Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Top 10: os melhores filmes das plataformas de streaming em 2020

“O Som do Silêncio” está disponível na Amazon Prime Video (Foto: Divulgação).

As plataformas digitais vêm ganhando força junto ao público há tempos devido a fatores como comodidade e preços elevados dos ingressos das salas de cinema. Mas, neste ano atípico e difícil, o fator segurança face à pandemia falou mais alto. Neste cenário pandêmico, o streaming reinou absoluto quando as salas de exibição fecharam. E à medida que a Covid-19 se espalhava como rastilho de pólvora em todo o mundo, impedindo a retomada de atividades cotidianas por causa do risco de contágio, as plataformas se tornaram uma opção viável e segura para os consumidores ávidos por entretenimento de qualidade para que pudessem fugir um pouco da realidade mostrada pelos telejornais cujas equipes têm se empenhado e arriscado para manter a população informada.

 

Esta procura por entretenimento de qualidade num momento de apreensão e medo, ao menos por parte daqueles que respeitam o vírus e têm seguido o protocolo de segurança sugerido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), levou os estúdios a decidirem lançar alguns de seus títulos diretamente nas plataformas de streaming ou em PVOD, o que ocasionou um terremoto em Hollywood, que há anos luta pela manutenção do modelo tradicional de cinema. Assim, duas apostas para o Oscar 2021 seguiram para o streaming: a nova animação da Disney / Pixar, “Soul” (Idem – 2020), lançada na Disney+, e o drama baseado em fatos reais “Os 7 de Chicago” (The Trial of the Chicago 7 – 2020), produzido pela Paramount Pictures e DreamWorks SKG, na Netflix.

 

“Destacamento Blood” pode colocar Delroy Lindo na temporada de premiações (Foto: Divulgação / Crédito: Netflix).

 

Tentando dimensionar o impacto da chegada da Disney+, a gigante do streaming Netflix investe pesado em seu catálogo, sobretudo em longas-metragens de forte apelo popular que funcionam, na verdade, como entretenimento puro e simples, ou seja, passatempo. Neste ponto, títulos classificados como ação, aventura e comédias românticas voltadas para o público adolescente têm espaço considerável na plataforma e alcançam sucesso ao ponto de ganharem suas próprias franquias, como por exemplo, “Para Todos os Garotos que Já Amei” (To All the Boys I’ve Loved Before – 2018), que este ano ganhou uma sequência, “Para Todos os Garotos: P.S. Ainda Amo Você” (To All the Boys: P.S. I Still Love You – 2020), e tem outra agendada para 2021, “Para Todos os Garotos: Agora e para Sempre, Lara Jean” (To All the Boys: Always and Forever, Lara Jean – 2021). Mas isso não é o suficiente para a companhia que sonha com a estatueta do Oscar de melhor filme, não poupando recursos para conquistá-la, tendo os originais “Mank” (Idem – 2020) e “Destacamento Blood” (DA 5 Bloods – 2020) como grandes apostas para a corrida da próxima edição do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS).

 

Uma das principais concorrentes da Netflix, a Amazon Prime Video se destacou este ano com quatro produções originais pouco badaladas pelo grande público, duas delas produzidas em 2019, mas lançadas somente em 2020: “Arkansas” (Idem – 2020), “Tio Frank” (Uncle Frank – 2020), “A Vastidão da Noite” (The Vast of Night – 2019) e “O Som do Silêncio” (Sound of Metal – 2019), que tem condições suficientes para disputar o Oscar, principalmente na categoria de melhor ator para Riz Ahmed.

 

O streaming chega ao final de 2020 fortalecido e com chances reais de conquistar prêmios na temporada não somente pelos inúmeros adiamentos de estreias de produções de estúdios tradicionais que não optaram pelo streaming, mas também pelo afrouxamento das regras de elegibilidade por instituições como a AMPAS e a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA) em virtude da pandemia, tornando elegíveis títulos lançados diretamente no streaming, previamente agendados para o circuito comercial, sem a necessidade de exibição nos cinemas de Los Angeles por pelo menos sete dias consecutivos e três sessões diárias.

