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Série enredos, parte 1: emoção, resgate das tradições e a semente cidadã

Arte: SRzd

Arte: SRzd

O SRzd inicia hoje a série Enredos. Desenvolvidos pelo carnavalesco Jaime Cezário, os textos analisam os temas das 12 escolas de sambado Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2023. Neste primeiro episódio, Cezario avalia as apostas de Portela e Beija-Flor de Nilópolis.

Já temos a ordem dos desfiles do Grupo Especial, e os dois dias parecem muito equilibrados, mas duas colocações me chamam muita atenção; a da campeã de 2022, a Grande Rio, sendo a segunda a se apresentar no domingo, e a Viradouro, fechando os desfiles de segunda.

Desfiles que despertam grande expectativa e que vamos conversar sobre eles mais na frente. Hoje, quero conversar com vocês sobre dois enredos já revelados, com sinopses apresentadas e que despertam muito interesse, pois tratam de duas escolas soberanas e campeoníssimas da passarela e que pelo sorteio vão se apresentar na noite da segunda-feira de Carnaval; Portela e Beija-flor.

A Portela comemora seu centenário e no seu comando artístico temos o casal Renato e Márcia Lage que dispensam apresentações pela qualidade do trabalho. Renato, trás na bagagem o cinquentenário no Salgueiro e agora os 100 anos da azul e branco de Oswaldo Cruz e Madureira.

Este é um enredo muito especial, na minha visão, pois é o mais rico em conteúdo que vamos ver na Avenida. A história da Portela tem assunto para muitos enredos. A sinopse apresentada soube tocar no coração do portelense e de todo o povo do samba, pois elegeu um grande baluarte da escola para apresentar cada um dos cinco setores do enredo.

Tudo começa com Paulo da Portela, um dos fundadores que junto com “Caetano e Rufino” deram o primeiro passo. A sinopse diz ser a célula-mãe da agremiação, o “Conjunto Carnavalesco Oswaldo Cruz”. E o Paulo vai falando da escolha dos santos padroeiros da agremiação; Nossa Senhora Aparecida (Oxum) e São Sebastião (Oxóssi). Cita também, as importantes e concorridas festas de Dona Esther que, segundo alguns historiadores, era uma espécie de “Tia Ciata” da região e grande incentivadora para a fundação do primeiro “bloco”.

A sinopse diz: “Onde entendi que deveria elevar o samba e a cultura popular a um patamar jamais alcançado”. Temos também referência do samba campeão do primeiro desfile oficial das escolas de samba de 1935 organizado pela prefeitura: “O samba conquistando o mundo”. Olha que esse período é tão rico, que ficaram alguns assuntos de fora, como exemplo, o da mudança do nome da “Vai como Pode” para Portela.

O segundo setor do enredo é apresentado pela porta bandeira Dodô, onde cita que já comandava o pavilhão no Carnaval campeão de 1935. Fala do enredo campeão de 1939: “Teste ao samba”, onde pela primeira vez uma escola de samba desfilou com fantasias referentes ao tema. Até esse desfile, fosse qual fosse o enredo, os sambistas ostentavam as cabeleiras brancas de algodão e as fantasias de nobres imperiais.

A Portela surpreendeu desfilando com uniformes de estudantes, e o Paulo era o grande professor. Serão lembrados os “Sete anos de glória”, em alusão aos títulos conquistados de 1941 a 1947, período que abrangeu a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945). Cita o envolvimento político e a briga que fez em 1947 surgir uma nova associação de escolas de samba.

No ápice do conflito, chegou-se a ter três associações carnavalescas diferentes, mas para o Carnaval de 1952 foi tudo reunificado, esse carnaval foi o carnaval do famoso tablado de madeira montado para as escolas desfilarem, e para não fugir a regra, briga geral, não havendo apuração e campeã, ficando tudo para o ano seguinte, num Carnaval chamado de supercampeonato, e a vitória foi da Portela, com enredo “Seis datas magnas”. O samba tinha, entre os compositores, um menino de 17 anos de nome Candeia.

