Os melhores álbuns de 2019

Por Pedro de Freitas

O ano novo se aproxima, e alcançamos aquela época em que fazemos um balanço do ano que passou. Isso inclui a música. Não tenho escrito muito, mas isso não quer dizer que não tenha ouvido música, tanto os clássicos eternos, quanto os futuros clássicos, que foram criados esse ano. Infelizmente não tive muito tempo de ouvir o que foi produzido na cena independente brasileira, e a música pop nacional… bem, não sei até onde irão cavar esse buraco. As músicas nacionais mais consumidas atualmente parecem criadas em um aplicativo “gerador de músicas aleatórias”. Em termos de nacionais, prefiro decididamente os clássicos. Já no cenário internacional, foi um bom ano. Não que haja nada revolucionário ou transgressor acontecendo, porque acho que não há mais isso. Vivemos uma era de “pós tudo”, onde é cada vez mais difícil ver algo realmente diferente. Mas não quer dizer necessariamente ruim. Pelo contrário, os dez álbuns que selecionei têm em comum o fato de serem coleções de ótimas canções, mesmo que não sejam revolucionárias ou renovadoras da música pop atual. E isso independe do gênero musical – é uma seleção bastante eclética. Antes que vocês morram de ansiedade (ou tédio) vamos à ela:

“Magdalene” – FKA twigs : Se tivesse que escolher um trabalho para ser o melhor do ano, seria esse. A inglesa FKA twigs me lembra muito Bjork. Seu trabalho une várias vertentes da mídia artística em uma coisa só, exatamente como a islandesa. Elementos de artes plásticas, música, dança, vídeo se fundem, formando uma amálgama em torno da imagem da artista. Ambas são dotadas de belas e peculiares vozes, mas musicalmente há diferenças. Enquanto Bjork trabalha com referências do indie rock, da música erudita e da eletrônica, no caldeirão de FKA twigs há também ingredientes da mésica eletrônica, mas temperados com generosas doses de Soul, R&B e rap/hip hop. O que era uma grande promessa, no álbum de estréia de 2015 (que indiquei aqui) se tornou realidade. Um trabalho de estranha e singular beleza.

“Ode to Joy” – Wilco : Na virada do século, o Wilco, junto com o Radiohead, já foi considerado a salvação do rock. Da mesma forma que os britânicos, que alimentaram expectativas por conta do disco “Ok Computer”, o álbum “Being There” cacifou a banda e aumentou as apostas da Warner Bros. de que tinham futuros pop stars na mão. O que se seguiu foi um dos mais espetaculares suicídios comerciais de todos os tempos, o seminal “Yankee Hotel Foxtrot”, mal compreendido pela gravadora, que mandou embora a banda e repassou as gravações a preço de banana (o álbum, lançado de forma independente, vendeu bem mesmo assim). O Wilco ganhou o status de “maldito”. Mas hoje, com “Ode to Joy”, depois de acertos e erros, retornaram ao básico do início da carreira: uma sequência de belas canções, básicas e simples, inspiradas no alt country rock de gente como Neil Young e The Band.

“Help Us Stranger” – The Raconteurs: Não tenho dúvidas de que Jack White é um dos melhores guitarristas a aparecer neste século. Gosto de seus trabalhos mas… tem sempre um mas. No White Stripes era legal, mas…minimalista e espartano demais. O trabalho solo é legal, mas…pretensioso demais. No Raconteurs ele atua como side man em uma banda de verdade, o que deu esperança a muita gente. Mas se o primeiro disco foi esperança, o segundo foi uma decepção. Agora, com o terceiro disco lançado sem alarde, acertaram a mão. Uma coleção impecável blues rocks estilizados, pesados e atualizados, em dia com o século 21. Sem se preocupar em ser um faz tudo (como no White Stripes) ou a última Coca Cola do deserto (na carreira solo), Jack White se solta no que sabe fazer melhor: ser um dos grandes guitarristas desta geração.

“Fear Inoculum” – Tool: Foi um teste de paciência para os fãs. 13 anos sem lançar um mísero disco. É mais tempo que toda a carreira dos Beatles. O Tool sempre foi econômico em lançamentos; são 4 álbuns em pouco mais de vinte anos de carreira. Mas mesmo com uma discografia tão esparsa se percebe a evolução: no início da carreira eram identificados com o Nu-Metal de Linkin Park, System of a Down, Korn e Slipknot. Pouco ou nada restou dessa referência. Hoje o Tool é uma espécie de King Crimson contemporâneo, mais pesado e sombrio. Tirando algumas vinhetas, todas as músicas do disco passam dos dez minutos de duração – com passagens elaboradas e de extrema complexidade rítmica, cortesia de seu excepcional baterista, Danny Carey, em minha opinião o melhor em atividade no mundo. É mais lento e reflexivo que trabalhos anteriores, e exige bastante do ouvinte – audições repetidas inclusive. Mas nada disso foi obstáculo para que “Fear Inoculum” tirasse Taylor Swift do topo das paradas americanas em meados desse ano.