 

Confira o Top 10:

1. “O Som do Silêncio”:

“O Som do Silêncio” é dirigido por Darius Marder (Foto: Divulgação).

Produção original Amazon Studios, “O Som do Silêncio” leva o espectador à reflexão não apenas por abordar a questão da perda da audição, como também dependência química e preconceito. Sem rotular o indivíduo em nenhum momento, este é um filme impactante e envolvente cuja maior aposta é o fator humano, utilizando o problema auditivo como fio condutor de uma trama sobre superação e mudanças de vida, perspectiva e objetivos.

 

Marcando a estreia de Darius Marder na direção de longas-metragens, conta a história de Ruben (Riz Ahmed), baterista de uma banda de metal que sonha em lançar um álbum quando é surpreendido por problemas auditivos. Com a confirmação da perda de audição progressiva, Ruben precisa lidar com uma nova realidade, silenciosa, que o leva a temer também a recaída nas drogas e o término do relacionamento com Lou (Olivia Cooke), vocalista e guitarrista da banda.

 

Impecável tecnicamente, sobretudo ao contrapor elementos sonoros (distorções, ruídos, áudios claros, etc) com momentos de silêncio absoluto, o longa conta com roteiro esmerado de Darius e Abraham Marder e Derek Cianfrance, que constroem uma trama rica em conteúdo que se agiganta aos poucos, tendo como aliada a atuação de Riz Ahmed. Completamente entregue ao personagem, o ator faz de Ruben um homem guiado por sonhos, mas derrubado pela realidade da vida que lhe impôs diversos obstáculos para conquistar tudo o que almeja.

 

2. “Soul”:

“Soul” é dirigido por Pete Docter e Kemp Powers (Foto: Divulgação).

Idealizado para a tela grande da sala de exibição, “Soul” estreou diretamente na Disney+, plataforma de streaming da Casa do Mickey, no dia de Natal, alcançando o público de todas as idades na mesma intensidade.

 

Com direção de Pete Docter e Kemp Powers, “Soul” conta a história de Joe (voz de Jamie Foxx), músico de Jazz desiludido com a vida e a carreira que, após conseguir a tão sonhada vaga no quarteto de Dorothea Williams (voz de Angela Bassett), sofre um acidente e passa pela experiência de quase morte, conhecendo o local chamado de “pré-vida”, onde as almas são “ajustadas” antes de reencarnarem. Lá, Joe faz amizade com 22 (voz de Tina Fey), uma alma infantil que precisa aprender sobre si mesma. Neste processo de aprendizagem, os dois criam laços capazes de mudar os rumos de suas vidas.

 

Por vezes remetendo à “DivertidaMente” (Inside Out – 2015), este é um longa de viés dramático com elementos de comicidade que lhe concedem leveza para transmitir uma mensagem não apenas de constante aprendizado calcado na perseverança, mas que todas as almas são iguais no plano espiritual, ficando o preconceito enraizado somente no plano terreno.

 

Trabalhando com propriedade a frustração, “Soul” é, na verdade, um filme sobre a necessidade do indivíduo de encontrar propósitos para seguir com a sua vida de forma a se realizar, algo que pode acontecer num longo processo de aprendizagem e, também, por meio de uma nova chance. Tecnicamente primorosa, com destaque à recriação de Nova York e à edição de som, esta é a primeira animação Disney / Pixar protagonizada por personagem negro.

 

3. “Os 7 de Chicago”:

“Os 7 de Chicago” é dirigido por Aaron Sorkin (Foto: Divulgação).