No terceiro momento é a vez de Natal da Portela contar suas histórias. Fala que foi dele a responsabilidade de trazer a porta-bandeira Vilma Nascimento, o “Cisne da Passarela”, para a escola. Este setor fala dos muitos títulos da escola conquistados sob o seu comando, como exemplo, o do tetracampeonato de 1957 a 1960 entre outros. Cita o compositor Candeia e seus sambas que deram títulos à escola e uma lembrança especial ao samba do Paulinho da Viola para o enredo: “Memórias de um sargento de milícias”. Este setor chega até 1975, ano que ele se despede da vida terrena, com o enredo de “Macunaíma” e samba de autoria de Davi Corrêa e Norival Reis.

O quarto setor é apresentado pelo compositor Davi Corrêa e cita duas composições suas antológicas como “Hoje tem marmelada”, samba campeão de 1980, e o “Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite”, de 1981. Esses dois carnavais foram criados pelo carnavalesco Viriato Ferreira.

Ainda nesse ato homenagem os intérpretes Silvinho, na inauguração do sambódromo em 1984, com o inesquecível “Contos de areia”, e Dedé, em 1987, com “Adelaide, a pomba da Paz” e “Tributo a Vaidade” de 1991. O compositor Noca é homenageado com o apoteótico samba-enredo “Gosto que me Enrosco”, eternizado na voz do intérprete Rixa. Clássico que já dizia; “a Portela não é brincadeira, sacode a poeira e faz o povo delirar”, “Abram-alas, deixa a Portela passar”, quanta saudade!

Fechando o enredo, a homenagem fica por conta do grande Monarco. Este compositor que é patrimônio do Carnaval, apresenta as façanhas mais recentes da escola de Oswaldo Cruz e Madureira, com uma homenagem especial ao dirigente Falcon, a citação do último campeonato da escola conquistado, em 2017, e a lembrança da linda “Águia Redentora”, criação do carnavalesco e portelense, Alexandre Louzada.

Assim conta a sinopse do enredo “O azul que vem do infinito”. Digo a vocês companheiros de leitura aqui da coluna; haja coração! Não posso negar que me emocionei algumas vezes escrevendo esse texto, recordando tanta história extraordinária que vai passando na cabeça. Fico na torcida que os “Deuses do Carnaval” e esses “Baluartes Incríveis” iluminem lá do infinito a cabeça criativa dos carnavalescos e dos compositores e nos tragam um Carnaval de pura emoção e de muita celebração. A Portela merece!

Agora é a vez de outra azul e branca, só que do Município de Nilópolis, a campeoníssima Beija-flor. A escola apresentou a sinopse do enredo que tem como título: “Brava Gente! O grito dos excluídos no bicentenário da Independência”, dos carnavalescos Alexandre Louzada e André Rodrigues.

A escola foi buscar inspiração em enredos criados pelos mestres Joãozinho Trinta e Laíla para tentar reencontrar o caminho das vitórias. Levantam a bandeira da luta pelos direitos da população no ano em que comemoramos os 200 anos de nossa independência oficial,  o 7 de setembro de 1822. Mas, para guiar o enredo, escolheram a data de 02 de julho de 1823, data conhecida por comemorar a “Independência da Bahia”.

A “Independência da Bahia” foi um movimento de luta armada que começou a germinar após a atitude de D. Pedro l de fazer a Independência do Brasil em setembro de 1822, pois Corte Portuguesa exigia a sua volta para Lisboa e o retorno do Brasil a condição de colônia de Portugal.

A Bahia era a região do Brasil que, até então, não tinha aderido a independência, pois a presença e o domínio português era muito grande, mas a insatisfação popular só aumentava. Isto tudo colaborou para um levante armado da população para expulsão definitiva dos portugueses contrários a nossa emancipação e a adesão oficial da Bahia ao poder central da Monarquia Brasileira. Essa foi a fonte inspiradora do enredo que, a partir deste movimento popular de união e adesão a independência brasileira, vai trilhar a história a ser contada.

