Categories: Carnaval/RJHélio Rainho

‘Roda, baiana! É festa… um ritual de amor!’

Com a licença dos compositores do samba 2018 do glorioso Império Serrano, tomei emprestados os versos de sua obra para intitular minha coluna.

Já cansado – e bem cansado – das doutrinas e aforismos dos especialistas da vez; dos vícios de juízo e de sentença dos comentaristas do dia-a-dia; das “assertivas da hora” que proclamam, com ardorosa convicção: “este é o melhor”, “aquele samba não presta”, “mãe Dinah falou que tal samba não vai funcionar no desfile”… há anos “joguei a toalha” quando o assunto é analise de samba-enredo! Aqui em nossa laboriosa redação do SRzd, o chefe Sidney Rezende e a diretora querida Vera Rezende já me olham de soslaio quando convidam os comentaristas para gravarem vídeo ou escreverem sobre os sambas vencedores. O Rainho faz cara de paisagem… sai de fininho. É a polêmica de que me abstenho.

Há 30 anos, comecei minha caminhada em escolas de samba lá no solo sagrado da Portela, a dona do meu coração. Levado pelo poeta Jacyr, meu saudoso padrinho no samba, justamente para uma ala de compositores. Eu lembro dos sapatos de pele de bicho do velha guarda Bucy Moreira, da elegância inigualável de Waldir 59 (a mais impressionante figura portelense que já vi até hoje… um príncipe negro retinto!), da diva Elizeth Cardoso com seus gigantescos óculos escuros de “madame do samba”, da dança frenética e grandiloquente do interminável Jerônymo… do passista Cambalhota dando mortais duplos na quadra em apresentações que fundiam samba no pé e acrobacia (salve Tijolo e Meyerhold!). Uma coisa eu aprendi no período em que estive entre os bambas da composição: o samba-enredo precisa encantar.

E hoje, honrado com o manto sagrado do Reizinho de Madureira como padrinho dos passistas da escola da Serrinha, convite generoso de meu amigo-diretor Gabriel Castro, pus os pés na rua para ensaiar com a escola e esse refrão mágico do samba abriu meu coração e minha mente para uma viagem incrível! Versos que pontuam uma trajetória, um elo perdido, talvez, entre a mais bela das tradições e a mais insignificante das lógicas que infelizmente abalaram o carnaval este ano.

Hélio Rainho/Ensaio de rua do Império Serrano – Foto: João Paulo Fonseca

Quando a bateria Sinfônica do Samba, do mestre Gilmar, explodiu no solo da Edgar Romero antes do ensaio evoluir pela Estrada do Portela, percebi que um lindo samba é, antes de tudo, um samba verdadeiro. Que de nada adiantam versos puristas ou engendrados quando falta um brado de verdade na construção poética ou prosaica de uma obra musical. Ali, no meio da rua, no asfalto de Madureira, com o povo da Serrinha emocionado, encontrei verdades neste samba que me fizeram esquecer julgamento ou juízo de quesito… deixei pros especialistas por aí espalhados a chatice e o lugar comum da “opinião pela opinião”: às favas com tudo isso! A bateria entrou e o samba falou de uma “dinastia registrada nos metais”, falou de “ancestrais” e “um legado imortal”.

Eu acho que essa geração que está aí, que esse modelo de julgamento que está por aí e que esse prefeito imbecil que (não) está por aí (acompanhado de muita gente do samba que votou, que não votou, mas que comunga da hóstia dele)…esse povo esqueceu que samba-enredo é evocação ancestral! E eu não estou falando de misticismo simplista, não: eu falo de um compromisso atávico, histórico! A bateria do Império Serrano tem uma evocação ancestral! Pode passar essa geração toda e vir outra tocar: a essência estará ali, porque está “registrada nos metais” e “o legado é imortal”!

E vem a maravilha do refrão do meio, que evoca o giro das baianas de tia Eni…a graça das tias Geny, Guaracyra, Rosa, Deise, Mazinha. Maria Lúcia, Clara Índia, Ana Valéria…! É isto sim, meus senhores: a roda das baianas “é festa, um ritual de amor”! Que frase linda! Que maravilha de poema expressando uma imensa verdade!

Nós não precisamos de um milhão de verba da prefeitura pra fazermos carnaval e sermos felizes em amor! Porque, com um milhão de verba em 2017, tivemos muitos acidentes na avenida, tivemos vítimas anônimas desprezadas pelos holofotes e tivemos uma vítima fatal que foi esquecida! Em meio às disputas políticas, ao cancelamento dos ensaios técnicos, à fome de dinheiro, ninguém cobrou providências, um plano de segurança para a avenida, uma nova vistoria ou manutenção dos carros no desfile, uma adequação das saídas estreitas da Sapucaí (somos espremidos como bois num curral, nas áreas técnicas e na dispersão! gente amontoada, gado humano, escravos em navio negreiro!)! Em fevereiro, estaremos todos lá de novo, expostos ao acaso. “Com dinheiro ou sem dinheiro…eu corro risco”!

Eu mesmo, portelense de berço, devotado ao Império Serrano após sepultar meu pai com a camisa verde da escola. O velho Hélio Rainho pai, amigo de “Botequim do Império” de Roberto Ribeiro e Wilson Diabo da Cuíca: sou eu a sua descendência, dando continuidade ao legado que ele começou! Amar o Império Serrano não é difícil, minha gente! “Coração cresce de todo lado” – dizia Guimarães Rosa. Não me sinto menos portelense por isso! Minha alma de samba está em Madureira, de um jeito ou de outro.

Dia desses, após outro ensaio de rua, mestre Cizinho – baluarte da escola, mestre-sala genial da Velha Guarda imperial – apresentou-me como “família”! Eles são generosos e acolhedores! Dinastia, ancestralidade, legado, amor! Tudo que o samba fala!

Então, poetas da Serrinha Tico do Gato, Chupeta, Henrique Hoffman, Lucas Donato, Arlindinho, Andinho Samara, Victor Rangel, Jefferson Oliveira, Ronaldo Nunes, André do Posto 7, Vagner Silva e Jonathan Gomes (ufa! perdi o fôlego!)…eu não quero saber de debates sobre sambas de 2018, mas tenho algo especial a lhes dizer. Reaprendi uma bela lição sobre a emoção de cantar um samba que provoque em mim (em nós!) a memória dos antigos carnavais! A magia e o encanto dos nossos metais e da roda de nossas baianas!

A festa…sim, “a festa”! Não “o evento”!

Deixemos aos estetas, aos matemáticos e suas métricas, aos proselitistas e seus umbigos inveterados…a todos os que não se apaixonam pelo giro das baianas…o desamor do carnaval!

O prefeito, os poderes instituídos, os caçadores de prêmio, os pretensiosos, os infiltrados no samba com falso discurso e interesses pessoais… gaaaaaastos!!! Vocês estão gaaaaaastos!!! Vocês passaram, como aquele milhão do carnaval passado que passou!

“Roda baiana, é festa… um ritual de amor!”

Adoro repetir essa frase quando estou com os pés na rua, na quadra…no mundo…defendendo com amor e carinho a herança que meu pai me deixou no glorioso Império Serrano!!!

Hélio Rainho

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