Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Oscar 2022: AMPAS consagra o streaming… da Apple!

“No Ritmo do Coração”: equipe comemora a vitória no Oscar 2022 (Foto: Divulgação – Crédito: Michael Baker / A.M.P.A.S.).

Há 20 anos, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) entregou a primeira estatueta de melhor animação após pedidos incessantes da The Walt Disney Company, que, à época, colhia os frutos do renascimento de seu departamento de animação, produzindo alguns de seus maiores clássicos na década de 1990, entre eles, o primeiro longa-metragem animado a disputar o Oscar de melhor filme, “A Bela e a Fera” (The Beauty and the Beast – 1991, EUA), de Gary Trousdale e Kirk Wise. Em 2002, a expectativa era a de que o estúdio do Mickey levasse o Golden Boy por “Monstros S.A.” (Monsters, Inc. – 2001, EUA), de Pete Docter, David Silverman e Lee Unkrich. Produzido em parceria com a Pixar Animation, o filme tinha um adversário cujo peso não foi considerado: “Shrek” (Shrek – 2001, EUA), de Andrew Adamson e Vicky Jenson.

 

“Shrek” venceu o primeiro Oscar de melhor animação (Foto: Divulgação).

 

Quando a Academia anunciou a vitória de “Shrek”, o baque foi sentido pela Pixar e pela Disney, sobretudo pelo fato de o ogro politicamente incorreto que dialoga diretamente com a plateia adulta, atingindo a fatia infanto-juvenil prioritariamente por seu visual, não se encaixar nos padrões “fofinhos” das produções da Casa do Mickey. Tendo Steve Jobs como um de seus fundadores, a Pixar não viu sua colaboração com a Disney entrar para a História como o primeiro vencedor do Oscar de melhor animação. No entanto, outra empresa fundada por Jobs celebra uma vitória importante na 94a edição do prêmio da AMPAS: a Apple.

 

“No Ritmo do Coração” é dirigido por Sian Heder (Foto: Divulgação).

Há tempos dividida entre a necessidade de manutenção do modelo tradicional de cinema e o abraço ao streaming, refletindo as mesmas preocupações de parte considerável da comunidade hollywoodiana, a Academia decidiu consagrar uma produção original da AppleTV+ como melhor filme no Oscar 2022. E não foi um título irrelevante, pelo contrário, pois “No Ritmo do Coração” (CODA – 2021, EUA / França / Canadá) atende às atuais demandas da sociedade no que tange à representatividade e inclusão. Com direção e roteiro de Siân Heder, o longa começou sua campanha rumo ao palco do Dolby Theatre com muita discrição e, no começo da temporada, poucos poderiam imaginar sua vitória, sobretudo por ter como adversária a obstinada Netflix, que ainda não realizou o sonho dourado em forma de estatueta de melhor filme.

 

Distribuído no Brasil também pela Amazon Prime Video, “No Ritmo do Coração” é uma produção leve e de suma importância que retrata com dignidade e sensibilidade o cotidiano de uma família de deficientes auditivos que tem como suporte a caçula Ruby (Emilia Jones), a única ouvinte, que sonha com futuro na música. Equilibrando drama e humor nas doses exatas, o longa também encontra espaço para representar a comunidade latina por meio do professor Bernardo Villalobos, defendido com propriedade pelo mexicano Eugenio Derbez. Na verdade, todos os personagens são defendidos com garra pelo elenco, completamente integrado entre si, o que não apenas permite que os atores brilhem em cena, como também concede veracidade à dinâmica de uma família que luta contra muitas adversidades.

 

No entanto, o que mais chama a atenção em “No Ritmo do Coração” é a sua mensagem de superação e igualdade, mostrando ao (tel)espectador que o indivíduo não pode nem deve ser julgado por sua deficiência auditiva. E é por esta razão que a vitória das estatuetas de filme, roteiro adaptado e ator coadjuvante (Troy Kotsur, o primeiro ator surdo a conquistar o Oscar) é tão importante para a comunidade surda, pouco representada pelo cinema de forma geral.

 

“No Ritmo do Coração”: equipe agradece o Oscar de melhor filme (Foto: Divulgação – Crédito: Blaine Ohigashi / A.M.P.A.S.).

