haddad.

Interessante observar que desde a chegada dos carnavalescos, a escola encontrou o caminho dos seus enredos no quintal de sua casa; todos os três temas abordados até agora, tem como referências o município de Caxias. Muito bom encontrar essa identidade vitoriosa, valorizando sua região e seu povo.

O homenageado do próximo Carnaval, inclusive, tem um caso de amor com Xerém, região pertencente ao município, e ele é cantor e compositor Zeca Pagodinho.

O título do enredo é “Ô Zeca, o pagode onde é que é? Andei descalço, carroça e trem, procurando por Xerém, pra te ver, pra te abraçar, pra beber e batucar!”. A história consiste na Grande Rio buscando encontrar o homenageado em lugares por ele frequentados e citado em muitas de suas composições, o subúrbio Carioca.

Conheceremos um pouco da riqueza cultural dessa região, conhecendo suas festas, sua arte, sua diversão, seus cantos e recantos. Uma viagem pelos locais que ele ama frequentar e que formataram sua personalidade musical e pessoal, mostrando que Zeca é a personificação do “Carioca Suburbano”

O primeiro setor do enredo começa bem cedinho, na alvorada da festa de São Jorge, 23 abril, onde o subúrbio se enfeita para celebrar o santo guerreiro com muita cerveja, pagode, feijoada e fogos, seja nas Igrejas ou em terreiros de macumba que celebram o Orixá Ogum.

O segundo setor é uma viagem pelos bairros de Irajá e Del Castilho, terra de tantos sambistas, e vai viajar nas brincadeiras de infância, bola de gude, pipas malucas, as serestas, os coretos, as festas de Cosme e Damião e a distribuição dos famosos saquinhos de doces, algo tipicamente suburbano. Tem referências saudosas à Dona Ivone Lara e Jovelina Perola Negra, tudo isso pisando nas calçadas de caquinhos.

O terceiro setor começa com referência a madrinha Beth Carvalho e as andanças pelas bandas do bairro de Ramos e a Zona da Leopoldina. Agora é o setor que homenageia a turma do Cacique de Ramos e tantas outras personalidades que começaram a aparecer para o universo musical do samba carioca, ali, embaixo da “Tamarineira Sagrada”.

O quarto setor é uma viagem pelos botecos e botequins, caminhando assim à toa, tropeçando pelas biroscas e claro, experimentando um tira-gosto, um petisco e uma birita. Vai mostrar as feiras livres, as fofocas de vizinhança, a fezinha no jogo do bicho, os temperos característicos, o bilhar, a sinuca, a boêmia, o partido-alto e as orgias.

O quinto setor, é o palpite certeiro, segue de trem pra Baixada rumo a Xerém, passando pela “Velha Baixada” Sapopemba e Maxambomba. Vai mostrar o povo morador dos subúrbios e da Baixada Fluminense, sendo que muitos deles migraram do Nordeste e do Vale do Paraíba. Toda a riqueza cultural desse povo simples que celebra a vida e a alegria nos seus quintais musicais, os congos, os calangos, as quadrilhas, as fogueiras, os roncós, as curimbas e as violas caipiras.

O sexto setor é o fechamento, enfim Zeca é encontrado no quintal do seu sítio em Xerém, e claro, rodeado de crianças, com amigos chegando a todo momento, pois a festa não pode parar e a vida foi feita para celebrar, e esse ano, mais que nunca, pois sua Águia Altaneira comemora os 100 anos, e a velha guarda da Portela se faz presente, assim como a comunidade da Grande Rio que vai aproveitar essa energia festeira para celebrar com o homenageado o título alcançado no último Carnaval.

Bom, acho que consegui passar para os amigos leitores uma síntese do que iremos ver na passarela com a Grande Rio. Quem tiver o prazer de ler a sinopse vai encontrar um texto muito bem escrito, rebuscado e denso no sentido que deverá ler com bastante atenção, pois tem muita informação, e se distrair, vai acabar se perdendo o fio, além de ser ricamente bibliografada.

Achei curioso a utilização de um termo americanizado no texto “Zeca way of life” para definir seu estilo de viver, sinceramente não vejo nada no homenageado que justifique o uso, mas também não compromete em nada, fico imaginando o leitor simples dos nossos subúrbios querendo entender o porque dessa frase, um mistério que só a cabeça dos carnavalescos Gabriel e Bora poderá dizer.

Uma homenagem justíssima e merecida, a esse carioca, suburbano, que ama o samba, que nos presenteia com suas músicas e composições, e que adotou a Baixada, na localidade de Xerém, como seu pedacinho do Paraíso! Parabéns Grande Rio!!! Salve o Subúrbio Carioca!!! Salve o Carnaval!!! Salve Zeca Pagodinho!!!

Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.

Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.

Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.

Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.

Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

Comentários

 




    gl