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Ivone Lara: ‘Dona, Dama, Diva’, por Rachel Valença

Na madrugada que passou, o tiê deixou de entoar seu canto de beleza. Beleza não apenas em suas mais de cem composições (numa contagem rápida, aqui na minha modesta discografia, listei 140), mas, sobretudo, na sua forma de viver, à qual se aplica perfeitamente uma palavra: elegância. Não por acaso, recebeu o título de dama.

Sua vida não foi fácil. Órfã muito cedo, estudou em internato e logo seu excepcional talento para a música chamou a atenção. Por sorte, sua criação se dividiu entre uma parte da família que a queria longe do samba e tios e primos sambistas que a aproximaram daquilo que seria sua realização profissional e musical.

Mulher de sua época, cumpriu o rito familiar, casando-se, cuidando do lar e dos filhos. Mulher à frente de sua época, formou-se enfermeira e assistente social e trabalhou mesmo depois de casada. Viúva e aposentada, iniciou, já madura, uma carreira profissional brilhante. Considerada a maior melodista do samba carioca, Dona Ivone Lara teve inúmeros parceiros e suas composições tiveram intérpretes de peso.

No Império Serrano chegou vinda do Prazer da Serrinha, escola da qual seu sogro era o manda-chuva. Prima de Mestre Fuleiro e de Tio Hélio, compunha e cantava com eles, mas só na década de 1960 foi admitida oficialmente na ala dos compositores e em 1965 assinaria seu primeiro e único samba-enredo na escola, “Cinco bailes tradicionais da história do Rio”, em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau. Sem dúvida, a vida de uma mulher compositora não era fácil nas escolas de samba da época.
Dona Ivone soube esperar. Não tinha pressa. Na segunda metade da década de 1970 começa a se apresentar em shows. Sua voz afinada de pastora, suas composições ricas e melodiosas, sua postura agradável lhe abriram as portas do sucesso. Daí para a frente, foi o que se viu: o reconhecimento de um grande talento, registrado até por intérpretes menos próximos ao universo do samba.

No Império Serrano desfilou sempre que seus compromissos profissionais permitiam. Amava sua escola, que a homenageou com um lindo enredo, no carnaval de 2012. Viveu muito e bem. Foi bonita, talentosa, alegre. Um exemplo de mulher batalhadora.

A partir de hoje tiê silenciou: o samba fica um pouco mais triste. Mas, por uma dessas analogias inexplicáveis, ao receber a notícia de seu falecimento, me veio logo à cabeça a última estrofe de “Nos combates desta vida”, minha composição predileta dela:

“Nos lugares onde vou
Sou a razão da alegria
Quem sabe amar traz a luz
O sonho e a fantasia”

Rachel Valença

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