Produzido pela DreamWorks SKG em parceria com a Paramount Pictures e distribuído pela Netflix devido à pandemia, “Os 7 de Chicago” assume certo didatismo para mostrar a crescente atmosfera de tensão em decorrência dos protestos pelos Direitos Civis no final dos anos 1960 e, também, contra a Guerra do Vietnã, possibilitando a eclosão da violência em diversas cidades americanas por meio da história real do grupo que dá nome ao filme, composto por Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen), Jerry Rubin (Jeremy Strong), Tom Hayden (Eddie Redmayne), Rennie Davis (Alex Sharp), John Froines (Danny Flaherty), Lee Weiner (Noah Robbins) e David Dellinger (John Carroll Lynch). Líderes de diversos grupos contra a guerra, eles foram presos e acusados de conspiração por cruzarem linhas estaduais e incitação à violência após a Convenção Nacional do Partido Democrata para indicar um nome para a corrida à Casa Branca, então ocupada por Lyndon Johnson, em agosto de 1968.

 

Com direção e roteiro de Aaron Sorkin, o longa começa com imagens de arquivo para ambientar o espectador, mostrando que o julgamento que se arrastou por meses tinha cunho político, algo corroborado pela postura do juiz Julius Hoffman (Frank Langella), que entrou no tribunal praticamente com o placar decidido, cerceando os advogados de defesa até mesmo quando o ex-Procurador-Geral do governo Johnson, Ramsey Clark (Michael Keaton), foi arrolado como testemunha, afirmando que, segundo investigações de sua equipe à época, a polícia de Chicago havia iniciado o confronto. Assim, o juiz acaba por condensar em sua imagem todo o radicalismo de uma parcela da sociedade que se recusava a enxergar os fatos em prol da estagnação e do preconceito racial, evitando mudanças que, na opinião deles, poderiam colocar em risco o estilo de vida americano.

 

Contando com interessante trabalho de direção de arte e figurino, “Os 7 de Chicago” chama a atenção pelo roteiro cuja dinâmica e diálogos perspicazes remetem a “Questão de Honra” (A Few Good Men – 1992), roteirizado por Sorkin, e pela montagem que o alicerça, costurando com eficiência imagens de arquivo e flashbacks de maneira a manter o ritmo narrativo. É uma produção importante pelo que representa em termos de História, pois muitos fatos devem ser contados para evitar que barbáries se repitam.

 

4. “Mank”:

“Mank” é dirigido por David Fincher (Foto: Divulgação).

Produção original Netflix, “Mank” aborda temas como estrelato, ascensão e queda por meio da trajetória do roteirista Herman J. Mankiewicz para mostrar ao público que pouco mudou em Hollywood nas últimas décadas. Funcionando, de certa maneira, como aula de História do cinema, o longa mostra com clareza e crueza o modus operandi da indústria cinematográfica e o seu impacto sobre quem nela trabalha e, portanto, depende para sobreviver, pagando pouco e exigindo, de cada um, preços altos. Isto inclui a criação de imagens de astros e estrelas, mesmo que a pressão derrube as máscaras em algum momento.

 

Utilizando os bastidores da construção do roteiro de “Cidadão Kane” (Citizen Kane – 1941) como fio condutor, “Mank” conta a história de Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman), responsável pelo roteiro do já citado clássico de Welles (Tom Burke), então “menino” prodígio que desejava crédito individual como roteirista de seu filme – segundo Mankiewicz, Welles não participou do roteiro. Paralelamente a isso, o filme faz um duro retrato da influência política sobre a indústria ao apresentar a relação de Mank, como era chamado, com Louis B. Mayer (Arliss Howard), todo-poderoso da MGM, Irving G. Thalberg (Ferdinand Kingsley), produtor respeitado que era peça fundamental no jogo político hollywoodiano, e William Randolph Hearst (Charles Dance), magnata de mídia que inspirou a criação do protagonista do clássico, interpretado por Welles.

 

Dirigido por David Fincher, que conduz este longa de forma bastante pessoal, pois o roteiro é assinado por seu falecido pai, Jack Fincher, “Mank” resgata a estética do cinema clássico com uma fotografia impecável que homenageia “Cidadão Kane”, conferindo um pouco do charme da película graças a efeitos visuais e sonoros. Contando com a minuciosa montagem de Kirk Baxter, o longa apresenta uma trama objetiva e rica em conteúdo que chama a atenção pela maneira com a qual desenvolve a questão política. Neste contexto, não apenas traça um paralelo com o cenário atual, como também tece uma crítica à inércia hollywoodiana, pré-Pearl Harbor, à expansão do regime nazifascista na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).

