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Uma bandeira para Cintya, por Inês Valença

No futebol, chama-se janela de transferência. É aquele período do ano em que os clubes podem contratar e inscrever jogadores, principalmente vindos do mercado internacional. Para os torcedores, é a fase de acalentar o sonho de conseguir reforços que garantam resultados mais efetivos.

No Carnaval, a tal “janela de transferência” não existe. As mudanças em postos relevantes podem acontecer a qualquer momento, muitas vezes até às vésperas do Carnaval. Mas é nesse período pós-desfile, que esse ano aconteceu mais tarde do que o usual, que se concentram os troca-trocas que movimentam os bastidores das escolas de samba. Depois de dois anos de congelamento de mercado, o Carnaval de 2023 será marcado por muitas novidades no staff das escolas de samba, a julgar pela intensa movimentação a que estamos assistindo agora.

A troca no posto de intérprete sempre me parece ser a mais sensível. Afinal, eles são as vozes das nossas escolas, os responsáveis pelo grito de guerra que levanta a comunidade, aquela primeira conexão das escolas com o público das arquibancadas. Embora possa incomodar a ala mais saudosista, a mudança de profissionais do Carnaval é um movimento natural e irreversível. A escola de samba não é, e nem deve ser, um universo isolado e imune à lógica de mercado que rege os dias atuais.

A mudança mais surpreendente nessa temporada pré-carnavalesca, no entanto, foi divulgada na última semana. O anúncio da aposentadoria precoce da porta-bandeira Squel Jorgea entristeceu os sambistas e, sobretudo, aqueles que amam a dança dos casais de mestre-sala e porta-bandeira. Squel protagonizou muitos momentos mágicos dos desfiles das escolas de samba. Sua yaô rodopiando com o pavilhão da Mangueira, em 2016, estará sempre entre os momentos mais sublimes do Carnaval.

Mas, como dizem por aí, o fechamento de uma porta sempre precede a abertura de uma janela. E nesse caso não foi diferente. Que alegria saber que Squel terá como substituta a encantadora Cintya Santos. Há anos admiro a poesia da sua dança, sua personalidade, seu jeito único de se apresentar. Cintya não se rende ao modismo das coreografias que andam minando a exibição dos casais de mestre-sala e porta-bandeira. Cintya não se enquadra nos padrões. E, por isso, chama a atenção de quem a vê na Sapucaí.

Unidos do Porto da Pedra 2022. Foto: Matheus Siqueira/SRzd

A dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira é a representação de um cortejar afetivo. E, como sabemos, cortejos não são coreografados. Imaginem como seria monótona a vida se a gente combinasse de antemão o passo a passo de um flerte, de um galanteio? Improviso, malícia e gingado foram praticamente banidos das apresentações de MSPB.

O que parece é que os casais se tornaram reféns de um julgamento excessivamente técnico e distanciado das tradições do samba. O resultado são exibições praticamente idênticas, sem aquele toque pessoal que era justamente o que fazia o público esperar ansioso pela passagem de cada pavilhão.

Cintya chega ao Grupo Especial respaldada pela força e pela tradição do pavilhão verde e rosa. Não estará defendendo uma bandeira qualquer. Além das cores da Mangueira, espero que carregue também a bandeira de uma dança mais livre e criativa para esses sublimes artistas do samba. Sua escolha mostra que é possível.

Inês Valença é jornalista formada pela UFRJ, a Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição.

Sua dissertação de mestrado, O espetáculo da tradição: Um estudo sobre as escolas de samba e a indústria cultural, investiga as mudanças que a transmissão televisiva trouxe à estrutura dos desfiles. Ela estreia em 2022 como colunista do portal SRzd.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

Inês Valença

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Tags: Cintya SantosColunistas - Carnaval do Riodestaque2-carnaval-rjEstação Primeira de MangueiraMangueira

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