Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

O Rock in Rio aos pés de Gil

Sabe aquela escola de samba que é a última a desfilar e passa na avenida atropelando, deixando a impressão que já ganhou e nada além dela foi bom? Pois Gilberto Gil, que nem foi a última atração do fim de semana, fez isso com muita gente. Foi arrebatador, mas a verdade é que tivemos outras coisas bem legais nos três primeiros dias do Rock in Rio. Ok, vá lá, no segundo dia nem tanto.

Alguns shows trouxeram momentos de emoção, outros foram mais dançantes. Alguns tinham um repertório excelente e outros, arranjos espetaculares. Só Gil tinha isso tudo junto. Mas voltarei a ele no fim do texto.

O Festival foi aberto com uma programação voltada ao metal e suas variantes. Nada de muito diferente do que já se viu em outras edições, tirando Dream Theater e Bullet for my Valentine. O primeiro agrada a um nicho bem específico de público. O segundo, à rapaziada mais nova. Acho que todos saíram satisfeitos com bons shows, feito pra eles. A massa que foi ver Iron curtiu, mas sem tanta empolgação.

Já Bruce e sua galera tinham na mão uma missão ingrata, que era fazer um show à altura do que fez em 2019. Mas aquele show foi algo extraterreno, um êxtase coletivo. O deste ano fazia parte de uma turnê de disco novo e trazer novidades pra festival é complicado. Obviamente que eles não iriam montar um show totalmente diferente só para o RiR, mas o público não pareceu preparado pra primeira meia hora de apresentação com três músicas novas e com a modorrenta Sign of the Cross. Eu, aliás, sou favorável à ideia de deletar da humanidade a era Blaze Bailey no Iron Maiden. Mais ou menos como uma adaptação do filme YESTERDAY, onde o mundo apaga por um minuto e, quando retorna, não existiu Iron com Blaze. Gastar quase 20 minutos de show com esta canção e com The Clasman é uma heresia. Assim como é uma heresia afirmar que o show foi ruim. Nunca será, assim como não existe pizza ruim. Mas já os vi em momentos bem melhores.

O encontro Living Colour/Steve Vai foi um dos grandes momentos desta fim de semana. Os novaiorquinos tocaram algumas de suas melhores canções dos três primeiros álbuns, como Middle Man, Desperate People, Type e Ignorance is Bliss. Com Vai, escolheram bem demais os clássicos Rock and Roll, do Led Zeppelin e Crosstown Traffic, de Hendrix.

O show que abriu o Palco Mundo, às 18:15h de um dia normal de trabalho, funciona mais como um pano de fundo pro público que vai chegando. A ideia de juntar Sepultura e OSB é boa. A execução, razoável. O peso da banda sufocou os instrumentos da orquestra em vários momentos, mas é inegável que trata-se de um encontro inusitado e legal de presenciar. Sobre o Gojira, que substituiu o Megadeth, acho que o Palco Mundo está bem além do tamanho deles aqui no Brasil. Já é a segunda vez que eles vêm e, em ambas, despertou a atenção de meia dúzia de fãs, enquanto quase todo mundo aproveitou pra comer, ir ao banheiro ou passear pela Cidade do Rock. Como o Festival não se resume apenas aos dois palcos principais, destaco também o ótimo show do Gangrena Gasosa no Favela. Ótima banda e um repertório super original e divertido.

Há pouco a se falar sobre o sábado no Rock in Rio. Inusitado foi o palco principal quase totalmente desabitado durante toda a noite. Três shows com apenas uma pessoa no palco. Dois DJs e um artista cantando sobre uma base gravada. Coube somente a Jason Derulo povoar o local com uma grande banda e dançarinos para surpreender positivamente com um bom show. Post Malone esbanjou simpatia e carisma debaixo de um temporal, mas acredito que a sua obra – da qual não sou nem um pouco fã – executada por bons músicos, ganharia em pressão e valorizaria o espetáculo.

O primeiro show do Racionais em um Rock in Rio trouxe uma comoção muito grande para os fãs do gênero rap. Não curto o som, mas foi ótimo ver muita gente emocionada durante a apresentação. Embora não seja a minha praia, tenho o máximo de respeito por sua história. Em um Festival que prima pela diversidade, achei bem tardia a estreia dos paulistanos, pela relevância que carregam.

Sobre os DJs, mais uma vez, só posso dizer que não compreendo. Quanto à questão comercial, engulo. Quanto à artística, não há como aceitar. Pegar música dos outros, enfiar elementos eletrônicos, apertar play e bater palminhas ou ficar motivando o público como uma grande aula de ginástica é uma galhofa. Há o espaço de música eletrônica lá no fundo que já serve pra isso. O Palco Mundo é pra quem canta ou toca.

Pra fechar a semana, o domingo que pra mim seria bem morno, trouxe ótimas surpresas. No Mundo, um showzaço de Demi Lovato em sua versão rock’n roll, uma superprodução da ótima Iza e um Justin Bieber bem mais maduro do que o menino que vi fazendo playback no Engenhão anos atrás. Demi e Justin trouxeram duas bandas fantásticas que em muitos momentos roubaram a cena (viu, Post?). O Jota Quest abriu a programação bem cedo e pouca gente parou pra ver. Aquele show previsível, porém legal, com seus maiores hits e a galera cantando junto enquanto passeava ou tirava fotos.

No Sunset, apesar do frágil repertório, rolou uma ótima apresentação de Luísa Sonza, se credenciando a subir de divisão em 2024 e repetindo o caminho trilhado por Iza. Pouco depois, Emicida e convidados mantiveram o nível lá no alto e esquentaram o palco para o astro rei.

Gil subiu ao palco por volta das 10 da noite, quando garoava e fazia um frio de lascar. Com 80 anos, o baiano vem fazendo uma turnê comemorativa com vários membros de sua família na banda. A ideia rendeu inclusive uma maravilhosa série de cinco episódios mostrando o processo de criação do show. Quem não viu, por favor! Um trecho do resultado final foi o que ele levou para o Rock in Rio, já que os shows, tirando o headliner, cumprem o padrão de uma hora. Mas foram 60 minutos que mereciam ser enquadrados e colocados na parede do Louvre. Um repertório fantástico, com Palco, Vamos fugir, Andar com Fé, Estrela, Drão...todas vestidas com arranjos de cair o queixo, mesclando elementos das versões originais com detalhes ultra criativos. Quando chamou sua neta Flor, de apenas 13 anos, para cantar com ele, a menina desandou a chorar no ombro do avô e proporcionou um dos momentos mais lindos e puros da história do Rock in Rio. Gil estava rouco, mas não importa. A grandeza de sua obra se sobrepõe a todo e qualquer detalhe. Preta Gil ainda homenageou o irmão Pedro, que tocou com o pai no Festival em 85 e morreu em um trágico acidente de carro no fim de 1990, o que fez com que Gil cancelasse seu show na noite de abertura da segunda edição, menos de um mês depois.

Uma hora de Gil é pouca coisa, mas cada segundo foi saboreado profundamente pelos pais, tios e irmãos mais velhos da molecada que foi ver Demi Lovato e Justin Bieber.

Vamos descansar que quinta-feira começa tudo de novo!

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