Artigo: Os efeitos do COVID-19 sobre o Sistema de Saúde

Coronavírus. Foto: Pixabay

Coronavírus. Foto: Reprodução

Nos últimos tempos assistimos ao “debate” entre aqueles que por um lado se consideram otimistas, acreditando que os efeitos da infecção por COVID-19 não difere muito, em números, daquilo que habitualmente se vê anualmente nas crises de “gripe” e, por outro, os pessimistas que creem que a mesma se trata de um risco superior. No intuito de prover dados a ambos os grupos e desta forma facultar uma linguagem comum, faço uma pequena análise do potencial de perigo de uma pandemia de COVID-19.

Com esse fim vou resgatar o conto do jogo de xadrez. Trata-se de uma lenda onde o rei hindu Sheram com uma tristeza melancólica, se vê na obrigação de recompensar o sábio Seta por tê-lo ensinado o jogo de xadrez. O sábio, acreditando que havia feito apenas sua obrigação, recusa inicialmente qualquer presente.

Todavia, dada a insistência do soberano e querendo evitar magoá-lo, termina por ceder. Como recompensa, solicita apenas um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro de xadrez, dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta, dezesseis pela quinta e assim sucessivamente, até a sexagésima quarta e última casa.

O soberano fica surpreso pelo desamor por bens matérias daquela pessoa, mas respeita a timidez do pedido. Solicita assim que lhe seja dado o que havia pedido. Não demora muito para que os algebristas do reino, em polvorosa, alertem que o número de grãos de trigo que constituirá o pagamento é maior do que aquela obtida se plantassem a Terra toda. Realmente, a recompensa cresce a uma taxa exponencial com uma progressão com razão de dois com uma soma total de S= 18.446.744.073.709.551.615 grãos.

O que essa lenda tem a ver com a presente discussão do COVID-19? Muito! A epidemia do COVID-19 cresce nos primeiros estágios com o mesmo comportamento exponencial descrito na lenda e com uma razão estimada maior, entre 2 e 3. Isto é, espera-se que cada pessoa infectada com COVID-19 venha infectar em média duas a três pessoas, o que representa quase o dobro da “gripe”.

Será que os governos estão preparados para as consequências políticas e sociais desse evento único de mortalidade?

Voltando à nossa lenda, temos um número de infectados inicialmente baixo, i. é. 1, 2, 4, 16, 32, 64. No entanto, após os primeiros passos, cresce muito rapidamente. Por exemplo, após 20 passos atingimos 1 milhão de infectados e com 24 passos, um total de 16 milhões.

Todavia, felizmente, no caso de uma epidemia não crescemos exponencialmente para sempre. Em determinado momento atingimos um pico e um declínio de casos, independentemente das ações de contenção que venham a ser impostas, apenas porque a população de não contaminados vai diminuindo e os já infectados começam a desenvolver uma imunidade natural.

Poderíamos, assim, concluir que não devemos nos preocupar já que a infecção tem um curso natural que se extingue quando não exista quem mais infectar. Uma vez mais, os mais sépticos poderiam dizer que a mortalidade é fatalidade do mundo e não será superior ao da “gripe”. Trata-se de um grande engano!

A velocidade com que a epidemia avançará pode ser reduzida por ações muito concretas como contenção social e cuidados de higiene. Essas ações permitem um “achatamento” da curva de expansão da doença.
Nesse caso, reduzir o pico ou velocidade de propagação da doença reduz o número de infectados a serem atendidos ao longo do tempo, permitindo uma melhor alocação de recursos de saúde tais como, ventiladores, material de proteção e leitos hospitalares.

No caso mais especifico da doença COVID-19, onde não há ainda vacina, temos uma realidade que só se vê até que seja muito tarde. Evidências internacionais apontam que cerca de 10% dos infectados necessitarão de cuidados médicos em unidades de tratamento intensivo (UTI).

Entende-se assim que se não alterarmos a curva de contaminação do COVID-19 muitos mais morrerão pelo simples fato de não ter a possibilidade do necessário atendimento de saúde. Exemplos não faltam nos países atualmente mais atingidos pela pandemia.

Nesse cenário, deve-se colocar uma questão fundamental. Será que os governos estão preparados para as consequências políticas e sociais desse evento único de mortalidade? Creio que não!

Todo o evento catastrófico tem um efeito que vai muito além da comparação dos números. Um acidente de aviação, com uma centena de fatalidades, é sem dúvida muito mais assustador que a esperada estatística de milhares de mortos em decorrência de uma gripe sazonal.

Flavio Ivo Riedlinger. Foto: Divulgação

Trata-se de uma característica da natureza humana que por mais irracional que possa parecer aos olhos de um matemático é muito racional para a maioria dos dirigentes políticos.

Neste contexto, termino este artigo parafraseando Albert Einstein: “Loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual!”

* O autor deste artigo, Flavio Ivo Riedlinger, é Doutor em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, com mestrado em economia pela Universidade de Chicago e pela Escola de pós-graduação em economia da Fundação Getúlio Vargas – EPGE. Com uma carreira internacional de mais de 30 anos em consultoria financeira e previsão de mercados, trabalha atualmente em Portugal, como pesquisador especializado em modelagem econométrica no Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Econômica.




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