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‘Especial Roque Santeiro – 25 anos’ – Aguinaldo Silva, autor

No dia 24 de junho de 2010, “Roque Santeiro” completou 25 anos. Para quem teve a oportunidade de assistir, a novela criada por Dias Gomes e escrita por Aguinaldo Silva, em parceria com Marcílio Moraes e Joaquim Assim, é uma das obras-primas da teledramaturgia brasileira. Não por acaso, a Globo Marcas resolveu lançar uma versão compactada em DVD e a Globo Livros, uma versão romanceada, adaptada pelo pesquisador Mauro Alencar, para comemorar a data. Em homenagem aos 25 anos de “Roque Santeiro”, o blog entrevista o autor Aguinaldo Silva, os colaboradores Marcílio Moraes e Joaquim Assis, e a pesquisadora Lilian Garcia. Prepare a pipoca, refestele-se na poltrona e divirta-se com as histórias de “Roque Santeiro”.

André Bernardo – Na época de “Roque Santeiro”, como era a divisão de trabalho entre você e os seus colaboradores, Marcílio Moraes e Joaquim Assis?

Aguinaldo Silva – A divisão de trabalho era a seguinte: eu fazia as escaletas de todos os capítulos e os distribuía: dois para mim, dois para Marcílio e dois para Joaquim. Escrevíamos todos ao mesmo tempo. Eles me enviavam os capítulos deles já escritos e eu fazia a revisão final. Na época, era tudo mais difícil porque os capítulos eram escritos à máquina e, para consertar alguma coisa, eu tinha que usar o recurso da tesoura e da cola, algo impensável nos dias de hoje por causa dos computadores… (risos)

AB – E o Dias Gomes, o que ele fazia?

AS – O que o Dias fazia? Bem, durante grande parte da novela, ele esteve a viajar pela Europa em lua de mel. Quando voltou, passou a ter reuniões quinzenais comigo, nas quais eu lhe dizia como seria o andamento das tramas nos próximos blocos. Na última dessas reuniões, ele me comunicou que assumiria os 18 capítulos finais da novela. Logo depois, a novela foi espichada e, em vez de 18, ele teve que escrever 38… Mas o esquema foi o mesmo: em cada bloco, ele escrevia dois capítulos, Marcilio dois e Joaquim dois.

AB – Você escreveu 111 dos 209 capítulos de “Roque Santeiro”. Mas, apesar do indiscutível sucesso da novela, a parceria com Dias Gomes não foi das melhores. O que aconteceu?

AS – “Roque Santeiro” era uma novela pavorosamente machista. Todas as mulheres da história eram tratadas como se fossem lixo. A novela tinha uma visão completamente superada a respeito do relacionamento homem/mulher. Eu procurei dar uma mexida violenta nela e me orgulho muito disso. A própria personagem da Viúva Porcina (Regina Duarte), por exemplo, era uma personagem odiosa e eu transformei aquela mulher. Aos poucos, ela começou a ganhar consciência do mal que aquele homem, o Sinhozinho Malta (Lima Duarte), lhe fazia, embora o adorasse tanto. Eu me orgulho de ter dado uma atualidade à novela. Tanto que, quando o Dias reassumiu a novela, no final, ele simplesmente cortou tudo isso. As mulheres voltaram a ser como eram no começo da novela. Foi um choque!

AB – Aparentemente, o Dias não aprovou as mudanças que você fez…

AS – O Dias simplesmente não se interessou pela novela. Tanto que me entregou os primeiros capítulos e viajou para a Europa. No fundo, acho que o Dias não acreditava muito no sucesso de “Roque Santeiro”. Quando voltou da Europa, uns três meses depois, “Roque Santeiro” já era um escândalo de sucesso. Desconfio até que o Dias nunca tenha visto “Roque Santeiro” até o momento em que ele voltou a escrevê-la.

AB – E o que aconteceu depois?

AS – Na ocasião, ele chegou a pedir que eu desse uma declaração à imprensa de que eu estava saindo da novela, como uma forma de homenageá-lo. Naquele momento, percebi que, se fizesse isso, estaria me condenando a ser eternamente um autor secundário. Foi quando virei a mesa. Saí da novela, mas disse a verdade: que o Dias estava interessado apenas em escrever o final de “Roque Santeiro”. No fundo, a imprensa sabe que quem escreveu “Roque Santeiro” fui eu e não o Dias Gomes. Então, criou-se essa situação: fez, não fez; escreveu, não escreveu. É claro que reconheço que a novela é do Dias Gomes. Mas prefiro dizer que é uma novela do Dias Gomes que eu escrevi… (risos)

AB – Você poderia citar alguns personagens que não constavam da sinopse original do Dias Gomes e que você teria criado especialmente para a novela?