 

5. “O Diabo de Cada Dia”:

“O Diabo de Cada Dia” é dirigido por Antônio Campos (Foto: Divulgação).

Dirigido por Antônio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes, “O Diabo de Cada Dia” (The Devil All the Time – 2020) chegou à Netflix com três nomes de peso em seu elenco: Tom Holland, Robert Pattinson e Sebastian Stan. Produzida por Jake Gyllenhaal, colega de cena de Holland em “Homem-Aranha: Longe de Casa” (Spider-Man: Far from Home – 2019), esta adaptação de “O Mal Nosso de Cada Dia”, de Donald Ray Pollock, concede ao espectador uma experiência incômoda ao explorar com perspicácia os gêneros aos quais é classificado, drama e suspense.

 

Narrado por Pollock, o longa conta a história de Arvin Russell (Michael Banks Repeta / Tom Holland), que precisa lidar com dores e fantasmas do passado à medida que é confrontado com uma realidade que aflora o lado mais sombrio de sua personalidade, herdado do pai, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Paralelamente a isso, diversas figuras desprovidas de caráter ou acometidas por distúrbios mentais surgem em tramas secundárias, assombrando a pequena cidade de Knockemstiff, no estado americano de Ohio, dentre elas, o xerife corrupto e o casal de serial-killers que fotografa cada uma de suas vítimas.

 

Apresentando boas escolhas estéticas, sobretudo na recriação de época e na inserção de elementos gore em algumas sequências, “O Diabo de Cada Dia” é, no fim das contas, um filme sobre ação e reação numa sociedade acometida por distúrbios mentais escondidos pelo manto da fé, contrariando tudo o que os cristãos pregam no que tange ao respeito e amor ao próximo. Desta forma, assume o tom crítico ao fanatismo religioso que, calcado na violência, acaba por afastar da Igreja pessoas que procuram na fé o conforto para lidar com as adversidades da vida.

 

6. “A Vastidão da Noite”:

“A Vastidão da Noite” é dirigido por Andrew Patterson (Foto: Divulgação).

Produção original Amazon Studios, “A Vastidão da Noite”, de Andrew Patterson, chama a atenção por driblar os parcos recursos disponíveis, cerca de US$ 700 mil, surpreendendo pelo apuro técnico, alicerçado no rigor estético graças ao impecável trabalho de fotografia e direção de arte, que recria a década de 1950 com detalhes. Há também de se destacar a utilização do som e da trilha sonora, inseridos com precisão pela montagem, potencializando a atmosfera de tensão.

 

Bebendo diretamente da fonte da clássica série televisiva “Além da Imaginação” (The Twilight Zone – 1959 – 1964), “A Vastidão da Noite” é ambientado no final dos anos 1950, na fictícia cidade de Cayuga, Novo México, e mostra a obstinação de dois jovens em desvendar a origem de sons misteriosos que invadiram as ondas de rádio e causaram quedas nas linhas telefônicas na noite em que parte da população se reúne no ginásio do colégio local para um jogo de basquete. Juntos, Fay (Sierra McCormick) e Everett (Jake Horowitz) embarcam numa missão que poderá mudar os rumos da cidade.

 

Trabalhando com habilidade elementos de mistério e ficção-científica, mesmo derrapando um pouco no drama, “A Vastidão da Noite” desenvolve sua trama de forma objetiva e segura, mantendo o ritmo narrativo e ambientando o espectador com temas que atormentaram a sociedade americana durante a Guerra Fria, como a corrida espacial e o medo de uma invasão soviética. Além disso, tece leve crítica ao tratamento conferido aos negros por meio do ouvinte Billy (voz de Bruce Davis), que trabalhou em missões secretas do exército e, desde então, é atormentado pelos sons que escutou no deserto, em Nevada.