 

Aplaudida de pé pela plateia do Dolby Theatre, a equipe de “No Ritmo do Coração” viveu um momento muito especial na noite do último domingo, dia 27, mas acabou abalando as estruturas da Netflix. Com dois títulos na disputa pelo Oscar de melhor filme, a gigante do streaming saiu do Oscar 2022 amargando derrotas significativas. Assim como em edições anteriores, a empresa fez uma campanha calcada no “já ganhou”. E esta é uma opção perigosa sobretudo por demonstrar indiferença para com seus oponentes, subestimando-os.

 

Nesta edição, a Netflix tinha dois títulos concorrendo ao Oscar de melhor filme: “Não Olhe Para Cima” (Don’t Look Up – 2021, EUA), de Adam McCay, e “Ataque dos Cães” (The Power of the Dog – 2021, Reino Unido / Canadá / Austrália / Nova Zelândia / EUA), de Jane Campion. Tecendo crítica política, “Não Olhe Para Cima” totalizava quatro indicações, mas não levou nenhum Golden Boy, nem mesmo o de roteiro original no qual era considerado favorito por ter recebido o WGA Awards, concedido pelo Sindicato de Roteiristas dos Estados Unidos (Writers Guild of America – WGA), principal indicativo das categorias de roteiro original e adaptado. Já “Ataque dos Cães”, líder de indicações este ano, 12 ao todo, saiu do Dolby Theatre somente com a de direção para Jane Campion, que se tornou a terceira mulher a vencer esta estatueta – as outras são Kathryn Bigelow por “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker – 2008, EUA) e Cholé Zhao por “Nomadland” (Nomadland – 2020, EUA).

 

“Ataque dos Cães” é protagonizado por Benedict Cumberbatch (Foto: Divulgação / Crédito: Netflix).

 

Contudo, pode-se dizer que a derrota de “Ataque dos Cães” foi mais dolorosa para a Netflix, que apostou todas as suas fichas nesta adaptação do livro homônimo de Thomas Savage, protagonizada por Benedict Cumberbatch, um dos favoritos ao prêmio de melhor ator, entregue a Will Smith por “King Richard: Criando Campeãs” (King Richard – 2021, EUA), de Reinaldo Marcus Green – de acordo com o The Hollywood Reporter, Smith pode ser punido pela AMPAS devido à agressão contra Chris Rock, mas a hipótese de ter sua estatueta retirada é pequena. A gigante do streaming realmente acreditava na consagração de “Ataque dos Cães”, que tem na bagagem prêmios como Globo de Ouro, Critics’ Choice Award e BAFTA Award. Por isso, o anúncio de “No Ritmo do Coração”, feito por Lady Gaga e Liza Minnelli, surtiu o mesmo efeito de um balde de água gelada em seus executivos, que sonhavam em ver a Netflix como a primeira plataforma digital a ganhar o Oscar principal e, agora, sentem o mesmo gosto amargo que a Disney / Pixar sentiu há 20 anos, quando viu a divisão de animação da DreamWorks levar a estatueta pelo ogro politicamente incorreto.

 

Mas o que muitos se perguntam é se Hollywood resolveu acolher definitiva e calorosamente o streaming ao premiar uma produção original AppleTV+. Na verdade, a capital do cinema decidiu se abrir ao modelo que desempenhou papel importante durante os meses mais críticos da pandemia do novo coronavírus, quando as plataformas digitais eram o único meio de entretenimento seguro em meio ao caos pandêmico, pois os centros de produção e as salas de exibição tiveram suas atividades interrompidas, dentro e fora dos Estados Unidos, por muitos meses. Não apenas isto, a consagração de “No Ritmo do Coração” não se atém à sua qualidade nem a tudo aquilo que ele representa, pois premiá-lo é, também, reconhecer a revolução de hábitos culturais e de consumo instituída pela Apple, empresa que plantou a primeira semente do streaming ao disponibilizar títulos via iTunes no passado não muito distante, da mesma maneira que, em 2002, o prêmio a “Shrek” foi um reconhecimento à revolução da vertente animada do cinema.

 

No fim das contas, o recado dado pela AMPAS neste Oscar é o de que Hollywood está tentando encontrar meios de coexistência entre o modelo tradicional de cinema e o streaming, mesmo sabendo que o primeiro tem de ser priorizado sempre que possível, pois o lucro nas bilheterias é o que mantém as engrenagens da indústria funcionando a pleno vapor, garantindo o sustento e a sobrevivência de milhares de profissionais que dele dependem.

 

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