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O viajante musical Gabriel Santiago

Talento e criatividade sobram para o violonista Gabriel Santiago. Compositor, arranjador e protagonista de uma discografia extraordinária, são 10 discos que incluem 2 DVDs, em formações solo, trio, big band e sinfônica.

Traveler é seu mais novo e extraordinário trabalho, aqui na formação de trio ao lado do contrabaixista Sidiel Vieira e do baterista Thiago Rabello. No repertório são 7 composições, 5 autorais e 2 interpretações – “Coração de Estudante” (Milton) e “Vento de Maio” (Lo Borges). O violão de 12 cordas é o protagonista nesse registro, e Gabriel Santiago explora sonoridades fazendo muito uso dos vocalizes, e sua veia autoral mostra um compositor e instrumentista que sabe mesclar o universo da música brasileira e do jazz contemporâneo, com espaço para o improviso e com uma concepção melódica e harmônica que cativa o ouvinte.

“Traveler” foi gravado no estúdio Da Pá Virada em São Paulo, e teve produção de Gabriel Santiago e Thiago Rabello. A arte da capa é da Dani Gurgel.

Gabriel Santiago. Foto: Divulgação

Quem conta essa história é Gabriel Santiago –

Traveler é o décimo disco da sua carreira, que inclui 2 DVDs. Como se construiu essa trajetória musical?

Comecei a tocar muito cedo, com 9 anos, e quando tinha uns 12 pra 13 anos comecei a tocar na noite com um grupo do qual fazia parte em minha cidade natal, Ilhéus, na Bahia. Gravei algumas coisas já um pouco depois disso lá pelos estúdios da região com meu pai, que é compositor/violonista. Em 1998 me mudei pra o Rio de Janeiro onde morei por 10 anos, entrei na universidade de música (UniRio) e passei bastante tempo por lá – tenho duas graduações e mestrado na mesma universidade. Junto a alguns amigos na faculdade formamos um grupo – Samambaia, que tinha como principal proposta apresentar composições autorais. Em 2002 produzi o disco do nosso grupo, este o meu primeiro trabalho fonográfico. Em 2007 gravei o meu segundo disco, que se chama “Gabriel Santiago”, no qual tive o privilégio de contar com mais de 35 músicos, incluindo artistas maravilhosos dos quais sempre fui fã como Odair Assad, Gilson Peranzetta, Márcio Bahia, entre muitos outros.

Grande parte dessa discografia veio a ser realizada fora do país, começando em 2008 quando me mudei para os EUA para ingressar no Doutorado em Composição na Universidade do Texas, em Austin. Foi uma experiência maravilhosa e de lá surgiu a semente da maioria dos trabalhos que realizei. Formei um novo Quinteto e gravamos um DVD/CD, formei a minha Big Band em que gravamos também um DVD/CD, todos com minhas composições, e lancei também um trabalho com minhas composições para orquestra sinfônica.

Após tudo isso, retornei ao Brasil por um curto período e tive a oportunidade de lançar mais alguns trabalhos, frutos de uma parceria que se estende até hoje com o músico e produtor Thiago Rabello em São Paulo. O disco “Connections” foi o primeiro dessa série, em que pude contar com o saxofonista americano Justin Vasquez, que esteve sempre presente nos meus projetos nos EUA. Após isso criamos o grupo Metropole, que além de Thiago e eu também conta com o baixista Sidiel Vieira e o pianista Zé Godoy, e juntos lançamos dois discos – “Metrópole” e “No Caminho”.

Retornei definitivamente aos EUA há 2 anos e continuei a produzir novos trabalhos. Ano passado lancei meu primeiro disco de violão solo – “Momentum” – e pela primeira vez me dediquei exclusivamente a interpretar músicas de outros compositores. Este ano acabei de lançar meu primeiro disco em formato de Trio, “Traveler”, com o time que tenho trabalhado já há alguns anos com Thiago Rabello na bateria e Sidiel Vieira no contrabaixo. Já tenho dois trabalhos a serem lançados no ano que vem e outro a ser gravado, todos em formato de DUO – o primeiro com o pianista Peter Stoltzman, com quem também venho colaborando há muitos anos desde o início de minha trajetória aqui nos EUA, e o segundo que acabei de gravar com o baixista inglês radicado aqui nos EUA Janek Gwizdala. E por fim, no ano que vem também gravarei um disco com o violonista/guitarista Ian Case. Estes três projetos vão me manter bastante ocupado no próximo ano, o que é uma felicidade muito grande pra mim.

