Choro, dor e alma estatelada: compositor desabafa após derrota em final de samba

Compositor Liso desaba após derrota em final de samba. Foto: Reprodução/Facebook/Liso

Compositor Liso desaba após derrota em final de samba. Foto: Reprodução/Facebook/Liso

A final de samba-enredo para o Carnaval 2023 da tradicional Camisa Verde e Branco, ficará marcada, não apenas pela disputa acirrada entre os concorrentes, pela escolha do novo hino da escola e pelo inusitado adiamento da festa, que teve que ser realizada em dois dias após um problema no som interromper o evento marcado na data original.

A derrota de um compositor, que já chama a atenção por ter criado a letra e inscrito sua obra sozinho para participar do concurso – algo fora do convencional nos dias atuais – conseguiu mexer com os sentimentos de todos que admiram o gênero samba-enredo e acompanham as eliminatórias realizadas nas quadras de ensaios.


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Após a apresentação dos três grupos finalistas, em festa realizada na quadra da verde e branca no último dia 17, a composição de Nikinha, Xuxo do Cavaco, Sandro Simões, Gustavo Santos, Toninho 44, Rodrigo Correia, Diegues, Pablo do Cavaco e Zé Robertto foi consagrada vencedora e se tornou a trilha sonora oficial do enredo “Invisíveis”, do carnavalesco Renan Ribeiro.

Em busca do título do Grupo de Acesso 1 e do retorno para a divisão de elite do samba paulistano, onde contabiliza nove títulos, a Camisa Verde e Branco será a terceira agremiação a desfilar no domingo, dia 19 de fevereiro, no Anhembi.

Enquanto de um lado da quadra, os vencedores “saboreavam”, com todos os méritos, o doce sabor da vitória, ainda mais especial, não apenas pela grandeza da entidade, mas por ser a primeira disputa com presença do público, ainda em meio a pandemia da Covid-19, não muito distante dali, o autor solo, que viu sua melodia “morrer” segundos atrás, não resistiu ao anúncio da derrota e literalmente foi ao chão, “desabando”.

No dia seguinte, Liso (nome usado pelo compositor), abriu o coração em um textão compartilhado em suas páginas de redes sociais. No relato, que exibimos na íntegra, a seguir, ele narra as sensações que vivenciou do início ao fim da disputa: “picos de emoção, ansiedade, insônia, alegria, euforia… queda”.

Leia à íntegra:

Desabei.
Pelo que vivi nas últimas semanas, dias e horas: picos de emoção, ansiedade, insônia, alegria, euforia… queda.
Um tema, um enredo (INVISÍVEIS), que praticamente me obrigou a compor. Eu já tinha feito, sozinho, quatro sambas no ano, não estava em meus planos o quinto. Era hora de parar e dar mais atenção pra vida pessoal. Mas, quando vi, as ideias estavam no papel: a primeira foi fazer o samba inteiro em forma de Manifesto, o Manifesto Verde e Branco. Depois, muitos pensamentos que poderiam tornar minha letra mais elaborada, ir além da sinopse (Bem ou mal, seremos notados, além das câmeras do supermercado/Herdeiros de avós acorrentados, vivem o presente e o futuro, presos no passado/Pobreza é direito de nascença nas entrelinhas dessa Constituição/Teu “bom dia”, “boa noite” retido é silêncio que me anula/Ocultos da nação/Mãe gentil? A pátria que me traiu). Mas ainda não tinha certeza se gravaria. Amigos (Fernando Drudi Rodrigo Jacopetti e Luiz Bnh) me incentivaram. Até que lá fui eu, no meio de uma madrugada, trancado em um quarto com o celular, fazendo cabana com o edredom – pra não incomodar esposa e os vizinhos, sussurar a melodia para o Chanel Rigolon cifrar. Uma melodia diferente, também. Na madrugada seguinte, gravamos. Igor Sorriso Jorginho Soares Mayara Costa Hellen Cristina.