 

7. “Tio Frank”:

“Tio Frank” é dirigido por Alan Ball (Foto: Divulgação).

Produção original Amazon Studios, “Tio Frank” mescla drama e comédia com sutileza para contar uma história de amor, repressão e aceitação. Levemente inspirado na vida do pai do diretor Alan Ball, supostamente homossexual, de acordo com o cineasta, o longa conta a história de Frank (Paul Bettany), professor universitário que viaja de Nova York até a Carolina do Sul para o velório do pai, acompanhado de seu parceiro e sobrinha. Em sua cidade natal, Frank é confrontado com traumas e fantasmas do passado, sobretudo por tentar esconder sua sexualidade da família.

 

Ambientado nos anos 1970, “Tio Frank” faz um doloroso retrato do preconceito contra homossexuais, enraizado na sociedade conservadora, por meio de uma família sulista cujo patriarca tirano e repressor renega o próprio filho, humilhando-o sempre que possível para deixar nítido o desconforto com sua presença. Neste cenário, medo, desamparo e remorso se cruzam de maneira avassaladora na personalidade de Frank, que se mantém afastado da família para preservar o relacionamento com Wally (Macdissi), seu porto seguro e, de certa maneira, alívio cômico do longa.

 

Conduzido com sensibilidade por Ball, “Tio Frank” leva o espectador a refletir sobre condutas alicerçadas no preconceito e na intolerância que impactam diretamente a estrutura familiar, transformando amor e admiração em medo e revolta. Recriando com esmero o período entre as décadas de 1940 e 1970, este é um filme interessante principalmente por mostrar que os problemas de outrora ainda não foram sanados e que o respeito ao próximo é a solução mais indicada.

 

8. “Arkansas”:

“Arkansas” é dirigido por Clark Duke (Foto: Divulgação).

Adaptação cinematográfica do livro homônimo de John Brandon, “Arkansas” utiliza elementos do cinema policial, suspense e drama de maneira a subverter a imagem de perfeição do estilo de vida americano por meio do humor negro e refinado. Protagonizado por Liam Hemsworth e Clark Duke, que estreia nas funções de diretor, produtor e roteirista de longas-metragens, o filme é um dos destaques do catálogo da Amazon Prime Video.

 

Dividido em cinco capítulos, “Arkansas” conta a história de Kyle (Hemsworth) e Swin (Duke), que entram para o tráfico de drogas sem conhecer seu chefe, Frog (Vince Vaughn). Durante sua primeira grande missão, a dupla conhece um dos homens de confiança de Frog, Bright (John Malkovich), que trabalha como guarda florestal no parque que serve como fachada para a quadrilha. Aos poucos, os dois percebem os riscos de um caminho sem volta.

 

Apesar da premissa simples e batida, mas que tem como diferencial a apresentação de Frog ao espectador logo no início, deixando a dúvida apenas para a dupla protagonista, “Arkansas” surpreende pela firme condução de Duke, que se inspira no cinema de Quentin Tarantino para apresentar uma trama baseada em escolhas e consequências, chamando também a atenção pela montagem de Patrick J. Don Vito. Indicado ao Oscar de melhor edição por “Green Book – O Guia” (Green Book – 2018), Don Vito conecta os cinco capítulos com habilidade, trabalhando a questão espaço-tempo com cuidado para manter o ritmo narrativo. É uma montagem exemplar que ainda insere a trilha sonora com precisão a fim de potencializar os toques de comicidade, assim como os momentos de silêncio.

 

9. “Destacamento Blood”:

“Destacamento Blood” é dirigido por Spike Lee (Foto: Divulgação).

