O Brasil anda mesmo muito mal das pernas. E pior ainda da consciência.
Como se não precisassem se preocupar com o lamaçal econômico em que fomos jogados pela indigência estúpida dos desgovernos nos últimos anos, setores da economia parecem mais interessados em polemizar e se meterem onde não são chamados do que cuidarem de seus fundilhos. Infelizmente é o caso de alguns representantes do agronegócio. Indignados com a crítica da Imperatriz Leopoldinense à situação dos índios no verde Xingu, setores do agronegócio “não aceitaram” a crítica, no enredo e no samba, considerando “ignorância da escola e dos compositores”. Entidades do setor manifestaram-se, em fila indiana, repudiando o enredo e a escola.
Que coisa feia! Que falta de conhecimento cultural! Que insensibilidade para a alegria e a irreverência da maior festa popular do país!
Não me causou surpresa a reação desses setores produtivos contra a escola de samba. Estamos vivendo, no Brasil, um momento de barbárie e depredação, onde as mentes estão mais ocupadas em desferir golpes e descer marretas do que interagir para esclarecer. Se essas entidades ou sociedades ou o raio-que-os-parta tivessem, de fato, a preocupação de esclarecerem alguma coisa sobre suas práticas ou métodos produtivos, melhor seria que se juntassem não para achincalhar a festa popular ou a escola de samba, mas para interagir de forma amistosa, o que daria boa propaganda tanto para nossa cultura quanto para um setor tão produtivo de nossa economia. Esclarecer, informar, ajudar.
Mas não. Preferiram a militância cega, a acusação de golpismo, o vitimismo, o discurso orquestrado em fatias – a cada momento, uma associação ou grupo, numa ação orquestrada, em cadeia, choramingando como pobre coitada e desferindo críticas ferinas, mostrando desrespeito e desprezo à cultura popular. É a “modinha” da politiquice brasileira vigente!
Meteram seu bedelho numa praia que eles, por ignorância cultural e agora comprovada alienação, desconhecem – a área da cultura popular, o território das escolas de samba. Levaram o carnaval tão a sério que fizeram do mau humor um envenenado agrotóxico!
Surpreendeu-me, no vendaval de abobrinhas e ressentimentos orquestrados, uma fala de uma senhorita irritadiça, dita “jornalista”, destilando desprezo ao índio e aos compositores de escola de samba, como se fossem criaturas medíocres. Com falastronices ridículas em duvidoso discurso associando todo o tempo o agronegócio com tecnologia, a dita cuja fazia apologia de que, se quisessem mesmo viver sem tecnologia, os índios deveriam “morrer de malária” sem medicação e os compositores deveriam “não andar mais de carro”, considerando-lhes hipócritas por viverem com tecnologia e defenderem a causa naturalista. O ressentimento e o rancor nas palavras pareceem transcender a causa temática e atingir o âmbito pessoal: os nomes dos compositores Moisés Santiago, Adriano Ganso, Jorge do Finge e Aldir Senna foram citados com indisfarçáveis desprezo e ironia. Tratados como inferiores, incapazes de raciocinar sobre alguma coisa com propriedade, só por serem compositores de escola de samba.
Onde é que o Hitler assina?!
Quando falamos de Xingu, falamos de índios. Quando falamos de escolas de samba e seus compositores, falamos de negros. A exceção não é a regra. Ao que nos parece, a mentalidade branca parece não aceitar muito bem essa história de conceder espaço para índio e discurso para negros. Há um tom de racismo latente no ar. A forma como a moça estranha se indaga, agressivamente, sobre “o que uma escola de samba e seus compositores entendem disso?” é uma afronta clara. Mostra, também, o despreparo e a falta de educação de pessoas em setores importantes do nosso país.
O discurso da moça é fanático, debochado e classicista. Em dado momento, ela refere-se à Rainha de Ramos como “Leopoldo”. Em sua extravagância sórdida, mal percebe que desconhecer uma das escolas de samba mais importantes e um bastião cultural de nosso país como a Imperatriz Leopoldinense não é insulto à escola: é atestado de estupidez com assinatura e foto de quem não sabe o que a Leopoldina tem!
Não seremos tão insolentes, estúpidos ou generalistas quanto eles, ao ponto de amaldiçoar o agronegócio por causa de uma parcela de seus representantes que resolveu atacar a instituição “escola de samba”, destilando burrice e arrogância. Entendemos que o país embruteceu demais nos últimos anos, e que a sordidez dos governos federais recentes insuflou as camadas atuantes de nossa sociedade a se ensoberbecerem e se tornarem agressivas e metidas a donas do mundo. Queremos, apesar disso, acreditar que há muitas pessoas de bom senso, educação, conhecimento cultural e dignidade para – quando se sentirem, de alguma forma, maculadas ou mal representadas – agirem não de forma agressiva e confrontadora, mas com diplomacia, esclarecimento e gentileza. Estamos fartos de arrogância, pedantismo, beligerância e proselitismo!
Não é de hoje que a escola de samba reivindica a terra para os índios, a proteção ambiental e o respeito à natureza. Não é nem tão original esse belo enredo da querida Imperatriz, ao ponto de merecer esse ataque sórdido e infeliz.
Aos que não sabem, a Imperatriz Leopoldinense tem um lastro de enredos que contam histórias de nosso povo, nossa gente, nossa fé, nossa arte, nosso lugar. A Imperatriz Leopoldinense já clamou para que a liberdade abra as asas sobre nós, já clamou a fé de nossos peregrinos, já decantou os encantos da Bahia e já pregou a paz de Mandela contra intolerâncias e práticas discriminatórias. E cantou, ano passado, o homem da terra e (sim) a produção agrícola dos homens do campo. Parece que tendenciosamente apagaram o que viram. Ou falaram sem ver. Triste!
Aqui, em meu modesto espaço, meu reconhecimento aos trabalhadores e setores produtivos do agronegócio, fonte de riquezas de nosso país. Os sérios e respeitosos, não os deslumbrados megalômanos que não sabem se comunicar e querem aparecer mais que as plumas e paetês de um desfile de escola de samba.
Meu carinho, respeito e reverência ao Grêmio Recreativo e Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, Rainha de Ramos, Estrela da Leopoldina, celeiro de bambas, reduto de samba, bandeira de um povo; que é verde, amarela e branca como nosso país!
De 1959 até hoje, são 58 anos de grandeza em desfile! De Amaury Jorio, Oswaldo Gomes Pereira, Zé Gato, Tinduca, Sagui, Indio, Claudionor Belizário e outros fundadores históricos a Moisés Santiago, Adriano Ganso, Jorge do Finge e Aldir Senna – compositores de hoje, dignos de nosso respeito! – a história do samba sendo contada com poesia e grandeza por essa escola maravilhosa.
Aos detratores, desprezo.
E “uma banana para o preconceito”!
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