A sinopse fala que nós não vivemos e sim sobrevivemos ao país que ignora a nossa existência, de um povo que é marginalizado, onde o Estado Brasileiro foi erguido num conjunto de mitos e símbolos que justificam a violência que até hoje é usada conta nós, enquanto povo. O verdadeiro protagonista que é o povo foi apagado da história oficial, em outras palavras, fomos excluídos.

Afirma ainda que as pautas fundamentais para uma nação ser soberana, independente e justa, são trabalho digno, moradia, alimentação, participação popular, igualdade de direitos e liberdade plena.

Então, segundo a sinopse, propõe “um novo marco para a Independência Nacional: O dia em que o povo venceu, o 2 de Julho. O triunfo popular de 1823 é muito mais sobre nós e sobre nossas disputas. O Dia da Independência que queremos é comemorado ao som dos batuques de caboclo, cantando que até o sol é brasileiro. Precisamos festejar os marcos populares em festas que tenham cheiro, cor e sabor de brasilidade, reconhecendo o protagonismo feminino e afro-ameríndio. Somos aqueles e aquelas que, excluídos dos espaços de poder, ousam ter esperança no amanhã. O Brasil precisa reconhecer os muitos Brasis e suas verdadeiras batalhas”.

Acredito que o enredo vai abordar as lutas populares em busca de seus diretos legítimos. O que acho curioso foi a escolha deste movimento comemorado em 02 de julho na Bahia, pois seu cunho popular é inegável, mas vale salientar que ele não foi excluído da história oficial.

Este desejo de liberdade fez todos se unirem para expulsão dos portugueses leais a Corte Europeia e contrários a emancipação, tornando a Bahia definitivamente livre de amarras. O detalhe que chama a atenção, foi que o povo baiano, podendo seguir o caminho de ter um território independente com direitos iguais, trabalho e habitação para todos, preferiu aderir ao movimento monarquista brasileiro em torno do Imperador Pedro I.

No mundo temos tantos exemplos de acontecimentos que parecem ser o caminho certo a seguir e ,no final, vemos o resultado que deu; onde o povo sempre é o pagador da conta. Atitudes de “loucos” pelo poder trazendo destruição para nações e povos amigos.

O povo baiano em 1823, não quis correr riscos, e aderiu à monarquia brasileira. Nós, enquanto povo, precisamos ter em mente que existe uma arma na mão de todos chamada voto, somos nós que colocamos vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e presidente no poder.

Esse ano mesmo temos eleições, momento propício para fazermos uma reflexão e análise. Não adianta ficar reclamando de falta de moradia, emprego, educação, segurança e alimentação, se somos nós os responsáveis de colocarmos esses políticos que brincam com a verba pública, ou melhor, usam nosso dinheiro, não para nossa melhoria de vida, e sim, para projetos de poder.

Ei, você ai que faz parte dessa Brava Gente, vote com consciência e com informação! Vote por nós, não se exclua, tá na hora, ou melhor, já passou da hora desse país ouvir a nossa voz; não seja uma marionete da falta de informação! Somos o Povo Brasileiro e queremos um Brasil sempre melhor! Tá na hora de acordar aqueles que ainda dormem em sono esplêndido!

Caro leitor, perdão pela empolgação, retornando à sinopse, acredito e espero que a Beija-Flor quer ser com este enredo a consciência popular de um Brasil melhor, unidos pelo respeito ao próximo, num mesmo som, num mesmo batuque, na mesma fé, numa boa educação e informação, enfim, numa mesma bandeira. Precisamos disso, dias melhores! Salve o Brasil! Salve a cultura nacional! Salve o carnaval

Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.

Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.

Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.

Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.

Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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