Gismonti, Baden, Tom, Milton, Edu Lobo, Gonzagão, Ivan Lins e tantos outros – você faz belíssimas leituras da nossa música. A música brasileira é sua grande fonte de inspiração e influência?

Sem dúvida. Todos esses nomes são enormes influências. Toninho Horta e toda a geração do Clube da Esquina com certeza estão lá pelo topo da lista. Aliás nesse novo trabalho, “Traveler”, gravei uma música do Milton que gosto demais – “Coração de Estudante”, e Vento de Maio, de Marcio e Telo Borges, que é uma de minhas músicas favoritas. A lista é enorme, nomes como João Bosco, Djavan, grandes compositores como Villa Lobos, César Guerra-Peixe e Cláudio Santoro. Isso só falando do Brasil né? Quando a gente abre o leque então a lista fica sem fim. O jazz sempre esteve presente desde muito cedo. Ainda moleque fui apresentado aos discos de Wes Montgomery, Joe Pass, Jim Hall, Oscar Peterson, Bill Evans, e a partir daí a vontade de ouvir e descobrir foi aumentando exponencialmente. Tarefa árdua citar alguns nomes em meio a esse oceano de música maravilhosa. Do jazz mais contemporâneo, com certeza os caras que fizeram mais a minha cabeça foram a dupla dinâmica Pat Metheny/Lyle Mays, Russell Ferrante, pianista do Yellowjackets, e Vince Mendoza.

Fale sobre os músicos que te acompanham neste trabalho.

“Traveler” é o primeiro disco que lanço em formato de Trio. Essa formação sempre foi bastante interessante pra mim, e embora eu faça bastante shows em formato de trio eu nunca dediquei um disco específico com essa sonoridade, que de uma forma ou de outra está sempre presente. Esse novo trabalho mostra um pouco desse universo.

Thiago Rabello na bateria e Sidiel Vieira no contrabaixo são dois fantásticos músicos com os quais tenho tido o privilégio de colaborar já há algum tempo. Esse já é o quarto disco em que tocamos juntos e neste novo trabalho tivemos a oportunidade de investigar esse formato específico de Trio e expandi-lo. Thiago, além de ser integrante do trio, tem sido fundamental também como produtor, desde a concepção do trabalho até a escolha do repertório e a gravação/mixagem.

Traveler coloca o violão de 12 cordas como protagonista. No repertório, além das leituras de Lô Borges e Milton, tem 5 temas são de sua autoria. Como você trabalha o processo de composição?

Sim, o disco privilegia o violão de 12 cordas. Um instrumento que está sempre presente comigo, de uma forma ou de outra. Vários fatores “aguçam” o meu interesse por esse instrumento – a óbvia sonoridade distinta, a similaridade com a viola caipira, um instrumento que sempre me remete a lembranças da infância pois meu pai tinha uma e tocava bastante, e a vontade de explorar as possibilidades do instrumento em outros contextos. Usei bastante violão de 12 cordas em muitas peças minhas pra Big Band e o novo disco foi mais uma oportunidade de investigar as possibilidades do instrumento. Aliás, no disco estou utilizando uma afinação 1 tom abaixo, o que por si só já me abriu uma série de possibilidades sonoras.

Respondendo à pergunta, o processo de composição/criação é, acredito, algo bastante pessoal. Às vezes converso com amigos compositores e é interessante descobrir como esse processo pode ser tão diferente de uma pessoa para a outra, e em certas situações uma mesma pessoa passeia por processos diferentes, dependendo do tempo, das circunstâncias do trabalho etc. Essas escolhas também acontecem comigo pois vários fatores vão influenciar como esse processo vai se desenrolar. Eu já fiquei 3 meses compondo uma peça sinfônica trancafiado dentro de casa, assim como tive composições que se desenvolveram rapidamente em uma “sentada” no piano. O processo, seja ele qual for, é intenso e árduo, com certeza , pelo menos pra mim.

Apesar de tocar violão e guitarra, eu sempre componho a maior parte do tempo ao piano. Os instrumentos de cordas dedilhadas entram na equação quando estou procurando por algo bastante idiomático, que o violão proporciona por exemplo. Em “Traveler”, algumas composições são claramente idiomáticas do instrumento e foram compostas inclusive no próprio violão de 12 cordas, como “Spiritual”, por exemplo. Outras, como “Unlived Future”, foi uma peça de encomenda composta, ao piano, para um coral de 24 trombones, e achei interessante e desafiador transportar tudo isso para a sonoridade do violão de 12. Enfim, trabalho árduo sempre. Muito mais “transpiração” envolvida pra desenvolver aquele pequeno momento de “inspiração” da primeira fagulha criativa, aquela primeira ideia que surge repentinamente.

