Categories: Geral

Artigo: Escutar pode salvar

Foi após a leitura do livro “O Sofrimento do Jovem Werther” de Goethe alguns anos atrás, que pude compreender que o ato de tirar a própria vida nada tem a ver com coragem ou fraqueza, e esse julgamento dual ainda é muito comum entre as pessoas. Alguém que tira a própria vida está imerso em um poço de desespero e dor, e está sozinho neste lugar escuro e sem luz.

A frase “Escutar pode Salvar” parece clichê, mas quando se trata do Setembro Amarelo nós precisamos levar o escutar muito a sério. Nós passamos grande parte da vida preocupados em falar, em como nos expressar, em fazer cursos de oratória e em desenvolver a fluência verbal, mas pouco aprendemos ou somos estimulados a desenvolver a arte de saber ouvir. E, quanto digo arte de saber ouvir quero dizer que em geral as pessoas acham que estão escutando, mas existem alguns bloqueios para que a escuta de fato se torne uma conexão empática com a outra pessoa, e é justamente ao romper esses bloqueios que conseguimos alcançar o outro, isolado lá do outro lado do sofrimento.

“Segundo o relatório Suicídio no Mundo – Estimativas Mundiais de Saúde (Suicide in the world – Global Health Estimates, em inglês), o suicídio é um grave problema de saúde pública global. Está entre as vinte principais causas de morte em todo o mundo. Há mais mortes causadas por suicídio do que por malária, câncer de mama, guerra e homicídio. O suicídio atinge cerca de 800 mil pessoas todos os anos. A OMS considera a redução da mortalidade por suicídio prioritária como meta global. A meta foi incluída como indicador nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”. (Fonte: Agência Brasil)

É por esse motivo, que devemos quebrar o tabu de falar sobre o suicídio e desenvolver algumas habilidades fundamentais na arte de saber ouvir que fortaleçam a conexão com as pessoas. Ao mesmo tempo em que devemos desenvolver e estimular a habilidade de autocompaixão para acolher as nossas falhas e as nossas dores com carinho.

A Comunicação Não-Violenta (CNV) é uma abordagem de gestão de conflitos e prevenção de violência que contribui para geração de empatia entre as pessoas e conosco mesmo. Neste texto vamos fazer um recorte específico para trazer contribuições da CNV para prevenção de suicídio.

Para começo de conversa a arte de saber ouvir é diferente de dar sugestões, fazer questionários, elaborar julgamentos e análises, contar a própria história ou dizer que está tudo bem para evitar o assunto. Todos esses comportamentos são bloqueios para conexão humana.

“”Uma coisa muito importante que aprendi no CVV, e que trago para a minha vida, é não aconselhar. Cada um tem uma história, criação e maneira de enxergar o mundo que é muito própria. Não me sinto em condições de dar algum conselho, pois minha visão a respeito do assunto sempre será limitada. Além do mais, o que é bom para mim não necessariamente será bom para o outro. O que posso fazer é acolhê-lo, ouvi-lo, respeitá-lo, para que, ao falar e reduzir a pressão, ele mesmo se ouça e tire suas próprias conclusões”. Voluntária do Centro de Valorização da Vida

A arte de ouvir é estar junto! É mostrar que você compreende o contexto, a realidade, os sentimentos e as motivações. Para ouvir não é necessário concordar. Ouvir é uma doação do seu tempo e do seu coração, exige uma abertura para que a história do outro te atravesse, e sim, pode ser que você sofra e chore junto. Ouvir é estar disposto a dar as mãos na escuridão e simplesmente estar, mesmo que você não saiba o que dizer, apenas estar! A sua presença mostra ao outro que ele existe, que a sua vida importa, que ele não está sozinho ou sozinha.

