Um ano após a chacina do Jacarezinho, estudo aponta que o episódio não é um caso isolado

Viatura policia. Foto: Reprodução de Internet

Sirene de viatura polícia. Foto: Pikist

Um ano depois da chacina do Jacarezinho, a maior da história do Rio de Janeiro, estudo revela que o caso não é um episódio isolado, mas, sim, um desfecho frequente das operações policiais.

De acordo com o relatório Chacinas Policiais, produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), no período de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 mortos. Isso representa 41% do total de óbitos em operações policiais no período.

Além disso, o estudo mostra que o Jacarezinho se destaca no triste ranking da letalidade policial, como o bairro com o maior número de mortos em chacinas. Em média, a cada 10 operações realizadas no Jacarezinho ocorrem 7 mortes.

O estudo revela que a Polícia Militar apresenta maior participação no total de chacinas, no entanto, a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal com uma média de 4,8 mortos em chacinas frente à média de 4 mortos em chacinas decorrentes de operações realizadas pela Polícia Militar.

A presença de unidades especiais, particularmente o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) – respectivamente, ligadas à PM e a Civil – tornam as operações policiais mais propensas a resultarem em chacinas. Quando juntas, ou seja, com a presença simultânea de BOPE e CORE em uma dada operação, temos uma probabilidade seis vezes maior da ocorrência de chacinas (18,2% frente a 2,9% dos batalhões e delegacias de área).

Para o pesquisador Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF, é surpreendente o fato de que as chacinas tenham em média 4 mortos quando realizadas pela Polícia Militar e 4,8 mortos pela Polícia Civil.

“Como é possível que uma instituição que deveria atuar sob prerrogativas eminentemente judiciárias, ocasione mais mortes que aquela cuja atribuição é de policiamento ostensivo? Assim, pode-se dizer que a brutalidade se concentra em frequência na Polícia Militar, mas a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal”, reforça Hirata.

Hirata também ressalta que é fundamental compreender as motivações das operações policiais que resultam em chacinas. Dentre as motivações classificadas na base do GENI/UFF estão: repressão ao tráfico de drogas e armas, disputas entre grupos criminais, mandado de prisão ou busca e apreensão, retaliação por morte ou ataque a unidade policial, fuga ou perseguição, recuperação de bens roubados, outros e sem informações.

“Quanto às motivações das operações policiais que resultam em chacinas, o caráter emergencial dessas ações e justificativas generalistas como a de guerra às drogas tendem a ser fatores de incremento de sua letalidade e da ocorrência de chacinas, ao passo que a realização de operações planejadas decorrentes de investigações, tendem ser menos letais e com menor ocorrência de chacinas”, completa a pesquisadora do Geni, Carolina Grillo.

Jacarezinho foi o bairro com mais mortos em chacinas policiais

Dentre os bairros da cidade do Rio, o Jacarezinho se destaca negativamente. Quando considerados os padrões históricos das ações policiais na Região Metropolitana, o estudo mostra que a chacina ocorrida no dia 6 de maio de 2021 na comunidade não foi uma casualidade.

A ação da Polícia Civil resultou na morte de 28 pessoas, inclusive de um policial, sendo considerada a maior da história do Rio de Janeiro. O relatório mostra que as operações policiais realizadas naquele território têm 70% de probabilidade de resultarem em mortes.

“A visibilidade pública dos bairros, assim como a composição e dinâmica do controle territorial armado parecem ser as principais explicações para a distribuição espacial das chacinas no Rio de Janeiro. O que ocorreu no Jacarezinho não é um evento casual, apesar do número de mortos ter sido o maior da história do Rio de Janeiro, as suas características são típicas do que ocorre com regularidade ao menos nos últimos 15 anos”, ressalta Hirata.

O relatório também apontou que das 593 chacinas policiais ocorridas entre 2007 e 2021, 64,6% ocorreram na capital (383 ocorrências, com 1599 mortos), 21,4% na Baixada Fluminense (127 ocorrências, com 475 mortos) e 14,0% no Leste Fluminense (83 ocorrências, com 300 mortos), portanto, a região que concentra o maior número de chacinas é a capital, seguida da Baixada Fluminense e do Leste Fluminense.

Enfrentamento das chacinas da cidade

Para o Geni/UFF, o enfrentamento das chacinas só será possível por meio do controle democrático da atividade policial com o monitoramento da atuação das forças policiais nos momentos de confronto entre grupos armados, situações predominantes nas ocorrências de chacinas.

Segundo os pesquisadores, é necessário repensar o modelo do policiamento repressivo da Polícia Militar e reforçar o caráter judiciário da Polícia Civil, além de questionar a eficácia das unidades especiais das polícias militar e civil;

“É preciso ampliar o controle democrático sobre o uso da força pelo Estado, em particular, sobre as operações policiais, sob as quais deve pesar amplo e específico monitoramento e controles internos e externos. Por meio dessas medidas seria possível o enfrentamento às chacinas policiais, que infelizmente são marcas da democracia brasileira que devem ser apagadas com a máxima urgência a fim de prevenir mais perdas de vidas humanas, como aquelas 28 mortes no dia 6 de maio de 2021, na favela do Jacarezinho”, reforça Carolina Grillo.

+ Acesse o relatório na íntegra aqui

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