Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Festival do Rio 2017: ‘Henfil’

O Festival do Rio 2017 acontece até o dia 15 de outubro (Foto: Divulgação).

“Henfil” é um documentário de tom quase jornalístico e muito bem conduzido por Angela Zoé (Foto: Divulgação).

A década de 1980 testemunhou a descoberta do vírus HIV e suas consequências, uma delas a contaminação por transfusão de sangue que vitimou milhares de pessoas somente no Brasil – à época, os bancos de sangue do país não eram fiscalizados. Hemofílico, Henrique de Souza Filho, o Henfil, é uma das vítimas fatais desse descaso das autoridades, assim como dois de seus irmãos, o sociólogo Herbert de Souza e o músico Chico Mário – Henfil e Chico Mário morreram em 1988 num intervalo de pouco mais de dois meses.

 

Cartunista respeitado dentro e fora do Brasil, Henfil tem sua trajetória contada no documentário dirigido por Angela Zoé, selecionado para a Mostra Première Brasil: Retratos longa da 19a edição do Festival do Rio. Ainda sem data de lançamento definida nas salas brasileiras, “Henfil” (2017) consegue apresentar à plateia o homem por trás do cartoon com muita naturalidade e perspicácia, sem descambar para o tema da ditadura tão explorado em produções sobre personalidades que lutaram contra o regime militar, como Henfil o fez. Obviamente, a ditadura está presente, mas não monopolizando o documentário que atinge seu objetivo principal de esmiuçar a vida de Henfil.

 

Usando o projeto de um grupo de ilustradores e animadores que redescobre sua obra, recebendo o apoio do Instituto Henfil e do filho do cartunista durante o processo de pesquisa, o documentário tem a montagem de Indira Rodrigues e João Rodrigues como uma de suas maiores qualidades. A dupla costura com muita competência e habilidade imagens de arquivo com depoimentos de familiares e amigos de Henfil, entre eles, o cartunista Jaguar e o jornalista Sérgio Cabral, responsável por levá-lo para “O Pasquim”, popularizando seus desenhos de traços simples, mas bastante expressivos.

 

Dono de um humor ferino que não poupava nada nem ninguém, Henfil usava seus cartoons como arma contra a ditadura e quem a apoiasse de alguma maneira, como “Cabôco Mamadô”. Pai de santo mais temido das páginas de “O Pasquim”, o personagem enterrou não apenas os adversários de seu criador, como também quem apoiou os militares de alguma maneira e/ou participou de eventos promovido pelo governo. Um dos casos mais conhecidos, retratado também na cinebiografia “Elis” (2016), é o da cantora Elis Regina, que chegou a entrar em depressão antes de acertar os ponteiros com o cartunista e se tornar sua amiga pessoal.

 

Fruto da parceria entre Canal Brasil, O2 Play, Globo Filmes e Globo News, “Henfil” é conduzido com esmero por Zoé. Assumindo um tom quase jornalístico, o documentário é simples na forma, mas rico em conteúdo, tal qual a obra de seu retratado, que com o passar dos anos se aventurou também na televisão e no cinema – “Quero ganhar um Oscar. Não quero essas coisas de Cannes, essas besteiras”, disse Henfil, que dirigiu, roteirizou e estrelou “Tanga (Deu no New York Times?)” (1987), considerado por Jaguar um dos piores filmes já produzidos: “Mesmo para o cinema brasileiro é ruim”, afirmou o cartunista.

 

Ao longo de 80 minutos de duração, “Henfil” consegue condensar a personalidade de Henfil sem cometer o deslize da pieguice em nenhum momento e, acima de tudo, sem reverenciá-lo como um Deus, algo cada vez mais comum nesse tipo de produção. Isso porque há distanciamento suficiente entre a câmera e seu objeto de estudo (a trajetória de Henfil), proporcionando uma experiência rica e imparcial sobre um homem cuja luta ganhou voz por meio de tirinhas de jornais e revistas.

 

* O Festival do Rio 2017 acontece até o dia 15 de outubro.

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