As pessoas de diferentes culturas e experiências se encontram em um território comum chamado de necessidades humanas universais. Essas necessidades são os conceitos intangíveis que precisam estar presentes em nossa vida para que possamos nos sentir plenos e plenas, independente de quem você é. Como por exemplo, necessidade por pertencimento, acolhimento, integridade, apoio, expressão da nossa identidade, amor, afeto, reconhecimento, autonomia e tantas e tantas outras. Este território é onde compartilhamos e encontramos a nossa humanidade, e lá que queremos chegar. Esse território mora atrás dos julgamentos, avaliações, culpas, vergonhas e medo.

A arte de saber ouvir é conhecer o caminho que nos leva juntos para explorar esse território. É conseguir reconhecer quais necessidades não estão sendo atendidas por trás de um comportamento. Ou qual necessidades precisam desesperadamente serem atendidas quando vemos um comportamento trágico sem conseguir compreendê-lo.

“Por trás de todo comportamento há uma necessidade!”
“Toda violência é uma expressão trágica de necessidades não atendidas”
Marshall Rosemberg, Psicólogo que sistematizou a CNV

Quando conseguimos acessar esse território a mágica da empatia começa, e quem antes se sentia só, agora percebe que tem companhia. Aquela solidão dolorida começa a se transformar em uma percepção de que com apoio outro caminho pode ser possível. O coração se expande em alento.

Portanto, da próxima vez que alguém precisar de escuta anote uma lista do que não fazer: 1) Dar conselhos – a sua experiência de vida é única, o que serve para uma pessoa não necessariamente servirá para outra; 2) Interrogar – guarde a sua curiosidade para outro momento, perguntas que não contribuam para que a pessoa desenhe e compreenda o seu próprio mapa devem ser evitadas; 3) Julgamentos – nossa análise pessoal e julgamentos sobre a pessoa simplesmente não contribuem. Você dizer que acha coragem ou fraqueza, ou que é um absurdo e que você não entende não ajudará a pessoa a se sentir acolhida e amada. Julgamento de “você é incrível e forte” também não ajudam, pelo contrário, tornam ainda mais difícil se por vulnerável para expor o sofrimento;

4) Encerrar o assunto – dizer que está tudo bem e que vai passar também não faz sentido para quem está em sofrimento. Se você não quer ou não pode oferecer esta escuta neste momento, tudo bem também. Apenas encaminhe esta pessoa para um profissional ou outra pessoa que tenha disponibilidade em oferecer esta empatia;

É importante ficar atento aos sinais que as pessoas em sofrimento dão. Se alguém verbalizar, mesmo que pareça uma brincadeira, a intenção de se matar, chame esta pessoa para conversar. Outros sinais não verbais comuns são:

– Isolamento social
– “Fuga” dos amigos e familiares
– Ausências das mídias sociais
– Dificuldade em acessar esta pessoa
(Fonte CVV)

Aqui estão algumas dicas empáticas que você pode praticar:

1) Diga a esta pessoa que você a vê. E percebe que houve uma mudança no seu comportamento e semblante. Diga que você sente falta dela e que gostaria de conversar;

2) Não repreenda qualquer fala, choro ou expressão desta dor. E não julgue os motivos, mesmo que você ache imoral, absurdo ou errado. O que importa aqui não é o seu julgamento moral, mas a conexão com esta pessoa;

3) Reflita de volta o que você está ouvindo em termos de sentimentos e necessidades. O que será tão importante para esta pessoa que não está acontecendo neste momento? É possível que passe pelas necessidades de pertencimento, acolhimento, expressão e inclusão.

Nós vivemos em uma sociedade que pune mais do que valoriza, que exclui mais do que acolhe. Que gera caixas para separar e qualificar as pessoas ao invés de promover a inclusão da diversidade. A violência cotidiana é atravessada pela violência estrutural: o Machismo, o Racismo, a Homofobia matam todos os dias. Os discursos violentos corroboram bullying nas escolas, nas empresas e nas famílias.

Se você está em sofrimento por ser quem é, porque você percebe que a manifestação do seu amor, da sua cor, da sua expressão de gênero, do seu corpo geram perseguição ou exclusão, saiba que você não está sozinho ou sozinha! Sentir compaixão por nós mesmos pode ser libertador e nos salvar de muitas dores profundas.