O samba teve boa aceitação nas redes sociais, até porque, era um dos poucos divulgados. E fomos para a semifinal no palco. Corri para fechar meu time, fazer camiseta, faixas, panfletos, etc, e não tinha a mínima ideia do que poderia acontecer ali, jogando fora de casa, numa escola onde ninguém me conhecia. E a magia aconteceu: eu, meu time de palco e mais meia dúzia de pessoas que amo na torcida, empunhando nossas plaquinhas de protesto, fomos para a final.

Comecei uma campanha para engajar mais pessoas. Para torcerem, abraçarem o samba. Mais camisetas, mais faixas, mais panfletos, mais suor. Lá fomos nós, dessa vez, éramos vinte e poucos. Tudo estava a nosso favor, a noite, a vibe… Subimos no palco. O som, caiu. E nunca mais voltou. Final adiada. Tive que dispensar todo mundo. Ansiedade tomou conta de mim por mais uma semana. E aflição: como iria fazer tudo isso de novo, reunir àquelas pessoas, músicos, botar tudo de pé?

Numa enquete de um respeitado site de carnaval, meu samba venceu com 90% dos votos. Na opinião de um famoso canal de YT, meu samba também saiu como vitorioso. Muitos cravavam uma vitória que eu jamais deixei subir à cabeça. Era um pé no chão e o outro atrás.

Com tudo para levantar mais uma vez, ainda rolou uma versão RAP do Manifesto. Com a preciosa ajuda da @Loud+ e do Lino Krizz. Versão que vou ouvir a vida toda. Acho que primeiro “rap-enredo” que se tem notícia.

No grande dia, lá estava eu e meu inseparável estilete em casa, cortando papéis para a nova final. Meu intérprete e amigo Hudson Luiz chegou, passamos o dia juntos, almoçamos e fomos para a quadra. Pendurei todos os banners, colei todos os cartazes. E ainda tive que cantar o samba na roda de aquecimento, pois parte do meu time de canto ainda não tinha conseguido chegar, a correria dos músicos no sábado é insana. Mas minha torcida foi chegando, mais e mais pessoas, todas de verdade, todas ali por mim. Éramos muitos. Ou poucos com a energia de muitos. Foi lindo. Subimos no palco de novo. E a magia aconteceu de novo. De uma forma ainda mais poderosa. Histórica. Assim como uma das placas, o palco foi abaixo. E a torcida-família-amigos cantou o refrão à capela no final. E dali desci vitorioso por me sentir tão abraçado e amado. Uma das maiores vitórias da minha vida.

Na mesma proporção da derrota, que chegou duas horas depois, no fim da noite. E me arrebentou até agora. Quando foi anunciado o samba vencedor – e não era o meu – cai ajoelhado. Chorei feito a criança que, no fundo, ainda devo ser. Muitos que estavam ali comigo não perceberam o que estava acontecendo e comemoravam como se tivéssemos vencido. Mas perdemos. E só depois de alguns minutos no chão, quando mais e mais pessoas foram somando na tentativa de me levantar, meu corpo levantou, mas minha alma, ficou ali, estatelada. Chorei no ombro da minha esposa, uma sólida relação que chegou a estremecer ao longo do processo. Da minha mãe, minha heroína. Minha irmã, fiel companheira. E de muitos amigos. Em lágrimas, ainda subi no palco para cumprimentar os vencedores.

Fui saindo da quadra destruído e pessoas que eu mal conhecia iam me parabenizando pelo caminho, exaltando minha obra, minha coragem, respeito com a escola e força de vontade. Uma dessas pessoas me mostrou um vídeo num churrasco em que eles cantavam meu samba. Entrei no carro. E a dor do caminho até em casa permanecia. E permanece até agora. Mesmo com tantas mensagens de apoio no zap. Mesmo com um texto lindo escrito pelo meu pai, que nunca sequer pisou numa escola de samba. Mesmo com o apoio incondicional dos meus.

É muito difícil aceitar que “Ano que vem, tem mais”. De pensar que tudo foi em vão (e não foi, valeu a pena, por mais que esteja doendo). Espero que amanhã eu consiga erguer a cabeça e os punhos, como meu próprio samba dizia. E termino esse longo texto sem final agradecendo a cada um que esteve comigo durante essa jornada, de perto, ou de longe; fisicamente, ou de coração.

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