“Jesus is King” – Kanye West: Ok, o cara é uma mala sem alça, estufada de egotrip. Mas será que em outras épocas, nos anos 70 e 80 não ocorria nada parecido, com os Mick Jaggers e Axl Roses da vida? A diferença é que Kanye West não faz rock, e sim rap, e que hoje existem as redes sociais, que turbinam e anabolizam o número de fãs e qualquer informação deixada pública. O fato é que em “Jesus is King” Kanye deixa a autopromoção para falar de Deus, Cristianismo e Fé, com acompanhamento, clima e parcerias compatíveis, como se fosse um (excelente) show gospel. Talvez tenha sido seu trabalho que tenha despertado reações mais diversas; não houve unanimidade ou aclamação. Mas talvez seja também um dos seus trabalhos musicalmente mais ricos.

“Flamagra” – Flying Lotus: Quem resume seus conhecimentos de música psicodélica a Pink Floyd e à segunda fase dos Beatles pode se atualizar ouvindo o ótimo “Flamagra”. Flying Lotus é um dos melhores produtores da atualidade. Tem uma formação musical que inclui jazz e música clássica, que influenciam seu trabalho. Assim como música eletrônica, rap/hip hop, e rock, formando um trabalho de difícil definição. O melhor mesmo é ouvir esse longo é surpreendente álbum, que se não vai mudar conceitos ou revolucionar cabeças, vai ao menos mostrar o que é fazer/praticar música sem fronteiras, barreiras, ignorando pré-definições.

“Father of The Bride” – Vampire Weekend: o gênero musical rock passa por um processo de envelhecimento natural para seus mais de 60 anos de história. As figuras cultuadas nos Rock In Rios da vida já estão na casa dos 60, 70 e não houve uma grande renovação. Uma das poucas bandas de rock bem-sucedidas que são produto dos anos 2010’s é o Vampire Weekend. O primeiro álbum, de dez anos atrás, fundia o rock independente e o punk com elementos do highlife, a música pop africana. Após um segundo trabalho mais convencional, chegamos a esse terceiro álbum. E podemos afirmar: o melhor deles, e um atestado do amadurecimento da banda. “Father of The Bride” nada mais é do que uma coleção de músicas sublimes. Tem em si a característica dos grandes trabalhos: uma aparente simplicidade, que esconde uma enorme capacidade de fazer pérolas pop atemporais, concentrando essências e retirando excessos. O que requer conhecimento e sensibilidade musical. “Father of The Bride” é seguramente um dos melhores trabalhos musicais desse ano.

“In Cauda Venenum” – Opeth : Esse trabalho é a consumação de uma das metamorfoses mais impressionantes do rock/pop atual. Até alguns anos atrás, a banda sueca Opeth era um dos expoentes do Death Metal – com direito a todos os ingredientes que acompanham o gênero – dos vocais grunhidos e guturais à bateria-metralhadora. Há três álbuns, decidiram gradativamente romper com essas convenções, com um trabalho mais melódico e com afinidades com o jazz e o rock progressivo, solidificado com “In Cauda Venenum”. Mas a mudança não implicou deixar de lado o passado e suas referências: o Opeth atual soa como alguém que mudou de casa e de cidade, mas levou de reboque toda a mobília. Estão lá, entre as belas melodias urdidas por Mikael Åkerfeldt, o líder da banda, e em meio a vocais insuspeitamente suaves, as referências históricas da banda. Mais ou menos como se Tarantino fosse fazer um filme romântico, mas sempre te deixasse de sobreaviso durante a exibição, esperando o tradicional banho de sangue no final.

Igor – Tyler The Creator: Tyler The Creator pertence à nova leva dos artistas Rap que chegaram ao estrelato nos últimos dez anos. Entretanto, seu disco “Flower Boy”, de dois anos atrás, sinalizou uma grande mudança, em direção a um universo mais eclético e mais maduro, com maiores alternativas musicais. “Igor” reafirma isso. Um desavisado dificilmente classificaria o trabalho como “Rap” se não conhecesse o “Creator”. Passaria como um R&B de ótima cepa, com elementos de Rap presentes aqui e ali. Certamente o melhor disco de rap (rap?) a ser lançado no ano.

When I Get Home – Solange: Por falar em afirmação… poucas coisas dão tão certo na música pop quanto músicas Soul e R&B entoadas por Divas de vozes irretocáveis. Da Diana Ross dos anos 60, passando por Roberta Flack e a versão “disco” com Donna Summer, às sensacionais Divas Neo Soul Erikah Badu, Macy Gray e Mary J. Blidge dos 90, até Alicia Keys nos dias de hoje. Há sempre uma jovem guarda de “Divas”, e candidatas ao bastão. Uma delas hoje é Solange, nada menos que irmã de Beyoncé. Mas não se impressione com o parentesco. Não há nepotismo aqui, e sim talento em estado bruto. Solange é muito mais influenciada por esses ícones de ano passados que sua irmã, e “When I Get Home” prossegue na esteira do seu trabalho anterior, fazendo uma releitura do som padrão Motown dos 60 e 70 e o Neo Soul dos 90, sem saudosismo a antenada com a época atual. Ouçam e decidam entre a música das duas irmãs. Eu já decidi. Fico com Solange.

Acho que por enquanto é só pessoal. Agora, só ano que vem. Que venha 2020!

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