Quantos de nós nos sentimos bem nesta sociedade extremamente competitiva e exclusiva?

De acordo com Kristin Neff a Autocompaixão envolve 3 comportamentos:

1) Autobondade – que sejamos gentis e compreensivos conosco;

2) Reconhecimento da nossa humanidade comum – através da qual nos sentimos conectados com os outros na experiência da vida, ao invés de estarmos isolados ou alienados pelo sofrimento;

3) Atenção plena – mantermos nossa experiência na consciência equilibrada, sem ignorar a dor ou levá-la ao exagero.

Ou seja, reconhecer o sofrimento e comunicar sobre ele é o primeiro passo. Você vai se surpreender ao descobrir que muitas pessoas sofrem o mesmo que você, e que juntos é possível serem mais fortes. Seja bondoso ao perceber que a sua dor existe, autojulgamento depreciativo não te levará a lugar nenhum. A dor traz um recado de que algo muito importante para você não está acontecendo, este algo é um conjunto de necessidades humanas. Comunique sobre isso com pessoas próximas ou ligue para o CVV.

No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) atende voluntária e gratuitamente, sob total sigilo, todas as pessoas que querem conversar sobre o assunto. O atendimento é por telefone, e-mail, chat e voip e funciona 24 horas, todos os dias. A ligação para o CVV, que atua em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) por meio do número 188, é gratuita e pode ser feita de qualquer linha telefônica fixa ou celular.

De acordo com Psiquiatras as pessoas com tendência ao suicídio podem apresentar outros transtornos mentais como a Depressão e a Esquizofrenia. Sempre recomende a ajuda de um profissional qualificado.

Pratique a Comunicação Não-Violenta e a Autocompaixão para melhorar a sua saúde mental e emocional, para construir laços empáticos e para saber gerir conflitos de forma positiva.

Saiba mais em www.peaceflow.com.br

*Diana Bonar é especialista em Transformação de Conflitos e Estudos da Paz. Atua há 10 anos na área de prevenção de violência. É Peace Fellow do Rotary Internacional e fundadora da PeaceFlow

Diana Bonar*

Recent Posts

  • Entretenimento
  • Famosos
  • Música

Cantor Chrystian revela que irá receber rim de uma pessoa especial

O cantor Chrystian, que durante anos formou dupla com Ralf, vive a expectativa de fazer um transplante de rim por…

3 minutos ago
  • Entretenimento
  • Televisão

Marlene Mattos reage após ser acusada de obrigar paquitas a ficarem nuas

A ex-paquita Cátia Paganote fez uma revelação chocante envolvendo a diretora Marlene Mattos, referente ao período em que trabalhou no…

35 minutos ago
  • Carnaval/SP

Vai-Vai fechando o Carnaval: diretor celebra e promete desfile apoteótico

Em 2025, a escola de samba Vai-Vai quer voltar a vencer o Grupo Especial do Carnaval de São Paulo após…

1 hora ago
  • Entretenimento
  • Televisão

Angélica comenta pela primeira vez sobre programa com Eliana e Xuxa

Quebou o silêncio. Angélica falou pela primeira vez sobre a possibilidade dela, Xuxa e Eliana comandarem o programa juntas. Especualações…

1 hora ago
  • Entretenimento
  • Famosos
  • Televisão

Viviane Araújo e Aílton Graça irão se reencontrar em novela após dez anos

Viviane Araújo e Aílton Graça, que viveram as inesquecíveis Naná e Xana na novela "Império", em 2014, irão repetir a…

2 horas ago
  • Entretenimento
  • Música
  • Televisão

Ivete Sangalo decide deixar apresentação de programa na Globo

Após anunciar o cancelamento de sua turnê, “A Festa", por conta de desacordo com os organizadores, Ivete Sangalo decidiu deixar…

2 horas ago