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Recanto do Beija-Flor divulga enredo para o Carnaval Virtual 2022

Pavilhão oficial da agremiação.

A azul e branca de Serra/ES apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso I do Carnaval Virtual.

Em 2022, o GRESV cantará na passarela virtual o enredo “Admirável privilégio contra a distopia”, de autoria do seu enredista Alberto Lemos.

Confira abaixo a sinopse do enredo:

Admirável privilégio contra a distopia

“Embora todo ideal seja utópico, toda utopia contem necessariamente um ideal em oposição à realidade.” – Jerzy Szacki

O homem em sociedade sempre tenta se aproximar de padrões perfeitos, tendo como base experiências negativas do passado. Ainda predomina a esperança, por parte dos astrólogos, da vinda da Era de Aquário. O hinduísmo se refere à satya yuga, ou era dourada, a que a humanidade cicla de tempos em tempos. A tradição cristã idealiza tanto o Jardim do Éden, no início do mundo, quanto a Nova Jerusalém após o juízo final. Mitos de sociedade perfeita prevalecem na literatura desde “Utopia” de Thomas More e “Cidade do Sol”, de Campanella. Contudo, apesar de todas as expectativas positivas desejadas por nós na virada do milênio, o mundo continua a se revelar bem problemático, muitas vezes caminhando para um destino sem esperança.

Na vida real, experiências baseadas em ideais utópicos caminharam no sentido oposto ao desejado, com desfechos longe do esperado. Na idade contemporânea, pudemos presenciar exemplos evidentes do não funcionamento de sociedades idealizadas para serem perfeitas. Testemunhamos guerras mundiais, a queda do muro de Berlim, o colapso do regime soviético e ainda há sérias dúvidas sobre a viabilidade do sonho americano. Brasília, pautada no ideal modernista e idealizada por Lucio Costa para romper com a segregação das cidades brasileiras, revelou-se a cidade mais segregada socialmente do país. Vivemos uma pandemia que se prolonga há mais de dois anos, um conflito bélico envolvendo potências militares com armas nucleares e a chamada condição pós-moderna, tudo isso cercado pela revolução digital e pela tempestade de informações (e desinformações) a que somos submetidos continuamente. Não nos aparenta próximo o horizonte de um mundo sem males.

Essa frustração, diante de tentativas de construção de mundos perfeitos criados por imposição de uma ordem e controle superiores, foi antecipada por alguns escritores, que se debruçaram sobre o tema e terminaram por produzir obras marcantes na história mundial, os chamados romances distópicos. O livro considerado grande precursor do gênero é “Nós”, de autoria do russo Yevgeny Zamyatin, publicado há 98 anos. Descreve uma sociedade futura aparentemente perfeita, porém, extremamente opressora, na qual tudo é controlado pelo Estado, na figura de um líder benfeitor, que estabelece critérios igualitários e supostamente agradáveis de cidadania, em troca da falta total de privacidade e livre arbítrio.

Inspirado em Zamyatin, Aldous Huxley publicou a obra “Admirável Mundo Novo” há 90 anos. Trata-se de um dos maiores clássicos da literatura universal do século XX e possivelmente apresenta o melhor protótipo de enredo distópico conhecido. A história se passa em uma sociedade dividida harmonicamente em classes, compostas por cidadãos condicionados biológica e psicologicamente ao status quo. Durante a trama, a felicidade pressuposta dos cidadãos do Mundo Novo, garantida por um medicamento chamado soma, é contrastada com uma sociedade considerada selvagem, cheia de problemas, muito semelhante à que vivemos.

Logo oficial do enredo

Em anos seguintes, outros romances distópicos foram consagrados, tais como “1984” (George Orwell, 1949), “Laranja Mecânica” (Anthony Burgess, 1962) e “Fahrenheit 451” (Ray Bradbury, 1963), todos reforçando a conclusão de que, apesar da aparência de ordem e harmonia de um mundo controlado, viver sob o domínio de um Estado totalitário, sem liberdade e com felicidade artificial, pode ser realmente aterrorizante. Mas então, em um mundo cada mais próximo de distopias do que de utopias, não há espaço para imaginação e rebeldia?

No Brasil encontramos uma maneira de lidar com a questão. Nossa realidade já é distópica cronicamente, pois sempre procuramos ser “o país do futuro”, mas nunca esse futuro chega, sequer parece próximo. Diante de tantos problemas, o populismo e o culto a ditadores revelam o anseio cego de parte da população por uma ordem que massacre a livre expressão e a imaginação em prol de uma pseudo harmonia social, construída a partir da eliminação do diferente a despeito do fim de liberdades. Para muitos, parece melhor viver em uma ilusão utópica, como oferecida a Neo no distópico filme “Matrix”.

No entanto, por alguns momentos no ano encontramos a fórmula de nos libertar de todas amarras e controles sociais. Mesmo que por apenas alguns dias nos entregamos a um rei que nos liberta de toda a opressão e nos permite sonhar, imaginar e sermos quem quisermos ser. O Carnaval, ainda que não nascido no Brasil, aqui ganhou proporções gigantes e passou a ser um elemento de identidade nacional. Durante o Carnaval, cada um de nós pode usar a imaginação. Nossa tradição carnavalesca vem se aprimorando e já ultrapassou os limites físicos, se adaptando às mudanças da sociedade e alcançando, inclusive, o espaço virtual.

“Durante alguns dias somos todos o mais franco que conseguimos, a ponto de cair no descaramento; falamos quase tudo o que pensamos; atrevemo-nos a parecer loucos, isto é, a parecer que somos; aliviamo-nos de doze meses de hipocrisia. Privilégio admirável!” – Rafael Barrett

Sejamos livres, pelo menos por alguns momentos, para vivermos da maneira que consideramos perfeitos, num contexto que de centralizado não há nada. Festejemos de forma individual ou coletiva nossos anseios por uma sociedade melhor, usando toda a subversão que o Carnaval nos proporciona. Sejamos todos iguais sendo diferentes. “Uma máscara sobre outra, para arriscar-se a ser sincero” disse Shakespeare. A arte carnavalesca representa uma sinceridade que nos traz o alívio da distopia nossa de todo dia, admirável privilégio que não deixaremos nos roubar.

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