Produção original Netflix, “Destacamento Blood” explora as feridas ainda não cicatrizadas da Guerra do Vietnã, começando com imagens de arquivo sobre a explosão da violência tanto em solo vietnamita quanto americano, concedendo ao espectador uma rápida e necessária contextualização que é utilizada como fio condutor desta trama dirigida por Spike Lee e costurada com eficiência pela montagem de Adam Gough, de “Roma” (Idem – 2018), outro título da gigante do streaming. Este início potente dá o tom de todo o longa, que esmiúça os traumas de homens vítimas de preconceito racial em seu próprio país, mas servindo a ele como bucha de canhão em terreno hostil numa guerra que não era deles.

 

“Destacamento Blood” conta a história de quatro ex-combatentes negros voltam ao Vietnã para resgatar os restos mortais de seu antigo companheiro, Stormin’ Norman (Chadwick Boseman), na selva. Esta é a versão oficial da viagem do grupo composto por Paul (Delroy Lindo), Otis (Clarke Peters), Melvin (Isiah Whitlock Jr.) e Eddie (Norm Lewis). Mas, além de Norman, os veteranos estão atrás do ouro escondido desde a guerra, aceitando o acordo com um mercenário, intermediado pela ex-amante de um deles.

 

No decorrer de pouco mais de duas horas e meia, Spike Lee critica o belicismo americano para conscientizar o espectador de que guerras nunca acabam, pois suas feridas acompanham o indivíduo até o fim da vida. Muitas destas feridas surgem em cena como traumas e fantasmas do passado, sintetizados, aqui, na figura de Paul, uma espécie de Coronel Kurtz, personagem de Marlon Brando no clássico “Apocalipse Now” (Apocalypse Now – 1979), de Francis Ford Coppola. Subestimado pela indústria, Delroy Lindo entrega a atuação mais sublime de sua carreira, passeando com segurança pela dor que origina a loucura de seu personagem na volta à selva. Contudo, o longa pode causar certa estranheza nos quesitos maquiagem e efeitos visuais no que tange aos flashbacks, protagonizados pelo mesmo grupo de atores sem nenhum recurso de rejuvenescimento.

 

Mesmo apelando para facilidades do roteiro no que diz respeito às barras de ouro e aos membros de uma ONG, “Destacamento Blood” se destaca por ganhar contornos de filme de ação sem perder o cunho político em nenhum momento, reforçando a autoralidade do cineasta. Abordando a importância de laços familiares, este longa se inspira no passado para refletir a atualidade, citando em sua trama o importante movimento “Black Lives Matter”.

 

10. “Era Uma Vez um Sonho”:

“Era Uma Vez um Sonho” é dirigido por Ron Howard (Foto: Divulgação).

Baseado na autobiografia de J.D. Vance, “Era Uma Vez um Sonho” (Hillbilly Elegy – 2020) retrata de forma dolorosa um lar fraturado pela dependência química e alcoolismo. Dirigido por Ron Howard, o filme aposta nos detalhes de tramas secundárias que permitem melhor compreensão do espectador aos efeitos do vício sobre toda a família.

 

No longa, Gabriel Basso vive J.D. Vance, estudante de Direito e ex-combatente no Iraque que sonha com uma vida melhor, mas é confrontado com o alto custo da faculdade e com a overdose da mãe, Beverly (Amy Adams), sendo obrigado a voltar para casa numa semana crucial para a sua carreira. Durante a viagem, J.D. começa a recordar momentos importantes da história da família, principalmente de sua avó, interpretada por Glenn Close, que o colocou nos trilhos para evitar que ele seguisse os passos da mãe.

 

Produção original Netflix, “Era Uma Vez um Sonho” apresenta o lado disfuncional do interior dos Estados Unidos para conduzir o espectador por uma história dura sobre a busca pela tão sonhada chance de vida melhor em meio às adversidades que insistem em derrubar o indivíduo. Não apenas isto, pois este também é um filme sobre amadurecimento e decisões difíceis para um jovem que tanto absorveu os problemas da mãe e se vê na posição de escolher entre apoiá-la novamente, mas sem acreditar numa possível recuperação, ou cuidar de seu próprio futuro para, finalmente, encontrar paz, estabilidade e felicidade.

 

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