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Rachel Valença sobre o rebaixamento do Império: ‘Derrota começou a ser construída lá atrás’

Mais triste do que uma noite de quarta-feira de cinzas, em que o Carnaval que tanto amamos está longe demais, só mesmo uma noite de quarta-feira de cinzas em que sua escola do coração foi rebaixada. Por isso o leitor deve relevar parte do meu pessimismo. Mas essa derrota começou a ser construída lá atrás, quando a escola demitiu o carnavalesco que a levou ao Grupo Especial, Marcos Ferreira. Todo mundo ficou espantado e num áudio que correu de celular em celular ficou patente que nem mesmo a presidente concordava com isso: apenas obedecia. Primeiro erro: uma presidente deve mandar, não obedecer.

A contratação do carnavalesco Fábio Ricardo apaziguou os ânimos. É um excelente profissional, sem dúvida. Criativo e experiente. Mas um carnavalesco talentoso precisa ter condições de trabalhar. Só talento não faz carnaval. Muito mais coisa é necessária. De qualquer forma, o barco foi sendo tocado.

No momento crucial do sorteio da ordem do desfile, quando a meu ver o Império deveria se esforçar para não abrir o desfile de domingo, pois, apesar de ter acabado de subir, havia uma escola que deveria ter sido rebaixada e ficara no grupo graças às manobras e casuísmos que bem conhecemos (Houve um acidente com vítima fatal? A escola responsável por ele não pode ser rebaixada, apesar da última colocação). Cabia ao Império lutar para que a escola beneficiada pela manobra abrisse o desfile de domingo e o Império Serrano o encerrasse. Mas nada disso foi feito, porque a diretoria do Império não compareceu ao sorteio. Tinha festa na quadra. Resultado: o Império abriu o desfile, o Paraíso do Tuiuti “se ofereceu” para fechar o desfile de domingo, posição que depois cedeu à Mocidade.

Desfile do Império Serrano 2018. Foto: Juliana Dias SRzd

Aí chegou a hora da escolha do samba-enredo. Poucos sambas inscritos, numa escola que tem uma tradição de bons sambas e de grandes compositores. A explicação é simples: o resultado já era previsto e ninguém vai fazer papel de bobo levando um samba à quadra e gastando com a disputa, sabendo de antemão que vai perder. Houve disputa, houve a final e o samba vencedor foi aquele mesmo que você está pensando, o que estava previsto para ganhar. Eu mesma critico escolas que encomendam sambas para o desfile e eliminam a etapa da disputa de samba-enredo, que mesmo viciosa como é hoje, é etapa de um rito caro às escolas e acompanhado com paixão pelos componentes. O Império Serrano não fez isso às claras: encomendou samba aos “amigos do rei”, mas manteve a disputa para arrecadar uns trocados.

O samba-enredo deste ano tem 12 autores. Sim, porque foi preciso dar parceria, cumprir acordos eleitorais e promessas de campanha e calar os que protestassem contra a situação. Quantos desses 12 terão feito ao menos um verso ou uma sequência melódica do samba?! Não sei. O que sei é que a escola aprendeu e cantou obediente o samba escolhido.

Ia chegando o Carnaval, as notícias do barracão não eram animadoras. O próprio carnavalesco, sentindo-se isolado, assinalou publicamente o atraso dos trabalhos do barracão e pediu ajuda a voluntários. Lá foram os imperianos trabalhar para não deixar em falta sua escola. Nas últimas semanas o clima era de euforia. Tudo estava lindo e bem adiantado.

Desfile do Império Serrano 2018. Foto: Juliana Dias SRzd

Na Avenida isso se confirmou. Há muitos anos não se via tanto bom-gosto em alegorias e fantasias. Os imperianos cheios de orgulho se prepararam para u desfile maravilhoso. E assim foi: um desfile sem nenhum incidente, com beleza e animação. Na dispersão, nos abraçávamos ao som da Sinfônica, alegres e redimidos. Logo porém começou a circular a notícia de que o Império não iria cumprir o tempo mínimo de desfile. Como? Como é possível uma escola famosa por seu contingente enorme não conseguir desfilar no mínimo de tempo dado? Erro de principiante, pois bastava que a bateria tocasse um pouquinho mais antes do fechamento do portão e não depois.

Mas o pior estava por vir. Na apuração se verificou que os dois décimos perdidos não significaram nada, não influenciariam o resultado. O Império Serrano foi massacrado pelos julgadores. Não tenho condições de analisar cada quesito, nem cabe. Mas minha sensação é de que não há respeito pelo Império Serrano, e o motivo é um só: a escola não se faz respeitar. Não luta por seus direitos, não assume seus erros, não tem uma posição adulta. Perguntam-me sempre o que seria preciso mudar na escola para fazê-la retomar seus rumos.

Não tenho resposta, mas é indispensável que o Império Serrano deixe de se comportar como o “coitadinho”, o pobre, o que agradece restos das coirmãs e não administra bem suas finanças nem sua gestão.

Assumir seus erros sem botar a culpa nos outros também seria um bom começo. A atual diretoria até hoje culpa a gestão anterior, que deixou a escola há quatro anos, por seus problemas financeiros, quando na realidade sequer tem seus documentos em ordem para receber recursos a que faz jus.

Antes de reclamar de terceiros, vamos olhar para nós mesmos e ver em que pontos erramos. O dia em que ouvir de um dirigente imperiano: eu errei, acreditarei que estamos no caminho para a salvação. É preciso também valorizar quem de fato trabalha em prol da escola, em vez de dar facilidades a pessoas que só pensam em tirar dela. O Império Serrano é uma escola que vive exclusivamente de suas receitas e das subvenções oficiais. Quando arranja pseudopatronos, eles se dizem “quebrados”. Portanto, não pode sustentar famílias inteiras.

O dia em que conseguirmos abandonar as bravatas, desistir de contar vantagem e levar a sério um projeto de recuperação da imagem da escola e de sua gestão, temos chance de voltar a ser a linda escola fundada por Seu Molequinho. Se não fizermos isso, não adianta sonhar com o grupo especial, que será mais uma vez apenas um breve episódio.

As vezes é preciso cortar a carne para curar a ferida.

Escrevo tudo isso com grande tristeza e mágoa. Amo a minha escola, a mais perfeita escola de samba que conheço, e busco sempre contribuir para que seja grande. Talvez amanhã já não pusesse no papel tão friamente o que acabo de escrever. Mas amanhã será outro dia.

Que o Menino de 47 se torne adulto.

Rachel Valença

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