Artigo: A moda na cabeça de Dudu Bertholini

Dudu Bertholini. Foto: Vladimir Cavalcante

Dudu Bertholini. Foto: Vladimir Cavalcante

Ponte aérea é sempre uma roleta russa, num evento todo encaixadinho, pessoas entrando e saindo das salas onde encontravam seus potes de desejo, para atender múltiplos interesses, qualquer atraso quebra a corrente. O estilista chegou depois da hora, mas entrou iluminado pelo radiante sol que a Cidade Maravilhosa lhe ofereceu. É certo que um de nossos maiores representantes no mundo fashion, junto ao Instituto Europeu de Design, fez uma das mais abrangentes apresentações dessa edição do RIO2C. Detentor de uma capacidade performática, aliada a um profundo conhecimento do tema, defendeu com vigor suas posições para o momento atual da moda, sua utilidade, seus propósitos quase religiosos para esses que são os cânones do mundo que se veste. Seria impossível apresentar aqui toda a densidade de conceitos expostos por Bertholini, restando retalhar um patchwork de trechos com os quais me encontrei, confrontei, enfrentei.

Seu trabalho consiste num mapeamento atualizado quase em tempo real sobre tudo que existe ao seu redor, sem que isso implique necessariamente em se tornar um ícone criativo. Suas citações são seu poder de influência, acompanhadas de uma cultura de profundidade e sonhos de transformação. O consultor de moda apontou caminhos dos mais óbvios aos mais anônimos, com igualdade de pesos e medidas, coisa rara. Como se manter ao mesmo tempo sofisticado e periférico nas conversas sobre estilo? Esse trânsito fácil é um cortejo singular, capaz de influenciar e cativar gente de tudo quanto é lugar do país. A legião de admiradores e fãs é notável, e sua simpatia combina com a sua sugestão de que a empatia pelo próximo seja a grande tendência de nosso momento, o desafio a ser enfrentado. As vezes o assunto se distanciava da moda, ia parar no colo das vozes em busca de espaço, no discursos das causas. Os donos de bom coração não estão alheios ao mundo ao redor do que vestimos. A moda como discurso político não foi esquecida em suas divagações.

Começar com a estética da liberdade, em um tom formal, foi uma sacada de mestre. Nesse aspecto, Dudu é uma das cabeças pensantes mais lúcidas da cena fashion do país. O estilista é bem mais do que isso, um performático, dono do palco. A pergunta sobre “Para que Serve a Moda” foi sendo desalinhavada do seu ponto mais primitivo, desde quando era vestir se fazia para sobrevivência num ambiente hostil, até os tempos atuais, onde afetamos o ambiente com o que quisermos, mensagens políticas, representações de status e exibição da beleza, essa mesma, cada vez mais questionada quanto aos seus parâmetros.

Conversamos sobre a relação de suas reflexões sobre um quadro ultrapassado de preconceitos, claramente utilizado no país com finalidades de parte a parte para alcançar o poder político em todos os seus níveis. Mencionei minha recente colaboração sobre a importância da aceitação de si mesmo nesse combate e me valeu o encontro. A figura desenhada num figurino mais do que londrino fez lembrar o guitarrista do Queen. Sua forma e conteúdo, harmonizados, fizeram muito sentido pra mim, porque faziam todo sentido pra ele. Os editoriais da periferia que pesquisa são um primor, representam o que pouco aparece, e que está aí. Na sua obra, todos seguem bem representados, menores ou maiores. O mix como momento de nossa época, uma tendência bem captada pela marca-timing Gucci. Quem for para as ruas vai entender melhor do que o guru paulista que ama o Rio de Janeiro vem falando. A fila para tietagem na parte de fora do salão de palestras foi longa. Mas todos tinham a tarde inteira para conviver com essa figura humana e suas gestualidades. Porque de um gesto de amor todos somos merecedores.

*em colaboração ao SRzd

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