AS – A alguns personagens já existentes eu dei um destaque que eles não tinham na versão original: Ninon e Rosaly (Cláudia Raia e Ísis de Oliveira) são alguns exemplos. Até hoje, lembro do dia em que o Paulo Ubiratan (diretor) me apresentou a elas. Até que começassam a falar, pensei que fossem dois travestis… (risos). A ideia do delegado (Maurício do Valle) se fingir de lobisomem também foi minha. Me parecia óbvio demais que o Prof. Astromar (Ruy Resende) fosse o lobisomem. Dias Gomes no final, porém, retomou essa ideia. Na verdade, tive que criar poucos personagens porque o elenco já estava fechado quando me chegou às mãos. Mas fiz modificações em muitos deles. As mais significativas foram em Lili das Medalhas (Cássia Kiss), que era maluquinha na versão original e eu a transformei numa mulher que, aos poucos, vai tomando consciência do quanto é oprimida pelo marido (Armando Bógus).

AB – Até hoje, fala-se do capítulo de “Roque Santeiro” que teria atingido a histórica marca de 98 pontos no Ibope. Você lembra que capítulo teria sido esse? Ou o que teria acontecido nele?

AS – Não me lembro qual foi o capítulo, nem o que aconteceu nele. Mas sei que isso aconteceu quando eu, com a colaboração de Marcílio e Joaquim, ainda estávamos escrevendo a novela. Na verdade, acho que “Roque Santeiro” passou dos 90 pontos várias vezes. Eram bons tempos aqueles em que as pessoas não tinham outra coisa a fazer senão ver TV… (risos)

AB – Dias Gomes reassumiu “Roque Santeiro” a poucos capítulos do final. Se você pudesse rescrever o final da novela, o que mudaria?

AS – Eu tinha preparado a virada de mesa de Porcina para que ela, no final, renegasse sua relação com Sinhozinho Malta e fosse embora com Roque Santeiro (José Wilker). Pra mim, essa devia ser a trajetória da personagem: da ignorância para o conhecimento. Seria um final exemplar e positivo. Quando Dias assumiu a novela, Porcina já era outra mulher, bem diferente do começo. Ele simplesmente passou a escrevê-la como era no começo, sem nem ao menos tentar justificar dramaturgicamente essa mudança. Acho que era nisso que eu e o Dias discordávamos basicamente: ele era profundamente machista e eu, adoro as mulheres.

AB – Você e o Dias chegaram a fazer as pazes?

AS – A briga em torno de quem foi o verdadeiro autor de “Roque Santeiro” me cansou mortalmente. Dez anos depois, ainda tinha gente tentando me intrigar com o Dias. É claro que, por conta de todos os insultos que trocamos, e também pelo fato de o Dias ser uma pessoa irascível, viramos inimigos. Mas, com o passar do tempo, essa inimizade cada vez me incomodava mais. E percebi que ela também incomodava o Dias. Foi quando aconteceu a história do cafezinho. De repente, num café da manhã de autores na TV Globo, ficamos só eu e ele diante da mesa. Os outros, maldosamente, se afastaram, como se esperassem que nós, finalmente, nos engalfinhássemos. O Dias serviu um café como se fosse para ele e, então, sem virar para mim, perguntou: “Açúcar ou adoçante?”. “Adoçante”, respondi. “Quantas gotas?”, perguntou. “Cinco”, respondi. Aí, ele adoçou o café e o passou para mim. Depois, serviu outro, falou alguma coisa trivial e eu respondi. E todos ficaram decepcionados porque não nos engalfinhamos. Pelo contrário. Engatamos o maior papo, como se nada tivesse acontecido. Rimos muitos e nunca mais falamos de “Roque Santeiro”. Eu, que nunca deixei de ser fã do Dias Gomes, tornei-me mais ainda a partir daquele dia.  

Não perca amanhã: Marcílio Moraes e os 25 anos de “Roque Santeiro”…

Redação SRzd

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