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‘Elis’ é fascinação

Fazer cinebiografia não é fácil. Envolve centenas de desafios, desde os mais técnicos como reconstituição de época, até os mais intangíveis, como a presença do cinebiografado no imaginário de cada um. Quando o personagem escolhido é de grande apelo popular, e viveu numa época relativamente recente, tais desafios parecem que se potencializam: todo mundo quer dar palpite na obra pronta, todos se transformam em críticos, todos reclamam de uma coisa ou outra que o filme teve ou que deixou de ter, sem parar para pensar que cinema, acima de tudo, é síntese; é simplificação.

Assim, a cinebiografia “Elis” torna-se ainda mais merecedora de todos os elogios que virão: ela supera seus desafios intrínsecos com louvor e se caracteriza firmemente como uma preciosidade. Roteiro, a fotografia de Adrian Tejido, dramaturgia, ritmo, trilha sonora, reconstituição de época e – principalmente – a escolha da atriz Andreia Horta para o papel título, tudo funciona bem no filme de Hugo Prata, estreante em longas.

A opção é pelo tradicional. O roteiro – escrito a dez mãos por Luiz Bolognesi, Nelson Motta, Patrícia Andrade, Vera Egito e Hugo Prata – opta pela narrativa clássica e cronológica tão cara às convencionais cinebiografias norte-americanas que tanto já nos acostumamos a ver. De “Música e Lágrimas” a “À Noite Sonhamos”; de “Ray” a “Jersey Boys”, isso só para ficar no universo dos cinebiografados musicais.

Trata-se de um estilo que pode desagradar os apreciadores de um cinema mais ousado, mas que certamente fala mais de perto ao grande público. Esta falta de ousadia não chega a se configurar em problema para “Elis”, que acaba se alicerçando firmemente na figura da protagonista, que esbanja força e vitalidade suficientes para segurar todo o filme. Com direito a gostinho de quero mais, mesmo porque o imenso repertório que a cantora legou seria suficiente para uma baciada de longas.

Ainda que apoiando-se na segurança da narrativa episódica, “Elis” tem, no mínimo, dois grandes méritos. O primeiro e o mais evidente é a maneira como Andréia Horta (de “Muita Calma Nesta Hora” 1 e 2) interpretou a personagem título. Aliás, “interpretou” talvez não seja a palavra mais apropriada: Elis “reencarnou” em Andréia. Gestos, risos, postura de corpo e até o timbre de voz da cantora ao falar são reproduzidos na tela com um realismo impressionante que chega a estarrecer quem teve a sorte de viver nos anos em que a “Pimentinha” era presença constante na mídia. O segundo mérito é a força de um roteiro que conseguiu escapar de um erro dos mais recorrentes de muitas cinebiografias: o de endeusar o cinebiografado, de colocá-lo num pedestal quase religioso, descolando-o das realidades de sua época e vesti-lo com um manto sagrado. Aqui, vemos uma Elis humana, que vive, sonha e sofre com suas hesitações, assim como todos nós. Uma pessoa comum com uma voz incomum que é ao mesmo tempo sua bênção e sua maldição.

A maneira como o roteiro trata a questão das pressões que Elis sofreu dos militares, como ela lidou com isso, seus medos, as retaliações, e o consequente relacionamento com o cartunista Henfil, desembocando no clássico “O Bêbado e o Equilibrista”, é o ponto alto do filme. Tudo muito humano, crível, sem simplificações maniqueístas e de uma dignidade ímpar.

E um destaque final digno de aplausos. “Elis” consegue ser um filme ao mesmo tempo histórico, emotivo e importante, sem recorrer a duas das mais aborrecidas ferramentas cinematográficas aos quais muitas vezes as cinebiografias se rendem: a insuportável narração em off – vírus mortal que tem se alastrado epidemicamente pelo cinema brasileiro -, e os infantis letreiros que fazem questão de escrever, na tela, o ano e o local onde as coisas acontecem. Que alívio!

Hugo Prata faz aqui uma estreia de ouro. O trocadilho é péssimo, mas o filme é ótimo.

Celso Sabadin

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