Sobre efeitos, com que frequência e de que forma você os aplica na sua música?

Acho que nesse contexto os efeitos aparecem como um adereço, um tempero interessante que você adiciona à comida. Como instrumentista, de certa forma o uso de efeitos está fortemente presente no conceito sonoro que eu gosto de apresentar. Sempre tive curiosidade em investigar como poderia de certa forma “expandir” a sonoridade do violão. Nunca tive muito esse veia purista com o instrumento. Como desde o início tive que lidar com o famoso “enigma” do “som de violão ao vivo”, acabei encontrando uma forma de integrar efeitos ao meu som que projetassem o som do instrumento e desse a ele uma espacialidade que é difícil de obter fora daquele ambiente acústico do instrumento.

No fim das contas, tudo é uma questão de expandir e projetar ao máximo o som que você tem na cabeça.

O violão de 8 cordas também é muito presente na sua música. O que muda na forma de criação já que essa estrutura dá mais opções harmônicas e melódicas, e como você define a afinação?

O violão de 8 cordas foi uma consequência natural pra mim, pois sempre gostei dos graves e buscava sempre acesso a essas frequências – seja as do piano quanto as do contrabaixo. Com o violão de 7 cordas, que é normalmente o instrumento que toco com freqüência, ganhei um pouco esse registro mais estendido e senti a necessidade de expandir um pouco mais essa gama de frequências. Isso me dá acesso a uma outra gama de acordes e cores que me interessam bastante, principalmente em um ambiente solo. Tenho colaborado já há muitos anos com o luthier paulista Carlos Novaes e ele sempre está aberto a esses projetos. Além do primeiro 7 cordas que uso até hoje, tenho uma série de violões assinatura com ele – um 7 cordas, um Barítono de nylon e o 8 cordas. A afinação que uso no 8 acho que poderíamos chamar de “padrão” – 2 cordas mais graves em relação ao 6 – E B G D A E B F#.

Entre seus outros projetos, há trabalhos com big band e sinfônica e isso realmente é muito grandioso. Conte um pouco sobre essaa experiência.

Os trabalhos com Big Band e Sinfônica foram impulsionados principalmente pela estrutura a que tive acesso aqui nos EUA. Já tinha alguns arranjos de big band no Brasil, mas realmente as coisas se desenvolveram quando comecei o doutorado na University of Texas. Como tocava na jazz orchestra deles, que tem um nível bastante bom, eu era estimulado a compor para essa formação, afinal de contas o Doutorado era em composição. Tive a felicidade e estrutura pra poder desenvolver muita coisa nessa área. Uma dessas peças me rendeu um prêmio nacional para estudantes abaixo de 29 anos – o ASCAP Young Jazz Composer Award – e a coisa foi crescendo até que consegui formar a minha própria Big Band e gravamos DVD e CD. Quando retornei em definitivo aos EUA retomei a big band e continuamos a nos apresentar freqüentemente. Já tenho novas composições para mais um disco da big band, espero conseguir gravá-lo em 2019 se tudo der certo. As composições sinfônicas também seguiram uma trajetória semelhante pois nos tempos do doutorado tive a felicidade de colaborar com diversos instrumentistas que me encomendaram peças, e, após, gradativamente, ir compondo coisas para formações cada vez maiores a coisa toda culminou nas peças para sinfônica, ou Studio Orchestra, como eles chamam a formação de sinfônica + big band. Todo esse processo foi um aprendizado gigantesco, além da parte musical. Foi bastante proveitoso todo esse lado de produção, arregimentação, ensaios, produção, etc.

Como adquirir o disco?

O disco “Traveler”, e todos os meus outros trabalhos, estão disponíveis em formato físico CD/DVD e digital no meu website www.gabrielsantiagoproject.com

Tem algumas coisas FREE, como por exemplo o projeto sinfônico e também partituras, merchandising e aquela coisa toda. Tudo também está disponível em formato digital em todas as plataformas, loja e streaming)- iTunes, Spotify, etc.

 

*em colaboração ao SRzd

 

Gustavo Cunha*

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